sábado, 21 de janeiro de 2012

O improviso musical no jazz


Chick Corea, Deus.

O improviso no jazz é algo muitas vezes ininteligível para quem não conheça um mínimo de estrutura musical. Já tentei explicar o improviso para algumas pessoas e não foi fácil. Também, já tentei discutir métodos de improviso com alguns músicos que têm dificuldade com improviso e o tema continua desafiante.

A música pode ser composta por 4 elementos, melodia, harmonia, ritmo e letra. Deixemos a letra de fora e vamos só rapidamente ao ritmo. Pelo que se chama de ritmo pode-se entender duas coisas. O primeiro é o tempo da música como um todo, pense no metrônomo, um instrumento que repete ritmadamente um toque audível e equivale ao que “marcamos” com o pé a música quando a ouvimos, o andamento, se rápido ou lento. Há também a grade rítmica das notas que compõem a melodia. Cada música tem uma grade rítmica diferente da outra, ainda que possa ter o mesmo tempo da música (andamento, marcação). Cai cai balão como qualquer música é composta por notas musicais, cada uma [nota!] com um “tempo de duração”, essas são as figuras musicais deixando-se de fora as pausas, tempos ritmos não tocados. Alguns exemplos de valores rítmicos no compasso 4/4, aplicável a qualquer música.

Semibreve (4 tempos)
Mínima (2 tempos)
Semínima (1 tempo)
Colcheia (1/2 tempo)
Semicolcheias (1/4 de tempo)
Fusa (1/8 de tempo)
Semifusa (1/16 avos de tempo)
Etc.

Se for uma valsa, o tempo (a métrica) será de 3/4, o samba é marcado em 2/4, o jazz em 4/4, 6/4 chegando a haver temas sofisticados como o popular Take Five, composto por Paul Desmond na década de 1950, marcado em 5/4 e outros.

Aí chegamos à melodia, aquilo que o cantor ou o solista executam da música, pense no Cai cai balão, quando se canta é a melodia. Há também a harmonia, a sequência de acordes (cada acorde é uma conjugação de notas tocadas juntas, no piano com a mão esquerda, em regra, a direita fica para o solo e improviso) empreendidos para fazer a base de apoio para a melodia. No jazz chamamos isso de background, e num trabalho informal usamos gírias como fazer a cama para o improviso ou fazer a base para improvisar, expressões que traduzem o que os músicos fazem pra quem vai improvisar ouvir, um pano de fundo, a base harmônica, o próprio background.

Num trio, piano, baixo e bateria, o pianista faz a harmonia com a mão esquerda e sola com a direita, vindo depois a manter a mesma sequência harmônica com a esquerda e a improvisar com a direita, já que não tem outro instrumento para fazer os acordes para ele. O baixo aí faz variações entorno da tônica de cada acorde no momento certo. Há uma diferença interessante no jazz entre o trio e o quarteto, entrando aí a guitarra. No trio a responsabilidade da harmonia fica muito mais com o próprio pianista que poderá pegar um caminho harmônico diferente do baixista e haver um "choque", mas se houver, costuma ser suave. No quarteto precisa haver mais combinação prévia de qual harmonia se utilizará, para que piano e guitarra não colidam. Tocar com guitarra pode ser, para uns, mais confortável na hora do improviso, porque só precisam pensar no improviso. Muitos pianistas simplesmente tiram a mão esquerda do piano e fraseiam apenas o improviso, outros mantêm as duas. Mas também há os que preferem o trio, porque assumem caminhos mais livres, harmônicos, não precisando estar ensaiado ou combinado com a guitarra, apenas com o baixo. Mas aí é estilo de trabalho.

O jazz se desenrola (tempo), classicamente "em 4" (sua métrica), ainda que em muitas músicas quando o solista está apresentando a música – o tema – o baixista "toque em 2" e depois, quando chega a hora do improviso,  passe para o 4. Isso não altera o tempo (marcação com o pé ou metrônomo) da música, apenas em cada compasso o baixista pode marcar com notas duplas o 2, ou notas simples e diretas o 4. Dando 4 será uma dinâmica mais própria para o improviso. Qualquer tema em qualquer ritmo pode ser “jazzificável”, depende do gosto e habilidade do músico. O inocente Cai cai balão ou o sofisticado samba Garota de Ipanema podem ser tocados perfeitamente em jazz, com o baixo marcando em 2 ou em 4, sem problema. Mais incomum é pegar uma valsa, em 3, e transformar em jazz (em 4), mas totalmente possível. A bossa nova e o jazz têm raízes ou sentidos musicais bastante comuns e muitos músicos tocam jazz em bossa ou bossa em jazz. Eliane Elias, pianista radicada nos EUA, usa muito o recurso.

Chegamos na hora de falar do improviso. Uma estrutura comum de quem toca jazz é “solar” a melodia uma vez, inteira, o tema, dar a vez para quantos músicos haja que possam ou queiram improvisar, e depois voltar ao “tema”, que é de novo o solo com a melodia da música. Assim "toda" a estrutura para se fazer jazz é: tema, improviso(s), tema. Essa é a base. Quando se liga o rádio e a música está no meio, no improviso, mesmo músicos experientes podem ter dificuldade em saber que música é. O improviso sobre a harmonia que está rolando, nalguns casos, não dá muitas dicas para se saber qual é o "tema", qual é a música. Há que se esperar chegar ao 3º momento, o tema, para se identificar a música. 

