Aprovada: futura Deputada, Senadora e presidente do Brasil.
Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO) - 26.9.12
Há lições a se tirar da situação
atual? Sempre há. 1) O STF parece ter virado, de vez, programa de TV. 2) O
mensalão recebeu status de novela, reservando José Dirceu para o capítulo
final, quando se saberá se é o grande culpado ou não. 3) A grande imprensa que
ridicularizava quem duvidasse da sua sentença condenatória do mensalão, agora
abre fartos espaços a dúvidas até sobre a honestidade do Supremo. 4) Se no caso
Cachoeira dizem haver provas cabais de corar senadores sérios, admitam-se, no
caso mensalão parece só haver indícios, e mesmo assim a juizada suprema está
enfiando a caneta. Seria isso a justiça “interativa” que faz o que o “soberano”
povo quer? Preocupante.
Há dias a imprensa parece se
preparar para uma nova fase. Avalia que ganhou a condenação do mensalão. Mas
ele deixará de ser notícia. Quem incinerar agora? Talvez o Supremo, bobinho que
pode ter caído na esparrela da mídia. Espaços nobres de páginas inteiras
começam a ocupar os jornalões discutindo, em palavras bem comportadas, a
seriedade, a honestidade, a competência dos juízes do Supremo. Talvez seja o
pedágio que um Supremo televisivo tenha que pagar pela fama. Isso se não sair
arranhado. Essa popularização cobra o sabido e vulgar preço da intimidade: a perda
de confiabilidade. Os ministros do Supremo passaram a frequentar nosso
churrasco na laje, pela TV. Para a revista Caras e desfile na Marques de
Sapucaí é um pulo. Viraram “gente como a gente”, sabemos que coçam o nariz e
fazem xixi.
Para quem ainda acredita que
foro especial é a balela inculta do foro privilegiado, e luta contra essa
suposta mazela, pode ser que aprenda uma lição. Cachoeira, longe desse foro
especial (e dos holofotes) está quieto sem fazer marola e aparecer na mídia - o
seu processo -. Teoricamente tem mais chances de ser “absolvido”, mesmo com
mais provas contra si, do que um réu do mensalão, apenas com indícios. Se
bobear seu procurador de justiça encarregado ainda será dotô Demóstenes.
Que delícia.
É o Supremo um “Maria vai com as
outras”? Artigo do jornalista Breno Altman, intitulado “De qual lado ficará o
STF?” publicado na Folha de 24.9.2012 recorda falhas graves históricas do
Supremo. Sugere instabilidade da corte, já no título da matéria. E afirma: “Os
monopólios da comunicação exercem pressão para que a corte endosse sua versão e
condene a qualquer custo. Mais que preocupação eleitoral imediata, a batalha se
trava para legitimar a velha mídia, verdadeiro partido das elites, como senhora
da opinião pública, além de impor gravame ético ao PT e ao governo Lula”. Conclui:
“É um julgamento de exceção”. Olha que arranhão.
No dia seguinte, 25.9, se vê em
página inteira artistas e intelectuais famosos, e até Bresser Pereira, do galho
tucano, condenarem a espetacularização do mensalão. Não falam eles, mas todos
sabem que tudo começou na mídia. O STF é ponta do iceberg. Mas “artistas não
entendem de direito”, berrará o positivista reacionário em tolo “argumento de
autoridade”. É outro preço que o Supremo parece que vai pagar: o enfrentamento
com uma intelligentsia. Se o Supremo quis ser pop, talvez não tenha
conseguido. Por esta ele não esperava. Como a grande imprensa queria sangue,
pareceu que o politicamente correto seria ter-se sangue. Nada como um dia após
o outro.
Quem lida com jornalismo sabe
como é: "Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher
um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga
medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e
emoções", in Novo manual da redação, Folha de SP, 1992, p. 19. Tem
mais, uma "tradição da imprensa de dar destaque apenas para notícias de caráter
negativo", p. 125. Se o Supremo auscultou a opinião publicada, bem
diferente de opinião pública, pode ter calculado errado.
É claro que nenhum órgão de
comunicação vai, hoje, confessar, que esse ódio todo por Zé Dirceu é porque ele
tentou regular a imprensa e virou inimigo privado número 1. Regulação que,
aliás, se vê nas Constituições da Espanha, Alemanha, França e Itália. Mas no
Brasil isso virou infâmia sacra, pedofilia ideológica contra uma democracia
menininha, de 20 anos de idade.
As análises de “ondas”, como
grandes oscilações, de Alvin Toffler, podem ser feitas nessas estruturas
largas, como imprensa, direito, Supremo, Estado e sociedade, ainda que muito
difíceis. Poderiam envolver algo de futurologia, o que é péssimo. Talvez o
mensalão seja um divisor de águas, o Supremo não o admitirá abertamente.
A direita (eterna vidraça
blindada, coisa que lembra banco) ocupou legítima ou ditatorialmente o Estado
brasileiro por praticamente todo o tempo do século 20. Roubou com perfeição
milimétrica, ou lambança em muitos casos. A esquerda (pedra marxista
pontiaguda) prometia castidade financeira, jurava que seus homens eram eunucos
do capital e suas donzelas, guerrilheiras da moralidade. Dizem, agora, que a
esquerda ladra opera o roubo com a mesma jactância da direita. Está na rua. Aí,
tadinho, o Supremo no meio, ora acusado de omisso histórico por nunca ter
condenado um “mísero” banqueiro; ora de fraco em ouvir uma mídia malandra e
agora condenar sem provas.
Está sendo interessante essa
segunda ondinha no mensalão, a do jornalismo que começa a se precaver para a
perda do sensacional com a condenação já anunciada. Por outro lado, juízes do
Supremo que porventura não aprovaram os capítulos televisivos até aqui, podem
querer absolver.
Enquanto isso, Cachoeira dorme e
lê. Sua Bela, que a todos nós pertence no imaginário, chora a ausência do amor
preso na masmorra. O juiz trabalha sua burocracia processual. E a imprensa
“esquece”, deixa Cachoeira em paz. Mas Cachoeira tratou bem a mídia, aceitou
ser xingado de contraventor e não chamou o jornalista de pobretão invejoso. Se
chamou, editaram.
Há dúvidas se um processo
judicial devia virar uma Malhação, no sentido novelesco. O lado emocional da
exposição pública tira equilíbrio do juiz? A pressão cavalar da mídia - vulgo
patrulhamento - com satanização imediata de quem pensa contrariamente pode
afetar um julgamento? Deve-se estudar direito pela ciência, pela dogmática,
pela zetética, pelos autores e livros ou pelo nome e ideologia de quem vai
julgar?
Talvez o Supremo queira mudar
alguns paradigmas. Mas quem quer mesmo é a própria sociedade, agora
“interativa”. Vive-se um direito mais pragmático, então “interativo”, como as
TVs que no futebol “precisam” ouvir um torcedor com uma pergunta imbecil, de
uma cozinha de quitinete, para dizer que são estão ligadas ao povão. Se um
julgamento virar isso, a justiça além de cega, o que já é complicado, estará em
coma. Jean Menezes de Aguiar