Tratado Geral do Provincianismo urbano
Tratado geral em Facebox é ótimo, e provincianismo "urbano", rs devassos. Conceituo a pessoa provinciana como “A que educada sob horizontes pessoais e sociais acanhados e preconceituosos, ainda que suaves, projeta no mundo, por restrição ao outro que se lhe difere, uma tacanhez psicológica e de visão de mundo que não logrou evoluir com hábitos contemporâneos, lógicos e inteligentes, ao mesmo tempo que vive de criticar diferenças [do outro] que, em regra, considerará desrespeitosas, transgressoras, e ameaçadoras a algum padrão de sistema, seja ético, educacional, social ou cultural lato sensu, tudo porque “longe” da sua socialidade. O que está perto é palatável, o que está longe será censurável.”
Insiro aí uma divisão, a da pessoa provinciana urbana e a rural. O provinciano rural (que não é objeto desse estudo) é o capiau, o roceiro, aquelas pessoas que denotam a autenticidade não incomodada e exercem um provincianismo que não patrulha, não é persecutório, e sua crítica ao outro é praticamente íntima ou cochichada de canto, um verdadeiro recato, sufocada na micro amplitude de sua modesta e pacata vida doméstica.
Enquanto isso, a pessoa provinciana urbana apresenta a patologia social no sentido de que os vieses da preocupação e da crítica se sobressaem em tons elevadíssimos; é a baba do preconceito ao mesmo tempo que o furor pela inserção social, modernosa, vistosa, brilhante, fustigada e espumosa. Haverá aí preocupação com a moda, o modismo, os conceitos de tendência, o está se usando, o todo mundo usa, o ninguém mais está usando, o não se usa mais e comportamentos assim ditados sempre por um outro (ainda que se jure por deus que aquele uso que “coincide” com a moda é porque a pessoa “gosta” – aí o estapafúrdio óculos máscara, que merda!; a mondronga bolsa de mulher maior do que ela, um horror; o visualmente ofensivo sapato feminino imitando couve flor subindo pelo tornozelo, imitando bota ortopédica da década de 60, cruz credo; a medonha saia balonê, que nem o corpo da mulher samambaia suportaria, quanto mais qualquer uma por aí; tudo isso maquiavelicamente inventado por alguma biba vingativa apenas para enfeitar a mulher e estas as imbecis (as imbecis!) caem; nos homens o patético sapato de Aladim 3 números acima do tamanho do pé e com o bico apontando para o céu – a última moda em aeroportos naqueles trabalhadores cafonas com seus ternos pretos – ôh gentinha – o sapato é nessa esdruxularia para passar a ideia de que o pênis é grande. Como as pessoas estão inseguras...). Também há em alguns casos, no provinciano urbano, um uso verbal e mesmo uma busca pelo conceitos totalmente cafonas e caídos em desgraça por qualquer ser medianamente inteligente; são os conceitos pós-fúteis do chique, fino, finesse, bom gosto, socialite, in, fashion, descolado e, em geral, pelo que se entende por “conceito” ou “tendência” da moda, que um determinado grupo ou segmento social organizado ou identificável apuser a certa conduta ou modo de ser ou ver as coisas. Tudo isso é provinciano demais, antigo, retrógrado, dir-se-ia “locomotiva”, na expressão ontocafona de Ibrahim Sued, na década de 1970.