O improviso é o músico tocar um encadeamento melódico que ele cria na hora sobre a harmonia existente e própria da música, durante todo o tempo da música - a música inteira -, que então se chama chorus (basicamente 32 compassos no jazz, ainda que possa ser improvisado meio chorus e dividido com outro instrumento; improviso da bateria no jazz costuma se dar em fours, o piano improvisa 4 compassos e a batera 4, alternadamente até completar todo o chorus da música).

Improvisar por 1, 2 ou 3 chorus é improvisar 1, 2 ou 3 vezes toda a música, sempre de forma diferente, já que o improviso é uma criação naquele momento de um “tema” sobre a harmonia da música. Assim, todos os músicos, a banda ou orquestra continuam tocando a harmonia tradicional da música e o solista cria, inventa, durante o chorus, o seu “tema” ou variação.Improvisar requer inteligência, rapidez e arte.

O improviso é o solista se desligar apenas do tema original e criar um outro tema na hora. Há músicos que têm dificuldade com essa abstração. E há quem se desligue totalmente, criando caminhos melódicos e até rítmicos quebrados, inusitados e se os harmonizadores não estiverem atentos podem se perder. No jazz, quanto mais se desloca do tema mais sofisticado será o improviso, claro mantendo-se um padrão de beleza que será subjetivo de quem ouve e gosta de jazz. Há improvisos atonais, estranhos para os padrões da harmonia, mas se no final todos os músicos “voltarem a se encontrar” no preciso tempo do fechamento, está tudo certo.

Numa Blowing session, o mesmo que jam session, um encontro descontraído de jazz, os músicos podem perfeitamente não se conhecer, nunca terem tocado juntos que tudo sai perfeitamente bem. Também os músicos podem tocar com quem seja de nacionalidade diferente e nem se entender no léxico, mas executarem perfeitamente todo um tema com improvisos etc. A linguagem da música é universal. Já estive por diversas vezes trabalhando na música fora do Brasil, tocando com músicos que sequer a banda conhecia. Uma vez fiz uma grande temporada no Cassino de Monte Carlo com um baixista francês, Philippe, que trabalhava com Paul Mauriat. Fomos apresentados, nós do Brasil, na véspera da importante estreia no Cassino, afinal lá, um show internacional. Philippe era bom demais, lia até cocô de mosca, como se fala entre músicos de quem lê partitura de primeira. Abrimos a partitura do difícil show (que nós não precisávamos mais porque éramos acostumados a ele) e o baixista leu de primeira, sem se comunicar direito com os músicos brasileiros, saiu-se perfeitamente bem. A cantora era Eliana Pittman, com um show para lá de difícil. 

Há improvisos memoráveis no jazz. Músicos podem ser mais velocistas (Oscar Peterson, Chick Corea, Paco de Lucía,) ou mais melodiosos (Tom Jobim, Ivan Lins, Bill Evans), ainda que os velocistas sejam melodiosos, é claro; já os melodiosos apenas podem não querer desenvolver técnicas de velocidade de improviso. Ainda que eu prefira velocistas, o melhor improviso que já ouvi e me lembro, no jazz, é melodioso e foi feito pelo gaitista Toots Thielemans, sobre a música Começar de novo, do Ivan Lins, no CD Brasil Project foi feito por mutos brasileiros em homenagem ao músico belga. Os caminhos tortuosos de Toots e as notas escolhidas no improviso são simplesmente inacreditáveis, um gozo. Uma dúvida à qual não tenho a resposta, se Toots quando improvisou tinha à sua frente a grade harmônica escrita, as cifras, para seguir como guia. Se tinha fica "mais fácil", principalmente nesta difícil música de Ivan. Se não tinha, deveria ter na cabeça todo o encadeamento harmônico para viajar no improviso sem precisar de guia.

Mais ou menos assim é o jazz. Pena que no Brasil não haja mais casas noturnas para que músicos profissionais possam tocar. As raríssimas que existem, 1 ou 2, parecem ser “ciumentas” e não admitem canjas; um padrão fechado, “empresarial”, que em nada se coaduna com a arte. Algo totalmente diferente das casas noturnas existentes na Europa e Estados Unidos. Mas também o padrão musical do Brasil passou a ser, desavergonhadamente, o da não qualidade, o da não competência instrumental e musical e o da falência em quase todos os sentidos, salvo raras exceções, muito raras que vagam perdidas por aí. Jean Menezes de Aguiar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O declínio do direito




[Direito. Sociedade. Advocacia. Mundo corporativo. Manejo. Crítica. Positivismo. Estado policial]

Com este sugestivo título, Friedrich A. Hayek, prêmio Nobel de economia em 1974 abre o capítulo XVI em seu famoso livro Os fundamentos da liberdade. Fica patente o contraponto entre o título do livro, que numa análise primária ver-se-ia “esperançoso” e o título do capítulo mostrando certa escatologia no plano “jurídico”. Amartya Sen, outro Nobel de economia, em 1998, no seu último livro A ideia da justiça também analisa a liberdade e a mecânica da justiça, além de já tê-la discutido eficientemente em Desigualdade reexaminada.

Um questionamento parece ficar patente aí. Estudantes do direito, não apenas em nível da graduação parecem não estar trabalhando com duas áreas suprajurídicas, mas essencialmente estruturais ao direito: a primeira, a questão formativa da justiça, em sua epistemologia conceptual e intelecção minimalizada para funcionalizar questões e debates fundantes à compreensão de um tecido mental próprio de subtemas como o justo, o ético, o correto e até o legal em si – minimalidades que formariam um arcabouço estrutural formativo e sedimentador de uma evolução conceitual; a segunda, as erosões do direito e da desigualdade num mundo globalizado.

