sábado, 5 de novembro de 2011

“Os advogados impõem barreiras a uma resolução eficiente?”

[Negociação. Barreiras para resoluções negociais. Advogados. Bibliografia. Estudo especializado]

O título desta matéria é tirado da recente obra Negociação - barreiras para resolução de conflitos, FGV-Saraiva, 2011, p. 289. No estudo da Negociação, a figura do advogado pode ajudar ou efetivamente atrapalha? No ensaio inserido no livro citado, fica evidente que os conflitos são retardados pela presença do advogado que não tem interesse em rapidificar o andamento da solução. Não é outro o ensinamento de Whitney North Seymour (Cheaper, faster civil justice, NY Times, 7.1.1992): “Na maioria dos casos civis, o acordo é feito antes do julgamento, mas não enquanto anos de disputas jurídicas ocuparem a justiça e grandes somas em dinheiro forem gastas. Os casos não terminam em acordo antes porque os advogados, maiores beneficiados do litígio, estão no comando – não os clientes que pagam a conta.”


No estudo da Negociação há princípios próprios que parecem colidir frontalmente com o belicismo e até a implicância de certos advogados no trato de conflitos de seus clientes, como se não fosse o cliente ou mesmo o objeto do conflito que importasse, mas uma vitória pessoal, vaidosa e tão-somente profissional que gerará a possibilidade de garbo e empáfia relativamente ao advogado. A coisa já pode começar com as recomendações valiosas do livro THALER, Linda Kaplan; KOVAL, Robin. O poder da gentileza. Rio de Janeiro: Sextante, 2008. Ali, logo no início recomendam os autores que a gentileza sincera de se reconhecer a culpa num acidente de trânsito, quando há parcela de culpa, ao contrário de o que recomendam profissionais da advocacia ou de seguro, costuma ter uma imensa margem de sucesso para uma solução mais optimizada. Os livros especializados em Negociação, também, envolvendo autores como ARROW, Kenneth J.;  Bittar, Carlos Alberto; CARVALHAL, Eugenio do; CARVALHO FILHO, Carlos Alberto; CLEGG, Brian; COHEN, Herb; COSTA, Henrique Sérgio Gutierrez da; FARBER, Barry; FISHER, Roger; URY, Willian; PATTON, Bruce; SHELL, G. Richard; e outros tantos, são totalmente coesos na forma de negociação “Ganha-Ganha”, termo introduzido na literatura em 1989 por R. R. Reck e B. G. Long (RECK, R. R.; LONG, B. G. The win-win negotiator: how to negotiate favorable agreements that last. New york: Simon an Schuster, 1989). Já por aí percebe-se que haverá um antagonismo com o belicismo de muitos advogados que parecem visar exclusivamente à derrota da outra parte numa disputa personalista e verem-se como olímpicos vencedores.


Nesta advocacia “disputada” estará em jogo o que em negociação se chama “barganha posicional” (FISHER, Roger; URY, Willian; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim - A negociação de acordos sem concessões), um modelo velhaco e atrelado a vontades e subjetivismos dos negociadores, quando o melhor seria o modelo antagônico conhecido como “negociação com base em princípios”. Para que advogados trabalhem com negociação em forma técnica, duas necessidades se lhes impõem: a primeira a de renunciar à vaidade de querer ser ele, o vencedor; cuidar efetivamente do cliente e dos interesses objetivos do cliente, comportando-se humildemente como um mero procurador da parte e fiel à necessidade de resolver em menor espaço de tempo o problema do cliente; aí estará o melhor profissional da advocacia nos tempos atuais. Em segundo lugar, estudar a fundo os princípios, os manejos, as estratégias e táticas negociais, a literatura ligada à negociação, frequentar cursos e aprender as intrinsecalidades da negociação que são absolutamente outras do modelo advocatício. Na FGV, como professor de negociação, encontro alunos cursando pós-graduação que são experientes e exímios vendedores, gerentes e diretores de empresas de todos os portes. Postas as técnicas de negociação próprias da literatura especializada, percebe-se a surpresa em alguns manejos, táticas e estratégias traçadas pelos autores em seus livros. Ou seja, se para grandes executivos, naturalmente, as modernas técnicas negociais são reveladores de novidades e imenso interesse, para advogados devem compor um menu paralelo de conhecimento que só engrandecerá a sua atuação profissional.