No plano dos usos e costumes, a preocupação visível na mulher provinciana, por exemplo, será com o sapato, o esmalte, o cabelo, a roupa e os enfeites. Quando falo em preocupação, é preocupação, neura (ainda que quando se insira essa qualificadora todas neguem e se apressem: – não, neura eu não tenho! Mas tem sim! Ainda que muitas não assumam ou, pior, não percebam). A mulher inteligente (que planalto de prazer! Que orgia maravilhosa de companhia...), agora falando-se agora delas, usa tranquilamente sapato, esmalte, trata do cabelo, da roupa e mesmo se enfeita, mas não tem orgulho em dizer que precisa de 2 horas e meia para se arrumar, nem que tem que se achar acima do peso. Não faz “gracinha” com certas pérolas do consumismo-burro quando abre o guarda roupa com 60 trajes diz que não tem roupa para sair. A pessoa provinciana achará “chique” atrasar encontros, ou o pior, não se importará com atrasos. É a visão do inferno emperiquitada e com excesso de perfume. Uma primeira díade interessante:
Provincianismo
Urbano (cidade grande) Rural
Comissivo (persecutório) respeitador (delicado)
Projetante (divulgado) pessoal (familiar)
Teórico (conceitual) natural (espontâneo)
Enfeitado (perua) arrumadinho
Consumista trabalhador
Viajado vai à missa
Arrogante teimoso
Um ponto importante é a estreita ligação entre provincianismo e burrice, pois que o provincianismo ativo (sempre o urbano) é a valoração de um modo de ser que tenta justificar a própria tacanhez e o próprio preconceito a uma modernidade logicamente contrária ao preconceito, considerada esta apenas no conceito de pluralidade e não importância ao que o outro faz ou deixa de fazer. Há também estreita ligação entre provincianismo e patrulhamento, pois que este é o mote disparador do preconceito a quem é diferente. O provinciano não admite como prestável o diferente e sua inadmissão vem sob um pesado preconceito, travestido de crítica.
Há diversos traços do provinciano urbano. Ele é cerimonioso; às vezes sisudo; não é ilimitadamente brincalhão; não é adepto do palavrão (acha “falta de educação”); limita-se pelos conceitos de fino, etiqueta, chique, bom gosto, classe A, vip e outros, buscando mesmo ser assim; não dispensa modos formais de tratamento; assusta-se com o que considera socialmente diferente; não se mistura; não frequenta bandos, faunas, turmas, antros, de quem julga ser uma “ameaça” ainda que o julgamento seja inteiramente irreal e preconceituoso; não tem personalidade suficiente para estar num lugar completamente diferente da sua educação, cultura, modos, hábitos e saber impor-se com naturalidade e satisfação; não sabe sair de “saias justas” pelo discurso, pela inteligência ou pela genialidade; invariavelmente faz força para ser o que não é; e, de uma maneira geral pode ser estudado como uma pessoa nitidamente ligada à burrice, conforme a díade abaixo.
Inteligência burrice
Abertura visão pequena
Aceitação cerimônia
Destraimento crítica preconceituosa
Destravamento Inadmissão
Negociação dificuldades e empecilhos
Alguma lógica compreensão estanque
Simples preocupado
Atemporal em fases segmentadas
Gargalha cochicha e segrediza
Há estados e cidades grandes brasileiras que se prestam, perfeitamente, para o estudo social do provincianismo burro como posto aqui, ainda que com carrões caríssimos andando por suas ruas, bares imitando os bares dos mega centros, pessoas e suas roupas caras e exclusivamente de grife circulando num footing bem visível e diagnosticador. Numa outra relativização, poder-se-ia dizer que todo o Brasil é provinciano em relação a uma cultura que se lhe estivesse muito “acima”. Quando insiro essa gradação, como a outras existentes aí, imagino que possa despertar a ira de antropólogos e culturalistas (se Alinne B. chegou até aqui, dou um beijo nela pra amansar a Onça), mas peço licença para trabalhar com essas linhas esticadas, tanto em uma metodologia da comparação, quanto na hierarquia, e ainda da classificação. Sei que nalgums momentos, para olhos de um relativista totalitário (insurjo-me contra uma filosofia um tanto quanto vadia que busca esse esgarçamento rompitivo), em que tudo é relativo e até para o imbecil danoso e premeditado há que se guardar espaço, beiro à discriminação ou mesmo ao preconceito. Mas se estou tratando de um ser danoso, como o provinciano comissivo, persecutório e preconceituoso, e que em muitos casos tem tido espaço até na mídia para fundar teorias e culturas, não quero deixar espaço para esta criatura mefistofélica.