A impressão que fica, pelo menu de interesses revelados por parte de muitos estudantes, é de uma subformação com fito operacional corporativo, nem propriamente mantenedor de um emprego, mas menos, teleologicamente concebido a um ingresso num tal já obsoleto mundo corporativo, filosoficamente primário e subalterno a um alto pensar, como um sugerido por Alain Touraine (Após a crise) – “O mais importante é reconstruir a vida social, dar um basta à dominação econômica sobre a sociedade, o que exige recorrer a um princípio sempre mais geral e universal, que podemos novamente denominar direitos do homem (mais apropriadamente, direitos humanos); direito que seja capaz de engendrar formas novas de organização, de educação, de governança, a fim de propiciar uma redistribuição do produto interno nacional em favor do trabalho, há tanto tempo sacrificado pelo capital”, ou por Joseph E. Stiglitz (Nobel de economia em 2001), na obra O mundo em queda livre, quando teoriza os capítulos “O grande roubo americano” e “A ganância triunfa sobre a prudência”, percebendo-se a prudência não como um “temor” próprio dos primários, mas um sofisticado equilíbrio inclusive de matriz sociológica como exigido por Touraine a compor a nova esfera avaliatória das leituras prestáveis para os tempos atuais. Também, e em segundo lugar, ao lado de um desejo corporativo profissional, boçalmente competidor, totalmente energumizado, está no referido menu de interesses, ainda, um plano mais doméstico e individualístico da formação jurídica que seria a visão de uma advocacia profissional e sobrevivencial que não maneja um arco de opções teóricas e compreensivas tendentes à compreensão do mundo pelas leituras jurídicas e concepções teóricas básicas.

A situação se agudiza, no plano da inteligibilidade, na dispensa de temáticas complexivas formadoras do pensar jurídico pela alegria momentânea e consumista com manejos práticos, oficiosos, burocráticos e de resultado. À frase que era objeto de riso por parte de Anatole France (Le Lys rouge), “majestosa igualdade perante a lei que proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir sob as pontes, esmolar nas ruas e roubar o pão” já foi citada inúmeras vezes na história recente do direito – pós-Guerra – como paradigma de uma justiça imparcial, quando o que está intrínseco é verem-se solapados os fundamentos da justiça imparcial. A proteção do fraco contra o forte com garantia de “uma participação moderada nas coisas desejáveis da vida”, conforme ensina Hayek, é – teria que ser – uma das essências desta nova legislação social e econômica. Mas isso parece não estar compondo a formação mental e de subjacência do novo homem jurídico, este mesmo que prossegue validando aberrações filosóficas como disputas sociais ao modelo de Adam Smith de que a melhor coisa que cada um poderia dar à ordem social seria a contribuição do seu egoísmo pessoal (An inquiry into the nature of causes of the wealth of nations. Chicago: Encyclopaedia Britannica).

A impressão que fica é paradoxal, se por um lado com um retorno roxo às doutrinas do positivismo legal, como o primeiro dos 4 movimentos importantes do direito (positivismo legal, historicismo, escola do direito livre e escola da jurisprudência do interesse) – no caso meramente brasileiro com a hipertrofia do Estado no viés do concurso público, um neo Kulturstaat que beira ao Estado policial quando, por exemplo, sataniza investigações viscerais sobre a corrupção figadal –; por outro lado, com a acientificidade do direito, não uma que solapasse corretamente conceitos cartesianos pelo câmbio de matizes sociológico e antropológico, econômico e outros, mas, por exemplo, com o abandono de métodos jurídicos próprios de uma ciência “atual” no viés da interpretação prevalentemente social, isso, reforce-se, no plano da formação jurídica brasileira, não no da “existência” desses temas no direito, principalmente em literatura estrangeira.

O direito perde a explicabilidade social quando não mais teoriza fenômenos concretos da vida urbana cotidiana e primária. Não produz “resposta” para a violência e para a agressividade (como se fosse seu papel...), sequer tematiza por foco outro que não seja o da repressão, a não ser tímidas discussões pontuais como o “laboratório” de campo que tem sido as UPPs no Rio de Janeiro, questão, repare-se, que não tem sido produzida por entranhas do pensamento jurídico, mas, de novo, por manejos estatais que passam a produzir o conhecimento. Parece um retorno ao kelsianismo em sua concepção básica de que no Estado está a ordem legal, um modelo de Rechtsstaat odioso e velhaco, duro e formal, legitimador inclusive do Estado despótico.

Com a perda da explicabilidade por parte do direito, não se tem “visto” direito, apenas manejos utilitários, primários, simplistas de obtenibilidades. No campo processual, a ode às tutelas de urgência, um viés paupérrimo dum consumismo imitado e teoreticamente desinteressante; no plano das liberdades, pequenas bulas artimanhosas visando a liberdades pontualíssimas, frise-se, de novo meandro processual, no qual o direito material não importa, numa dicotomia frontal ao modelo processual francês, por exemplo; no plano tributário com a excelência tecnológica deste neo-Estado policial, a busca frenética pela guerra que se estabelece em elisão fiscal frente à voracidade estatal hemorrágica em menstruação desregulada e aí imunda com o dinheiro público a prol de quem está no Poder.

