sábado, 28 de julho de 2012

A moça do avião

...era ela.

Eu acabara de entrar no avião e avistei o amor da minha vida. Dei o primeiro passo e antes mesmo de meu coração disparar, ouvi meu nome saído da boca de um homem numa poltrona à minha esquerda. Era um amigo que não via há anos. Ele logo disse: quero lhe apresentar a minha nova namorada. Era exatamente ela, a que eu havia, segundos atrás, estipulado que seria o amor da minha vida. Ela tinha um nariz lindo, cabelo curtinho, uma arcada dentária inesquecível, um sorriso que era um autêntico convite e eu nem a conhecia. Não sabia seu nome, nada dela. Apenas olhei e senti que seria o amor da minha vida. Bem, agora não seria mais, apenas poderia ser. E minutos depois do agora, claro, em respeito a meu amigo querido e sortudo, ela já quase era uma estranha. Mas nem seu nome eu sabia, estranha ela era. Só queria saber de seu nariz, uma peça cheia de personalidade e autoridade. Que mulher, teria dito ou pensado eu, antes do meu amigo. Agora não conseguia dizer mais nada. Ela quase não falou, não precisava, sua voz era composta e ao mesmo tempo sedutora. Meu amigo se disse apaixonado, afinal ele insistia nela havia 2 anos e somente ontem, isso mesmo, um dia atrás ele a conseguira. Eu não pensaria que tivera chegado um dia atrasado. O importante era festejar o meu amigo querido. Quando ela se levantou eu contei essa história para ele, toda ela. Ele achou incrível e disse: confio tanto em você que posso deixar ela passar um final de semana na sua casa. Eu só podia sinceramente comigo mesmo achar aquilo natural, jamais trairia essa fidelidade masculina. Ou essa, com ele, eu não trairia.

Faltava eu olhar suas mãos. O esmalte era vermelho, não um vermelho comum, mas um escuro, próprio das mulheres poderosas que não estão mais caçando. Ela nunca foi uma caçadora, ela era vitoriosa e as vitoriosas não caçam. Nem são caçadas. Vivem amores que se estabilizam serenamente, carinhosamente e verdadeiramente. A impressão que ela passava era isso. Somente isso, de uma grande mulher. Olhei para meu amigo e vi um sortudo na poltrona do lado, feliz e eu esqueci toda a história do grande amor da minha vida. Ela voltou e se sentou a seu lado. O voo chegou ao seu destino, tocou o meu despertador e eu acordei no susto, impressionado com um sonho tão nítido, cores, aromas, sons e paisagens. Tão nítido que naquele sonho eu vivi por um instante a imagem que ela poderia ser o amor da minha vida. E foi, ali, numa deliciosa noite de segunda feira, véspera de feriado. E eu passei esse dia muito bem, afinal vivi naquela noite o amor da minha vida. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Salários públicos "secretos"?


Atenção: quatidade de notas apenas ilustrativa!


Artigo publicado nos Jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (Goiás)

                Antigamente funcionário público era do público, não era isso de “autoridade”. Ou se era não se levava a sério. O enredo dava samba, ou marchinha de carnaval. Hoje, autoridades usam a autoridade para serem ricas. É outro mote, triste e patético. O Estado não era visto como um maná profissional de regalias infinitas e eternas. Se efetivamente já era uma praia de desonestidade como ensina o grande Roberto da Matta, pelo menos havia alguma decência ou vergonha. O comum que se supunha, como malandragem oficial, era o velho golpe do paletó na cadeira para fingir que o funcionário público estava na casa.

                Atualmente é o Estado-mundo-corporativo, do dinheiro. Mas há exceções. Sim há, mas em termos de certos postos e cargos, a exceção não é de desonestidade, mas de honestidade. O Brasil é sangrado por “autoridades”. Não é à toa que Marcio Moreira Alves, Histórias do Brasil profundo, p. 12, já dizia: “Só rouba o Estado quem tem poder, sobretudo o poder de fiscalização. E ninguém rouba sozinho.” Nada como o intelectual para ler o fato social. A coisa virou quadrilha, está tudo organizado e não mudará, claro que não. É o direito adquirido do ilícito impune que, diga-se de passagem, gosta de ser chamado de “excelência”.

                É interessante como políticos de Cpi, por exemplo, se tratam por “excelência” e tratam o resto, o povo que paga a conta, por “senhoria”. Há o maior ciúme no tratamento “excelencial”, e ai de quem confunda, pode dar prisão por desacato gramatical. O grande Ives Gandra Martins, no II Congresso Nacional Contra a Corrupção, o qual tive o prazer de participar, abordou que o certo é tratarmos o presidente da República por “senhoria” e o povo ser tratado por “excelência”. Viva Ives e viva o povo-excelência.