Também não é incomum, o negociador ao chegar a uma mesa de negociação deparando-se com um advogado encontrar “mais” dificuldades de negociar do que com um negociador profissional ou mesmo o empresário que busque a solução do seu problema. Os advogados somos formalistas, belicosos (principalmente os que atuam em contencioso) e precisam saber dessas facetas naturais da profissão para corrigi-las, com técnica, destreza e sabedoria, sensibilidade e inteligência. Não é motivo de orgulho saber que autores de negociação internacionais veem o advogado como um fomentador de barreira à solução do litígio, como no início deste texto se vê. A busca do conhecimento negocial em literatura especializada e cursos de manejo parecem ser essenciais para uma formação mínima que dê operatividade ao profissional da advocacia, no sentido de melhorar sua atuação como negociador, que ele não é, na origem, mas com o estudo especializado pode facilmente se transformar em um bom negociador. Jean Menezes de Aguiar.


"O Senado me envergonha" - entrevista

Entrevista:
"O Senado me envergonha"
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/06/27/senado-me-envergonha-199655.asp


http://veja.abril.com.br/010709/imagens/brasil9.jpg

"PROTESTO E DESABAFO O servidor Alexandre Guimarães e os quatro contracheques que recebeu em junho com o salário e os penduricalhos: os funcionários do Senado se tornaram motivo de piada em mesa de bar graças à sucessão de escândalos de corrupção provocada por uma minoria

Alexandre Guimarães, 38 anos, é funcionário concursado do Senado desde 2004. Chefe da consultoria legislativa, recebe mais de 20 000 reais por mês, entre salário e vários benefícios. Mesmo bem remunerado, pensa em deixar o emprego. Ele conta que não convive direito com os truques armados pelos parlamentares e funcionários da Casa.

Como você chegou ao Senado? Prestei concurso em 2002 e entrei dois anos depois de uma maneira estranha, no que ficou conhecido como "o concurso dos 40 do Pedro Costa" (Pedro Pereira da Silva Costa é filho de um jornalista maranhense e trabalha com Sarney desde a Presidência da República). Eu fui o 19º colocado num concurso para preencher apenas três vagas. De repente, chamaram quarenta. Tudo isso, soube depois, apenas para que um amigo do presidente Sarney conseguisse um emprego no Senado.

Havia necessidade de contratar tanta gente nesse concurso? No começo, não tinha nem mesa para trabalhar. Era constrangedor. Eu ia lá todo dia, assinava o ponto, ficava enrolando um pouco e voltava para casa sem fazer nada.

O senhor já foi beneficiado por algum desses esquemas que vêm sendo denunciados? Eu consegui autorização do Senado para ultrapassar o limite legal de endividamento pelo crédito consignado. Antes de passar no concurso, também trabalhei com o senador Gilvam Borges (PMDB), no Amapá, até descobrir que meu salário era pago pelo Senado, embora trabalhasse em uma rádio do senador. Quando soube, saí de lá.

Os concursos do Senado são disputados por milhares de pessoas... Não vou negar que ganho bem, mas isso também acaba sendo constrangedor. Para começo de conversa, são três ou quatro contracheques por mês. O meu vencimento básico é 6.411 reais. Mas há as horas extras, gratificações, comissões e outros penduricalhos. Somando tudo, dá um total de mais de 23.000 reais. Em alguns meses, o salário bruto ultrapassa o teto do funcionalismo público. (Alexandre recebeu neste mês 32.364,62 reais, incluindo a primeira parcela do 13º salário.) É um jeito que encontraram de pagar mais aos servidores, mas de maneira torta. Vim da iniciativa privada e nunca me acostumei com isso.

Você tem orgulho de ser funcionário do Senado? Atualmente tenho vergonha. Tirei férias no início do mês e fui visitar uns parentes. Foi duro chegar para a família e tentar explicar a todo mundo que eu sou diferente dessa imagem do Senado. Em Brasília, não posso mais sair com os amigos, porque virei piada em mesa de bar. Hoje em dia, qualquer proposta me tira do Senado, porque o desgaste não compensa.

Qual é o clima de trabalho no Senado atualmente? É péssimo. Os funcionários sérios estão constrangidos por ter sido jogados nessa vala comum. E os desonestos estão desesperados de medo de ser pegos. Conheço uma pessoa que passou em um concurso de nível médio e hoje tem três mansões em Brasília. Agora está em pânico para vender o patrimônio antes que descubram as irregularidades das quais participou. Como ele, há muitos que participam de esquemas de corrupção."


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A praga da petição incial

[Petição inicial. Conhecimento. Artigo de lei. Praga. Teimosia. Taras. Merdosialidades.]