Assim há um declínio do direito numa forma nova, modernosa e com “terninhos” justos e pretos para homens-dândis que correm “loucas” aos bandos nos aeroportos imundos deste terceiro mundo brasileiro, um direito também tatibitatizado sem os voos grandiosos das teoria da justiça (Rawls e Sen), da liberdade (Hayek), da desigualdade (Sen), da ética (Morin), da história (Hobsbawm) e do pós-crise (Stiglitz, Touraine, Fareed Zakaria e outros). Essa “sociologia” do direito profissional brasileiro gera saborosos disparadores de risos e orgasmos mentais para rabugentos de uma ciência jurídica traída e largada no meio da estrada, com visões lisérgicas de um LSD achado no fundo da gaveta e requentado num fogão mambembe para a leitura de uma prática jurídica pobre, monotemática e meramente egoísta, sem qualquer inserção social verdadeira. Jean Menezes de Aguiar

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O texto crítico, sua rejeição psicanalítica, seu afeto e os imbecis.


Patas e trombas usadas com força na educação da cria são as mesmas para o afeto

[Filosofia. Crítica. Psicanálise. Objetividade. Imbecis]

          Há quem não goste da crítica, nem um pouco. Mesmo a crítica feita “em tese” e não dirigida a ninguém em especial. Percebe-se no agente que não gosta, inicialmente, um certo medo no sentido de que a crítica estivesse tratando dele próprio, o temeroso ou o que reage. Depois da fase da negação ou do medo do enquadramento, “– eu não sou [não quero ser] isso”, vem um misto de repugnância e ódio pela revelação pública de o que se é ou se percebe que se é, “– eu não gosto que falem de mim publicamente”, como se a crítica, que existe em tese, tivesse falado efetivamente do agente, em concreto.

Há duas explicações no plano subjetivo aí. A primeira é “mais” objetiva, ligada ao agente temeroso. Este veste a carapuça ou acha que a crítica é para ele porque ele se encaixa no objeto criticado, a crítica lhe cabe perfeitamente. Ele percebe que outras pessoas ao lerem a crítica identificarão nele uma pessoa potencialmente criticada por aquele texto crítico. Quando ele veste a carapuça, reconhece, no seu íntimo, que a crítica se lhe encaixa e por isso reage, afinal só quem pode falar mal dele, publicamente é ele próprio. Aqui a reação à crítica é porque o objeto criticado cabe perfeitamente em alguém, ainda que este alguém jamais estivesse citado nem sugerido no texto crítico.

A segunda explicação para se reagir à crítica é subjetiva, não se liga ao objeto da crítica em si, mas a quem a produziu. O sujeito que reage imagina que quem criticou tenha na verdade dirigido a crítica a ele; imagina que o texto crítico seja uma indireta. Novamente, percebe-se que quem reage fá-lo-á porque vê plausibilidade no contexto crítico em relação à sua pessoa, mas a problematização aqui está ligada ao agente que elaborou a crítica, é com o autor que se implica ou se tem problema.

Há uma terceira análise. A crítica pode ser rejeitada no plano objetivo, no sentido de apresentar-se errada, atécnica, desconjuntada ou imperfeita em sua estruturação ou materialidade intrínsecas. Nesse caso não há uma reação subjetiva a ela, mas é perfeitamente possível uma demonstração de sua imperfeição em relação ao objeto criticado. Aí a metodologia científica exigirá um fator técnico conhecido como alheação ou estraneidade para o desmonte da crítica. Não será ela ruim “porque eu acho”; “porque eu quero que seja”; “porque ela cabe em mim”; ou “porque eu acho que você está falando de mim”; mas será ruim por um defeito objetivo e demonstrável que a torna imperfeita.

Nos dois primeiros casos, pertencentes ao plano subjetivo, a situação desafia um tipicamente problema kantiano, já que está em jogo uma crítica da faculdade de julgar (Urteilskraft), ou uma crítica à nossa capacidade de formular juízos, conforme ensina Howard Caygill (Dicionário Kant). O agente reage por meio de um juízo estético rechaçador ou um juízo teórico. Não quer a crítica porque ela lhe desnuda um ser que ele não quer ver público; ou não a quer porque ela não teria nascido como crítica [pura – em tese –] mas como uma indireta ao agente criticado, daí sua afetação no plano conceptivo enquanto crítica.

Como a metodologia científica é uma pauta “difícil”, o ignorante desconhece e por isso tem uma atitude totalmente contaminada, ametódica e parcial em relação ao texto crítico que reage e então detesta; já o filósofo em muitos casos constroi teorias reagentes sólidas, mas esses não frequentam os mesmo restaurantes que os ignorantes, o comum, por parte dos ignorantes, é verem-se rechaços barulhentos, figadais, confusos, emocionais e totalmente ametódicos a textos críticos. O filósofo terá a destreza de manejar a rejeição ao texto crítico com uma teorética sedutora e tranquila, ainda que possa estar episodicamente equivocado.

Por quarta análise, há o agente criticador. Há algumas divisões classificatórias aí. Uma é que haverá nítida diferença entre o teórico e o medíocre. O teórico elabora seu texto crítico com algum sentido altruístico (perdoe-se o palavrão), totalmente preocupado com a construção e a sustentabilidade dos argumentos, a montagem e busca de perfeição dos conceitos e a todo instante um método objetivo de demonstração dos contornos críticos. Já o medíocre se aproveitará de algum lampejo critical para, sim, produzir indiretas e carapuças comissivas a seus inimigos de laia, numa atitude primária e facilmente perceptível. Essa primeira divisão é bastante vulgarizada, mas talvez algo dela se aproveite, como um mero espírito mediato de identificação de quem trabalha com textos críticos. Uma outra divisão é a de quem trabalha com crítica profissionalmente e quem lida com ela por prazer, e isto não pode sugerir, obviamente, qualquer reserva de mercado. O professor, o filósofo ou o escritor, por exemplo, com seus deveres de ofício de serem, no plano teórico, bem intencionados (fora do Inferno), deverão manejar quaisquer críticas por piores que sejam com a objetividade do agente teórico, visando à aplicação por afeto ao alunato ou a seu público. Já quem não tem a “responsabilidade” profissional destes ou do teórico lato sensu e não trabalha com a crítica por ofício, “poderá” manejar a crítica de “peito aberto”, mas sem esse dever de ofício. Isto quer dizer que em outras situações, de implicância cotidiana, por exemplo, esta crítica poderá não estar isenta de comprometimentos e acusações subjetivistas.