Também, movimentos urbanos organizados de certas minorias, começam a ficar nitidamente provincianos, ainda que engendrados num grande centro como São Paulo, pela repetição espumosa e já desnecessária de se fazer barulho ou festa, escândalo ou aparição social ratificadora de padrões íntimos que talvez não precisem ser tão purpurinadamente expostos. Quando a burrice invade a reivindicação esta deixa de se sustentar pelo padrão lógico e sensato, e cai na vala meio perdida da insistência-desobjetada, uma falência que precisa ser inteligentemente avaliada pelos organizadores desses eventos. Por todos, obviamente, a “parada” dos homossexuais. O problema agora já é se quebrar a inércia em movimento, difícil. Será que daqui a 10 anos haverá isso? Será que homossexuais não poderiam contribuir para toda a sociedade inventando um movimento poderoso em prol de uma sociedade sem roubo com o dinheiro público por gestores públicos? Será que eles não poderiam ser “temidos” não apenas pelo “medo” de se preconceituá-los, nesse politicamente correto atual e patrulhado, e não poderiam sê-lo por ótimos movimentos transformadores da sociedade que não tivessem que ver apenas com suas práticas sexuais? A insistência exclusivista no padrão sexual “um dia” vai se tornar provinciana e tola (já é me garante uma amiga deles). Mas essa discussão ainda é muito lateral e concebe vertentes que, todavia, não estão segmentadas na sociedade, ainda havendo nichos de preconceitos.
A síntese, e agora mudando uns 90 graus no assunto para se retomar o provincianismo puro, é que o ser provinciano urbano, seja ele ostensivo ou suave, embandeirado ou disfarçado é um ser visivelmente burro. Seu problema está na burrice com a preocupação e o preconceito.
Faço questão de finalizar sobre o provincianismo com o primeiro pensador que exigiu a imortalidade terrena, aquele que muitos citam por aí, mas se esquecem ou se assustariam em saber que ele teorizou o cristianismo como a mais imprestável das religiões, ligando-o à tentativa de disfarçar a derrota histórica de Jesus e sua vergonhosa morte na cruz, para que parecesse uma vitória em algum mundo do “além”, isto está em O anticristo – maldição do cristianismo. Ele mesmo, Nietzsche. Nós os imoralistas, ensina esse mestre em Crepúsculo dos ídolos, 36, fazemos tão mal à virtude, quanto os anarquistas fazemos aos príncipes; ou seja, só rindo do nosso amadorismo e ineficiência teleológicos. Nossos príncipes [brasileiros] continuam em seus provincianismos sulamericanos e terceiromundistas intocáveis, enriquecendo gerações bisnéticas à custa de tributos, um feudo social bem preoitocentista cru, escravocrata e quadrilheiro. Por isso eu, confesso, busco os “homens superiores”, conforme fala o mesmo “pensador entre os séculos”, em Além do bem e do mal, 72, como aqueles que “apenas” buscam “impressões superiores”. Bastam as “impressões”, o olhar, veja a poesia disso. Esses são os não provincianos, os reais, os homens-fundo. Essas são as mulheres viscerais, as que enfrentam e gargalham, não fingem que precisam beber pouco porque mulher tem que beber pouco, apenas não fingem, não falseiam, suavemente enfrentam. São esses que quero no governo, nos postos, nas direções e nos botequins bebendo de perder o equilíbrio, afogados na superioridade cartesiana e cruenta duma intelectualidade nietzscheana. Fora daí é o enfeite, a peruagem, o modelo mais novo do iphone, e a fulgurância espumosa da azaração facebookiada, sempre com muito sorriso e pouca produção. Muito pouca. Jean Menezes de Aguiar.
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