Ensina-se no direito que a petição inicial é o ato processual mais importante do autor, a contestação o mais importante do réu e a sentença o mais importante do juiz. Costumo dizer que esses atos são “subjetivamente” considerados e há o ato processual “objetivamente” considerado como o mais importante que seria a citação, exatamente o que angulariza e estabiliza a relação processual (isso é Pontes de Miranda). Se a petição inicial é o ato mais importante do autor, deveria ser objeto de mais estudo. Tudo bem que com a onda do não conhecimento e a valorização dos subprodutos “fáceis”, a informação e notícia, usando-se o Gúgle (aprendi esse sotaque no Maranhão, adorei) para resolver tudo, a impressão é que todo mundo parou de estudar e manejar conhecimento de verdade. Para concurso, é direito objetivo; pra passar de ano na faculdade de direito basta conhecer administração (sim, como administrar as notas, a importância máxima de muitos alunos em muitas faculdades) e por aí vai. O festival de errância em petições iniciais é um espetáculo.

Como se não bastasse a falta de conhecimento, há o modismo. Estruturas léxicas e mesmo semânticas entram na moda no direito processual. Uma delas é a praga de “todo” réu dizer que a ação é uma “aventura jurídica”. Claro que quando se fala em réu, fala-se no seu advogado. Ao réu cabe rezar diariamente para não perder a causa. Outra moda merdosial em termos de contestação é abri-se preliminares invocativas de ausência de pressupostos processuais e condições da ação. Há sujeitos que vêm em barbarismo dizendo que a inicial é oca, falta tudo, todos os pressupostos processuais e todas as condições da ação. Ora, se o advogado do autor é tão imbecil a este ponto, tê-lo-á que ser também o juiz, pelo que está no CPC, art. 285, típico gatilho com natureza de juízo de admissibilidade, oEstando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a citação do réu”. O réu na ânsia, ou faniquito de imprestabilizar a inicial, manda essa esdruxularia defensiva. Patético. É claro que se a inicial não contiver nada, por ser um tonto o advogado, e o juiz outro tonto mandar citar, valerá a observação, mas essa obviamente não é a regra. Veja-se que não se fala aqui de faltar “uma” condição da ação, mas como o alegado acima, todas e todos os pressupostos processuais.

Outra desgraça modal é a coisa cansativa da não compreensão acerca da desnecessidade de artigo de lei em petição inicial, em erro de cruzamento com fundamento jurídico, este sim, uma exigência do CPC, art. 282. Esta ininteligibilidade está pandêmica. Tão aguda que até professores (não poucos!) por aí “ensinam” ser necessária a presença da praga do artigo de lei. Tão aguda que a formação do alunato insere isso na mente feito tártaro mental e simplesmente não consegue desfazer. Aí, quando se diz que a inicial não precisa de artigo de lei (iura novit curia), o cara “pede” uma petição sem artigo de lei para “ver” como é. É, porque imaginar está legalmente proibido. O mundo corporativo coarctou a inteligência, a criatividade, a inventiva e a viagem na maionese. Aí, não adianta “explicar”, o cara precisa “ver”, é a vitória patética do concretismo estético sobre a abstração epistêmica. Há anos, publiquei na minha coluna semanal de jornal em São Paulo, o artigo intitulado Artigo de lei não é fundamento jurídico. Ali eu abria o texto exatamente assim: “Continua o lenga-lenga ou o nhem-nhem-nhem mental em vários sítios arqueológicos do país, com antropóides e pré-hominídeos ambulantes, vagando em suas roupas engomadas e falas endurecidas por laquê verbal achando que “fundamento jurídico”, exigido corretamente no Código de Processo Civil, art. 282, é a porcaria de “artigo de lei”. Cruz credo. E o pior é que esses seres e criaturas, alguns em postos chaves, conseguem convencer uma massa de gente tolinha, incauta e desavisada.” Onde está a "porcaria de artigo de lei" é claro que eu queria dizer com letras garrafais a merda do artigo de lei. Talvez somente com uma psicologia do desastre ou da confrontação terrorista o cara consiga “acreditar” que petição inicial não precisa de artigo de lei, fora aquela bobajada óbvia de direito municipal etc., prevista. Ainda aqui, o empecilho não está nem na crença mais, mas na impossibilidade de elaborar a tal da inicial sem o artigo de lei, porque passou-se a acreditar que fundamento jurídico é fundamento legal, um erro oriundo da falta de estudo basilar.