É claro que tudo que se chama de “objetivo” contém relativizações para o plano subjetivo. Todo ato humano é político e cultural, há subjetividade em tudo. Jairo José da Silva ensina que até “a matemática é um produto da cultura humana” e “muda com o tempo” (Filosofia da matemática) e Gaston Bachelard em sua tese de doutorado, Ensaio sobre o conhecimento aproximado, ensina que “nada pode adulterar o número”. Fica patente aí que “objetividade” é algo bastante relativo e a inadulterabilidade se vê num campo muito restrito, próprio do simbolismo aritmético. A crítica tida por “objetiva” sempre, invariavelmente, terá uma carga subjetiva.

Por fim, é sempre possível se identificar uma relação de afeto que pode existir na crítica, mesmo a crítica pesada e considerada vulgarmente “debochada” por problemáticos de plantão que veem [e temem] o deboche em muitas situações. O fator “afeto” existirá quando se buscar o viés pedagógico verdadeiro por meio até da ridicularização de um objeto criticado. Ainda que este objeto seja considerado, no texto crítico, próprio de imbecis, o afeto pode existir. Este afeto pode ser dado, por exemplo, a um filho no processo de sua educação, para que do filho seja afugentada toda e qualquer imbecilidade, fator que nenhum pai desejaria próximo ao filho. Também o professor com autoridade poderá [deverá] manejar o afeto com este viés. Quando se critica vorazmente um objeto quer-se ridicularizá-lo  e este pode ser um modo educativo.

Os imbecis existem e nunca deixarão de existir e não será a ausência, a suavização ou o paternalismo piegas e idiotamente meloso de um texto crítico então primarizado que os fará menos imbecis, ou desaparecerem da Terra. Assim, mãos à obra e crítica a tudo. E que se fodam solenemente os que se incomodarem, se doerem e se sentirem atingidos. O filósofo Lou Marinoff (Mais Platão, menos prozac) dispara: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema.” É sempre mais seguro manter esses ofendíveis, imbecis e problemáticos – os merdas em geral – longe, muito longe. A crítica salva e viva o seu afeto carinhoso. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Bbb, o crack visual

[Matéria publicada no jornal O DIA SP de 19.1.2012]


O vidiota - muito além do jardim

Bom “golpe publicitário” o do delegado de polícia que “achou” o estupro no bbb. Juntou fome com vontade de comer. O escândalo é o primeiro de uma série, claro. Tudo encomendado pela emissora e previsível por qualquer observador atento. Se não forem os escândalos, agora até extramuros, o que será do bbb? Todos, os que assistem, querem exatamente isso, inclusive os que juram que não veem.

Com o escândalo a imprensa agradece ao delegado. A audiência bate picos lunáticos de alta. As TVs rivais faturam e saem do vermelho. O “Ilmo.” (de ilustríssimo; delegado) vira o delegado-bbb. O público começa o ano já em síndrome de abstinência, afinal bbb é um crack visual. E os críticos têm material de sobra; Veríssimo, por exemplo, foi impiedoso.

Quem perde com o episódio? Ninguém. O moçoilo “expulso” talvez esteja sorrindo secretamente com sua já sabida semana contratual de fama. Mais uns 100 mil reais no bolso para se deixar ser “acusado” nacionalmente de estuprador com a garantia global de que nada aconteceria. Teoria da conspiração? É claro que sim. Só ela explica 130 milhões de reais investidos aí.

O bbb está em queda. No exterior não existe mais. Mas aqui, o sexo é a bola da vez. A ditatorial homossexualidade também. Haverá o “beijo gay”, perguntam ociosos e provincianos mentais. A estupidez humana é formidável. O mesmo público que exige a expulsão do “estuprador” é o que sorve e voyeuriza cenas baixas e pobres. O farisaísmo sempre foi intrínseco à sociedade do falso moralismo.

Como eram ingênuos os primeiros contratos do bbb.“Aparecer” na novelinha com tudo gravado, até o xixi. Sem mentiras. Agora, dizem haver atores, cenas ensaiadas. Mas a evolução será o sexo explícito. A avidez social parece ser por esse quadro patético. Que falta faz Roberto Marinho.

Pela sociedade, não se pode “reclamar”, afinal, isso gera milhões de reais. É o que se quer, a degradação dateniana, ratiniana ou a alegria-matéria-plástica faustiana da mesma Globo.

                Há agora o problema legal que sempre tem um custo elevado, que foi o de se “brincar de estupro”. Ficam efeitos negativos para os patrocinadores. Após uma noitada de bebedeira solta, lasciva e autorizada, não havendo ali nenhuma criancinha, tudo pode ter acontecido. Até nascer, daqui a 9 meses, o primeiro bbbzinho.

Com estupro algumas coisas mudam. Mas só algumas, afinal tudo continua sendo bbb, Globo, Bial e pós-modernidade. Para que ética televisiva? Um bbb é: querer mostrar o que se acha que vai ser mostrado, depois não mostrar. Os patrocinadores, AmBev (Guaraná Antarctica), Fiat, Niely, Schincariol (Devassa) e Unilever (Omo), pagando cada um R$ 20,6 milhões, podem ter ficado “preocupadinhos”.