                Para os incontáveis marajás do serviço público, a preocupação não é, jamais, com um “salário de fome”, mas com esse teto constitucional que beira os inacreditáveis, escandalosos e inexplicáveis 30 mil reais por mês. Alegam, alguns, certa inveja com a iniciativa privada para quererem ficar ricos no setor público, e ficam. E o povo que pague a conta.

                O jornalista Augusto Nunes, Veja, 21/07/2012, reproduz curiosa fala de ninguém menos que o sr. Henrique Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil: “Se colocam aqui outras situações, pessoas que ganham salários pequenos e que se sentem humilhados quando se divulga. Qual a mulher que vai querer namorar uma pessoa que ganha mal?”. Que mente jovial e “namoradoira” desse senhor. O jornalista remata, claro: “Esse senhor se mostrou indignado com a divulgação dos contracheques de quem trabalha no Poder Judiciário e debochando do idioma e da inteligência alheia para explicar que não está preocupado com a reação dos brasileiros surpreendidos pelos rendimentos de marajá dos colegas, mas com os porteiros e ascensoristas que vão ficar sem namorada.”

                Parece piada. Exatamente quando toda a imprensa revela os salários, é 80 mil para cá, 100 mil para lá, 60 mil para cá, até uns “pobres coitados” ganhando só quarenta e poucos mil reais por mês. O que será do pobre Demóstenes que só tem 200 mil para receber do MP dos onze anos que não trabalhou no MP e terá que viver com ordenado de menos de 30? Certamente vai para terapia.

                Uma nova sociologia se firmou por meio de uma nova cultura do “aprovado” em concurso público. É a cultura da primazia salarial do funcionário público em forma luxuosa e estratosférica. A nova cultura é a de “autoridades” acharem que ganham mal. Coitadinhas. De aí, todos querem ganhar como presidentes de empresas de sucesso. Isso para “servir ao povo”.

                Admita-se discutir em valores concretos os ordenados, salários, subsídios ou sabe-se lá que pirueta jurídica se crie para poderem aumentar escandalosamente a grana no final do mês. Quase 30 mil reais é o teto para “autoridades” e, ora ora, com a transparência legal imposta descobre-se, por exemplo, que a senhora Eliana Calmon ganha mais de 50 mil por mês. Alguém bem infantil poderia resmungar “quem diria”. Calmon, reconheça-se, sacudiu poeiras valiosas no Estado que precisavam ser sacudidas. Mexeu com a ira de poderosos intocáveis. Mas não escapou à lei da informação. Sem comentários.

                Aí surge em alguns sabidos setores do Estado essa ira, autoritária e velhaca, da revelação dos salários... públicos. Por que autoridades se mostram tão enfurecidas? Se todo mundo sabe, de antemão, o teto de quase 30 mil por mês, por que houve tamanha aflição? Certamente foi porque aí e somente aí acabaram sendo reveladas coisas que não podiam ser. Mas o cargo público não é “público”? Qual a “infâmia” em se revelar o salário pago pelo povo para um cargo público? Ele não sai no editalzinho do concurso? O problema é que se achava que aquele salário era verdadeiro. Pois é. Não é.

                Qual é a quebra de ética, moral, respeito, decência e “intimidade” - a nova onda jurídica absurda invocada - para não se revelar salários públicos? Essa resistência toda, sabia-se, escondia o inescondível. Ou melhor, o ilegal.

                Cai a máscara e a a história não falha. Ficou na cara essa reação enérgica de alguns do Poder Público com a “infâmia” e o desrespeito à “intimidade” - que farisaísmo-, que seria revelar salários. E o sr. Calandra preocupado se os seus teriam namoradas, que sujeito sensível e amoroso (gostei dele).

                A alegação de que salários públicos pertencem ao sagrado direito constitucional da “intimidade” só pode ser piada. O Estadão revelou salários estratosféricos de autoridades paulistas, alguns ultrapassando a casa indecente de 100 mil por mês. Ainda bem que se vive a democracia, se não sumia o Estadão.

                Quem vencerá? Talvez o Supremo, que precisa dar exemplo, tenha força de impor ao país a transparência. Talvez. Enquanto isso a imprensa faz o seu papel. Exige, sim, moralidade com o que se paga de carga tributária, não para fazer as autoridades felizes e preocupadas apenas com seus meses (no plural) de férias por ano, mas com um Estado mais honesto. Jean Menezes de Aguiar.