Há outras coisas terríveis e fantasmáticas na petição inicial, como essa ode em se classificar ação. Aí o cara está na sala de aula com o livro TGP dos 3 lindões da USP, Grinover, Dinamarco e Cintra, e insta o professor: - mas aqui há um capítulo intitulado “Da classificação das ações”. E aí o professor manda ele ler apenas e tão-somente a primeira frase do capítulo. Pronto, se ele entender, verá que não é a ação que está sendo classificada, mas o provimento jurisdicional invocado e, como empréstimo, ponto de apoio, “pode-se” utilizar a mesma criteriologia para a ação. É errado, que fique bem claro. Esse pós-modernismo lascivo e lânguido que vem tentando desmontar e desqualificar a ciência onde ela não é dúctil, não tem poder para desqualificar a epistemologia da ação. Ela continua sendo mero direito subjetivo de pedir, e direito não é ordinário nem condenatório (mas que saco isso), direito aí é direito "subjetivo" e fim (basta estudar o que é direito subjetivo, aquela onda da facultas agendi etc.). Aí o outro berra do fundo, mas na vara tal tem plaquinha na porta: ações ordinárias. Ué, a falta de estudo pega qualquer um, em qualquer lugar. Que "ação ordinária" é erro é, mas se acham lindo usar essa tralha baixa do espírito humano das trevas, que se danem. E assumam o erro, claro. O inferno é que o sujeito sem noção de nada olha isso e crê, como se crê em assombração, quem crê. O cara fica tomado e detonado. Só falta liberar o dízimo processual.

E assim o mundo vai. Com essas delícias oriundas do desconhecimento. Para fazer uma inicial sempre disse que o cara precisa olhar o 13, o 258, o 267, cumprir o 282, olhar o 295 e o 301, no mínimo. Fazendo o papel de advogado do Diabo nesses artigos do CPC ele evitará, surpresas. Claro que tem juiz implicante que manda emendar se não gostar do estilo conciso, por exemplo, mas também tem muito advogado importante com carrão bonitão que não sabe manejar corretamente a inicial e derrapa. Se passasse no teste do bafômetro cognitivo seria proibido de dirigir uma inicial.

O tema da petição inicial é bobinho, mas gera muita audiência. Tem professores que passam todo o semestre “trabalhando” com a turma a tal da inicial. Pai do céu e do mar. São adorados. Ensinam que a inicial é um mistério, uma dificuldade seríssima e que todo cuidado é pouco. Pode ter um fundo de verdade, mas só um fundinho. Cumpriu o que exige a lei, havendo direito material a garantir, a vitória “deverá” vir. Bem, esse negócio de vitória é uma esquizofrenia porque a maldita da lógica admite tergiversação. Mas vitória em ação judicial é onda pra outra praia, podendo envolver conhecimento técnico, direito positivo, traumas e psicanálises as mais profundas e tarádicas. Volto a isso ainda. Beijos gerais. Jean Menezes de Aguiar.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Petições iniciais contra o site "Congresso em foco"

Veja as petições iniciais das ações judiciais de quem ganha salários astronômicos, absurdos e irreais, acima do teto LEGAL, ou seja, salários e acumulações ILEGAIS, para fazer as coisas “importantes”  que acham que fazem para o Estado brasileiro, com o “altíssimo padrão cultural e intelectual” que precisam ter para “tocar o país”. Isso é no Legislativo brazuca, essa entidade inimiga da sociedade e as ações são movidas em face do site jornalístico Congresso em Foco, o amigo da sociedade. A lógica é, eu posso ganhar o que for de dinheiro público (do povo!), o problema é que não podem contar isso para QUEM ME PAGA, a Sociedade. Os juízes de primeiro grau sentenciaram uma ação sem julgamento do mérito, por inépcia da inicial e a outra foi negada liminar, mandado citar. Divirta-se.

Petições iniciais em:

A crítica é maldita?

[Crítica. Preconceito. Crítica terrorista. Comportamento crítico.]
 

Se a crítica por pior que possa "parecer" a alguém, possuir alguma estrutura lógica de verdade histórica ou factual, deve ser exercida, há ganho, não há perda. O ser apolítico (e imbecil) tão bem teorizado pelo poeta e dramaturgo Bertold Brecht equivale ao idiota que tenta, preconceituosamente, difundir a ideia de que não trabalha com crítica, não critica ninguém e nenhuma estrutura. Há variâncias aí, porque a crítica será palatável para uns desde que coincida com seus valores. Uma vez não ratificável com seu menu de valores virá a metacrítica, uma que visará a desconstruir a crítica originária impondo-se-lhe algo de desestruturada, ilógica, incabível ou incorreta. O problema é que a disjunção no valor não retira da crítica o seu substrato de validade, se ela se vir bem estruturada. Assim, uma primeira ordem de análise a se fazer sobre a crítica é saber se ela é está de acordo ou não com a própria pauta de valores de cada um. Se estiver conteste, coincide com o que se acha, pensa e se quer. Se for contrária ao que se pensa, há que se analisar se a produção (fabricação) dela é estrutural ou metodologicamente prestável. Se o for, pode-se discordar dela perfeitamente em termos de conteúdo, objeto e finalidade, mas parafraseando o título da obra do sociólogo Niklas Luhman, Legitimation durch Verfahren (legitimação pelo procedimento) o procedimento por si só poderá ser um primeiro indício de que a crítica não é desprezável.