                Se foi armação todos ganharam. O delegado, a emissora, o “modelo” e os anunciantes. Mas se não foi, algum tiro saiu pela culatra. A moça já se apressou para reconhecer que “estava consciente”; mas também “não sabe o que houve”. O negócio é inocentar o sujeito, mas não totalmente. Essa é a sua lição de casa exigida pela emissora. Uma colega jornalista me disse ontem que a moça estava completamente chapada após alguns minutos da cena. Mas se ela jura estar consciente e nega o estupro, fim.

Se não houve toda essa conspiração e o jogo era “honesto”, como fica agora o “pobre” “modelo” expulso? Fica, também, com a fama nacional de estuprador? Mas a sociedade o perdoará não é verdade? Basta se “explicar” no Faustão, fazer cara de bom moço e negar até a morte.

É claro que bbb algum merece uma teoria complexa. Tudo já deu o que tinha que dar na boa e velha Casa dos Artistas, de Silvio Santos. Mas não é surreal que a Globo insista nisso porque a lógica sabida é: às favas com ética, educação e prestação de serviço à comunidade, o que manda é o dinheiro e ele entra a rodo. Isso tudo só patenteia um nível mental de pirilampo (perdoem insetos) da sociedade brasileira que não cessa de ver bbbs.

                Na esteira estapafúrdia do politicamente correto, a nova lei penal caiu na sedução social do “tudo é estupro”. A emenda da lei no campo penal foi chinfrim e ordinária, ainda que atendesse a um estrilo panfletariamente feminista. Agora não só a conjunção carnal, mas qualquer ato libidinoso é crime de estupro e não só o homem o pratica, mas a mulher também pode ser agente ativa. Viva o punitismo! O problema é que o crime exige “violência ou grave ameaça”, está na lei. Será que o delegado não sabe disso? Será que houve naquela promiscuidadezinha televisiva que todo mundo já esperava, num bbb, público para o Brasil, “violência ou grave ameaça”? Parece que exageraram na novelinha do sexo. Que falta faz a genialidade de um Daniel Filho.

                Tudo bem que a TV dê o que a sociedade quer. Esta sociedade que ao sair de um jogo no Pacaembu, por exemplo, precisa ser fisicamente separada por caminhões da PM para que as torcidas de homens-bicho (todos feios, já reparou?) não se matem. Com essa falência mental, intelectual, de educação, de ética da sociedade, um bbb é uma ilha do Caribe de prazer. Mas a Globo e anunciantes capitularem a esse baixo clero social beira à ofensa.

                Qual é o crítico ou intelectual que apoia, aprova ou valida um bbb? Esse questionamento seria totalmente primário se não coubesse em alguma medida. Busque o artigo de Veríssimo! Não há um patrulhamento às avessas de que o intelectual “tenha que odiar” o bbb ou se fantasie de inatingível ou blasé. Mas o baixo nível de um bbb autoriza o questionamento. E novos escândalos virão. É claro que virão. Ver somente como alguém se ensaboa ou lava prato não vende mais. Agora descobriram o “escândalo agregado”. Quando passar este, vem outro. E eu de minha parte fomentei a fofoca, sem nunca ter assistido a coisa. Tirei a minha casquinha do bbb, que vergonha. Mãe, me perdoe. Jean Menezes de Aguiar 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O construtor de barcos

Jean Menezes de Aguiar, Nikon [Coolpix L19], Vitória, ES

[Impróprio para menores, ou caretas]

Johan era um holandês que construía barcos de madeira, quando esse material não mais era utilizado para a navegação, os modernos preferiam fibra ou aço. Passava longos meses na areia das praias onde era contratado para fazer ou reformar barcos, viajando de país em país, cidade em cidade para atender a clientes. Com a prematura morte da esposa, passou a levar seu filho de 13 anos de idade com ele. Johan tinha as mãos sempre machucadas do trabalho com pregos e lixas. Sua pele era invariavelmente queimada pelo sol e seu cabelo quase branco, por extrema lourice, dava-lhe um colorido muito vivo. Mas Johan amava as mulheres, e para elas dedicava toda a sua concentração, não se preocupando em criar raízes em nenhum lugar, a não ser do único filho Frank. Um dia o filho o surpreendeu quando numa manhã, antes mesmo de se levantar da cama, perguntou, no mesmo quarto da casa de praia que ocupavam num verão europeu:
            - Pai, como são os seus namoros com as mulheres?
                        Johan sorriu meio sonolento, ainda, mas logo se interessou pelo que o filho queria saber e desenvolveu-se o diálogoseguinte.
                        - Como assim, os meus namoros?
                        - Ué, como você namora, como é que ganha as namoradas, o que faz para conseguir elas? De qual você mais gostou? O que mais gosta em uma mulher? Por que os namoros acabam, essas coisas...
                        - Filho, por que quer saber isso?
                        - Porque acho que você tem sucesso com mulheres e eu também quero ter, aí se eu imitar você terei sucesso igual, e eu quero ter muitas namoradas.
                        - É filho, mas isso não é tão direto assim, o fato de eu ter algum sucesso querer dizer que você terá se me imitar. Mesmo assim, eu posso contar as coisas que sei e aprendi. Praticamente tudo o que aprendi na vida de importante foi com as namoradas, errando, acertando, voltando a errar, chorando... As mulheres são as melhores professoras que existem, eu já amei profundamente filho.
                        - Isso eu sei. Pai, você está chorando?
                        - Não, Frank. Só fiquei um pouco emocionado porque lembrei de alguém. Mas já chorei muito por algumas mulheres sim. Chorar por uma mulher é a coisa mais nobre e mais bonita que há. Eu não me arrependo, só me arrependo dos erros que cometi, mas todo mundo erra não é verdade?
                        - Pai, aquela morena de cabelo cumprido foi a namorada que você mais gostou, aquela que tinha uma tatuagem? Ou foi aquela loura bem loura que só andava descalça?
                        - Ah filho, é difícil medir isso.
                        - Ué, não é não, você que não quer responder. Fala aí.
                        - Frank, o amor tem muitos lados. Tem também outras duas que você se esqueceu e que foram importantes. Mas não sei se dá para medir o amor. Consigo medir quanto de madeira tenho que comprar para reformar o fundo do Náutilus, e esse barco está dando o maior trabalho, né? Mas comparar o amor é difícil.
                        - Então fala de umas delas aí pra mim. Acho que ninguém melhor do que você para me contar como é a mulher não é?
                        - Filho, a mulher é a melhor invenção da humanidade. Não há mulher feia, sei lá, ou eu nunca achei, não sei. Toda mulher pode ter uma beleza aqui ou ali. E eu acho que é a gente que cria uma parte da beleza da mulher. Você se lembra da Sylvia, aquela alemã que eu namorei?
                        - Hã hã. Aquela que brigava muito com você.
                        - Pois é, dois amigos meus viviam dizendo que ela era gorda e me sacaneavam. Mas eu simplesmente a amava. Primeiro porque ela me aguentava.
                        - As outras não aguentam?
                        - Não, claro que aguentam, mas a Sylvia parecia uma cama, rs rs rs, quando nós íamos transar era uma loucura, bom demais. Mas o mais importante nela era que ela gostava muito de mim e cuidava muito de mim.
                        - O que mais lhe atrai numa mulher, pai?
                        - Não sei, diversas coisas.
                        - Fala aí, não enrola. Você teve uma brasileira né? Da Amazônia ou não sei de onde?
                        - É, era linda. Quando mordia a boca pra me provocar eu enlouquecia, os cabelos, a altura, tudo nela era de rainha. Ah filho, gosto de pés, mãos, pernas, bunda, rs, gosto de cara e cabelo, e gosto muito da buceta, a buceta é uma coisa linda.
                        - É mesmo pai? Eu nunca vi uma buceta, só na internet. Outro dia a Vivian, filha daquele vizinho lá da Capital disse que ia me mostrar a buceta dela. Mas ela tem 18 anos e me enrolou. Eu fiquei esperando contando horas e nada. Acho que ela sumiu.
                        - Nossa, mas a Vivian é linda. É filho, isso vem naturalmente, não se preocupe. Você é muito bonito, com esse cabelão aí, as meninas vão querer mostrar muito as bucetas pra você. Não precisa se preocupar.
                        - É pai, mas o James já viu e fica me gozando dizendo que eu ainda não vi nenhuma. A que ele viu não tinha nenhum pelo. Eu acho feia assim.
                        - Bem isso é gosto. Eu também gosto das peludas. Sabe a bujarrona do Clipper, da Capital, que você andou comigo? Lembra, quando pegou aquele vento e ficou toda inchada? Pois é, tem umas bucetas assim, lindas, inchadas, parecem uma bujarrona. E os pelos parecem que dão um mistério a elas, além de ajudar no perfume.
                        - Pera aí, pai. Perfume?
                        - Claro, filho, não conseguiram inventar um perfume tão maravilhoso como o que sai da buceta. No dia que conseguirem será proibido, de tão indecente e maravilhoso que é, rs rs.
                        - Sério pai?
                        - Sério filho, rs rs. É o melhor, bom de mais.
                        - Essa eu não podia imaginar.
                        - Bem, a gente sabe que você vê isso aí na internet né? Sexo oral é assim. E não tem o menor problema. Aliás, o que não tem é problema. Mas isso é sexo, sabe? Há coisa melhor que o sexo, muito melhor.
                        - Ué, o James disse que não há.
                        - Pergunte a ele se ele já conheceu o amor, Frank.
                        - Se o sexo deixa ele de pau duro, o amor levará ele pra cama trêmulo, caído, doente, febril.
                        - Ué, mas isso é péssimo, pai!
                        - Isso é a coisa mais linda e deliciosa do mundo, filho.
                        - Isso faz os olhos ficarem assim como os meus, e dá uma dor na garganta que parece que a voz não quer sair. Mas eu tô ficando com fome. Vamos levantar e comer?