Um segundo fator importante na crítica é o tônus ou a tipologia léxica utilizada. Palavras que também não “pertençam” ordinariamente ao vocabulário do leitor, como o palavrão, por exemplo, não devem servir como uma rolha para vedar a crítica, transformando-a em tabu e  fazendo com que não se queira mais conhecer a inteireza do texto crítico. Se o palavrão, apenas um exemplo, assusta aos assustáveis a ponto de disparar o preconceito, é este agente assustável que precisa amadurecer e trabalhar isso em sua cabeça para ouvir ou ler o palavrão sem se envergonhar, esse sentimento tão bonitinho e mais comum nos adolescentes. Isso não quer dizer que ele vá se “contaminar” e sair falando palavrão por aí (ele pode se "controlar" e viver "boa" vida sem um palavrãozinho sequer). Não achar graça no uso do palavrão é um direito, mas viver um bloqueio ou uma trava mental preconceituosa a um texto crítico que utiliza o palavrão como ligação de ideias ou panfletarização de um objeto (este uso é muito interessante) já será quase que uma patologia mental.


Uma das formas de terrorismo sem bomba é a crítica dolosamente aguçada, em tom acima da realidade, em que estruturas são utilizadas de forma a piorar intencionalmente a visão do objeto, em autêntica deformidade ou busca dela. Aí abre-se duas possibilidades. A primeira é a de que há mentira e a finalidade é um convencimento defeituoso mesmo, o típico terrorismo pelo conhecimento ou informação errados. A segunda é o recurso da crítica pelo exagero, este poderá ser um terrorismo bom, se utilizada a crítica sobre um princípio, e não sobre o objeto em si. Assim, se um determinado Estado é useiro e vezeiro em ter gestores públicos semanalmente envolvidos com corrupção, não seria de toda despicienda uma crítica genérica contra todos os gestores do Estado, ainda que não se operando a reserva da exceção metodológica de que “deve” haver alguém de bem ali. Neste exemplo, se se concluir que a estrutura estatal é feita para propiciar a delinquência de seus gestores, ainda que com aparatos meramente formais de polícia, corregedoria, justiça etc., não será de toda errada a crítica generalizada, sabendo-se que o agente elaborador da crítica quer, precisamente, este exagero e essa dimensão generalista sobre toda a estrutura de modo uniforme, no sentido de que não deve haver ninguém honesto ali. Nesta crítica assim os tais bonzinhos pagarão, sim, efetivamente, pelos pecadores, até porque, no caso, podem estar fazendo vista grossa.


O comportamento crítico é uma volição psicológica, um traço de personalidade. Há quem tema a crítica, há quem gargalhe dela. Há quem a ache destrutiva em todos os sentidos - o chamado mundo corporativo proativo, propositivo e invariavelmente estimulante ou domesticadamente eficaz, este mesmo que só lê livros de autoajuda financeira e historinhas de “gestão”, costuma receber pessimamente a crítica-. Já a filosofia, aquela que H. L. Mencken afirma ser a responsável por filósofos tristes – diz o autor que todo filósofo é assim -, bebe e se rejuvenesce da crítica, a mais visceral e profunda possível.


Respeita-se quem não gosta da crítica. Pelo lado pessoal de cada um, basta que quem não aprecie os textos críticos carimbe prontamente, ou preconcebidamente, o autor como maldito, perverso, inapropriado, demoníaco ou filho da puta mesmo (olha o palavrão aí) e, naturalmente, não leia os textos. O livro dos insultos, de Mencken, citado, deve ser um horror para seres obedientes, domesticados, proativos, engajados, modais, propositivos, esperançosos, sonhadores primários e outros por aí. Já para intelectuais, cientistas, pensadores, críticos, sonhadores secundários, apaixonantes, gargalhativos e faladores de palavrão, será uma delícia. É claro que nas comparações aí há juízos de valor, mas o contexto geral da amálgama une traços de um lado e une, no seu contrário, do outro.


Assim é a crítica e assim são algumas pessoas. De minha parte prefiro os malditos aos obedientes. Será frutífero saber o que a filosofia acha dos "obedientes". Mas isso aí é gosto e gosto não se discute, lamenta-se. Sinta-se livre para lamentar completamente o meu. Jean Menezes de Aguiar