                        - Vamos, mas eu quero saber de bucetas, sexo e amor.
                        - Não filho, esquece as bucetas e o sexo. Isso é consequência. Você deve se preocupar com o amor. A mulher precisa ser amada, mimada, cuidada, endeusada. Algumas quando me conhecem acham que eu só quero comê-las, não sabem de nada, não veem o meu coração. Sorte a minha, rs. Aí veem que eu não sou um pedaço de carne e não as trato assim. Sabe que eu já perdi mulher por isso? Ela só queria ser comida, não queria ser amada. Mas eu não mudo. O meu negócio é o amor.
                        - É, sexo deu fome.
                        - Não é sexo, Frank. Presta atenção, porra, é amor. O segredo é o amor. Você não tem que ser o grande comedor, tem que ser o grande amante, amoroso, dedicado, poeta, encantador, denso e delicado, além de profundo e poderoso.
                        - Pai, como é que você sabe isso tudo?
                        - Pô cara, olha a minha idade e a sua. A gente vai vivendo e aprendendo. Não precisa de livro pra isso, mas só de percepção. Tô com fome. Amor sempre me deu fome. Com as mulheres a fome é de sexo, mas é só consequência. Comer comida e comer mulher são as duas melhores coisas do mundo.
                        O café da manhã naquele diz foi diferente. Frank estava tendo sua primeira aula mais profunda sobre as relações, o amor, o sexo, e para sua felicidade com seu maior amigo. Johan não restringia nada no filho, exigia apenas inteligência, não gostava de coisas burras, e Frank já estava acostumado a ter sua inteligência cobrada ao extremo. Seus estudos agora eram pela internet, porque precisava viajar com o pai. Suas notas eram bem altas. Ele já desenhava barcos e pensava em motores de embarcações a ponto de surpreender o pai e colegas construtores. Depois de comerem ele disse:
                        - Pai, podíamos não trabalhar hoje e você tirar o dia para explicar como funciona o negócio aí do amor né? Acho meio estranho isso, amor...
                        - Tudo bem filho. O amor é um sentimento, algo que não solta da gente, fica, até sonhamos com a mulher que amamos. Aquela morena do cabelo cumprido que você falou, é um dos melhores exemplos de amor. Eu implicava muito com ela, reclamava que ela não enfrentava as questões, mas igual ao beijo dela nunca soube de um igual. Uma vez eu contei o beijo dela para o Jörn, lembra dele?
                        - Chato ele né pai?
                        - É, rs, mas ele é bom de mulher, nem sei como, rs. Ele disse que nunca teve uma mulher que o beijasse como eu falei do beijo da morena.
                        - Ué, mas um beijo é tudo igual não é não?
                        - É nada filho, quem dera. Os beijos são muito diferentes. As bocas podem encaixar ou não encaixar. Aí tem o cheiro da boca, o gosto da saliva e os movimentos. É igual à mecânica desse barco aí fora em marcha lenta – tem que funcionar certinho, cada peça para um lugar na hora certa, podendo ser movimentos repetitivos, e tudo muito bem lubrificado. É foda, filho. O beijo é foda.
                        - Então um namoro começa pelo beijo?
                        - Ele pode “acabar” pelo beijo, se você der o beijo que deu toda essa liga, aí o resto será o inferno.
                        -Liga? Então o beijo é uma cola? Tá bom, não precisa fazer essa cara; a parte mais importante do amor é o beijo, então?
- Não, filho. Não tem isso. O amor é uma magia, um sentimento, a falta de querer ver a pessoa, querer passar o seu rosto no rosto da pessoa e respirar junto, contar coisas de carinho no ouvido, ficar namorando assim no carro ou na cama, quieto, como se ambos estivessem sussurrando de carinho um para o outro. O amor é um monte de coisas, filho, mas é bom, apenas é muito bom.
- Pai, eu quero amar. Eu queria fuder, mas agora eu quero amar. O fuder com todo esse amor aí deve ser muito bom não é?
- Bingo! Eu sempre soube que tinha um filho inteligente, rs.
- Pai, vou te contar, a Vivian sumiu porque disse que queria me namorar e eu não soube o que responder.
- Mas ela não tem 18 anos?
- É pai, mas ela quer, esse é o problema, ela já me falou merda. E eu vou encarar, depois dessa aula aqui eu vou.
- Calma Frank, não é assim. Isso não foi aula nenhuma. Estamos só jogando conversa fora. Mas se ela quer, não há problema, ninguém vai se ferir, rs.
- Pai, ela não é mais virgem.
- Ela vai te comer, isso sim, você vai ter que dar conta do recado, rs.
- Quem vai comer sou eu! Mas eu quero ter com ela o que você teve com a morena e com as outras todas juntas.
- Bem filho, é difícil. Ela pode estar querendo alguma coisa rápida com você, não se iluda para não sofrer. Use sempre a inteligência e a sua observação. Pode conversar comigo que te aconselho.
- Ah pai, eu vou pra cima. Ela é linda e vive me chamando pra pegar onda e andar de moto. Mas sempre quer que eu fique na garupa. Já sabe né?
- É, ela está mal intencionada, rs. Tadinho do meu filhinho, vai ser comido, rs.
- Pai eu vou fazer ela se apaixonar por mim.
- Sei lá Frank, pode ser.
O tempo se passou e Frank começou a namorar Vivian. Contra todas as expectativas, ela se apaixonou pelo garoto e eles viveram um grande amor. Ela deu o carinho que ele merecia, além de permitir que o amor fosse o ponto central da relação. O namoro durou longos 5 anos até que ele e o pai tiveram que mudar de país. A distância se incumbiu de serenar o fim da relação.
Frank se tornou um homem adorável, sensível, amoroso, carinhoso e disputado pelas meninas. 
Johan envelheceu ouvindo O tú o ninguna, com Luiz Miguel, todos os dias, às tardes, seu pensamento parecia que saía de si, seus olhos ganhavam uma tristeza ou um cansaço pela própria vida, até que um dia uma das ex-namoradas, a que ele mais amou voltou e pediu para ficar com ele. Esta, ele disse, foi a grande vitória de sua vida. Ele nunca perdeu totalmente o contato com ela, mas a vida se incumbiu de reaproximá-la. Já muito velho Johan veio a falecer à sombra de um coqueiro numa praia, deitado em uma espreguiçadeira.
Certa vez um grande amor do filho, Manuela, perguntou como ele era tão sensível com as mulheres, onde tinha aprendido isso. Seus olhos se encheram de água e ele disse duas palavras: meu pai. Frank casou e teve filhos. O último que se soube dele é que ele dizia estar esperando seus filhos chegaram aos 13 anos para recomeçar o ciclo de contar as histórias de amor para eles, cujo fundamento de tudo tinha sido seu pai.

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