Atenção: quatidade de notas apenas ilustrativa!
Artigo publicado nos Jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (Goiás)
Antigamente
funcionário público era do público, não era isso de “autoridade”. Ou se era não
se levava a sério. O enredo dava samba, ou marchinha de carnaval. Hoje,
autoridades usam a autoridade para serem ricas. É outro mote, triste e
patético. O Estado não era visto como um maná profissional de regalias
infinitas e eternas. Se efetivamente já era uma praia de desonestidade como
ensina o grande Roberto da Matta, pelo menos havia alguma decência ou vergonha.
O comum que se supunha, como malandragem oficial, era o velho golpe do paletó
na cadeira para fingir que o funcionário público estava na casa.
Atualmente
é o Estado-mundo-corporativo, do dinheiro. Mas há exceções. Sim há, mas em
termos de certos postos e cargos, a exceção não é de desonestidade, mas de
honestidade. O Brasil é sangrado por “autoridades”. Não é à toa que Marcio
Moreira Alves, Histórias do Brasil profundo, p. 12, já dizia: “Só rouba
o Estado quem tem poder, sobretudo o poder de fiscalização. E ninguém rouba sozinho.”
Nada como o intelectual para ler o fato social. A coisa virou quadrilha, está
tudo organizado e não mudará, claro que não. É o direito adquirido do ilícito
impune que, diga-se de passagem, gosta de ser chamado de “excelência”.
É
interessante como políticos de Cpi, por exemplo, se tratam por “excelência” e
tratam o resto, o povo que paga a conta, por “senhoria”. Há o maior ciúme no
tratamento “excelencial”, e ai de quem confunda, pode dar prisão por desacato
gramatical. O grande Ives Gandra Martins, no II Congresso Nacional Contra a
Corrupção, o qual tive o prazer de participar, abordou que o certo é tratarmos
o presidente da República por “senhoria” e o povo ser tratado por “excelência”.
Viva Ives e viva o povo-excelência.
Para
os incontáveis marajás do serviço público, a preocupação não é, jamais, com um “salário
de fome”, mas com esse teto constitucional que beira os inacreditáveis,
escandalosos e inexplicáveis 30 mil reais por mês. Alegam, alguns, certa inveja
com a iniciativa privada para quererem ficar ricos no setor público, e ficam. E
o povo que pague a conta.
O
jornalista Augusto Nunes, Veja, 21/07/2012, reproduz curiosa fala de ninguém
menos que o sr. Henrique Calandra, presidente da
Associação dos Magistrados do Brasil: “Se colocam aqui
outras situações, pessoas que ganham salários pequenos e que se sentem
humilhados quando se divulga. Qual a mulher que vai querer namorar uma pessoa
que ganha mal?”. Que mente jovial e “namoradoira” desse senhor. O jornalista
remata, claro: “Esse senhor se mostrou indignado com a divulgação dos
contracheques de quem trabalha no Poder Judiciário e debochando do idioma e da
inteligência alheia para explicar que não está preocupado com a reação dos
brasileiros surpreendidos pelos rendimentos de marajá dos colegas, mas com os
porteiros e ascensoristas que vão ficar sem namorada.”
Parece
piada. Exatamente quando toda a imprensa revela os salários, é 80 mil para cá,
100 mil para lá, 60 mil para cá, até uns “pobres coitados” ganhando só quarenta
e poucos mil reais por mês. O que será do pobre Demóstenes que só tem 200 mil
para receber do MP dos onze anos que não trabalhou no MP e terá que viver com
ordenado de menos de 30? Certamente vai para terapia.
Uma
nova sociologia se firmou por meio de uma nova cultura do “aprovado” em
concurso público. É a cultura da primazia salarial do funcionário público em
forma luxuosa e estratosférica. A nova cultura é a de “autoridades” acharem que
ganham mal. Coitadinhas. De aí, todos querem ganhar como presidentes de empresas
de sucesso. Isso para “servir ao povo”.
Admita-se
discutir em valores concretos os ordenados, salários, subsídios ou sabe-se lá
que pirueta jurídica se crie para poderem aumentar escandalosamente a grana no
final do mês. Quase 30 mil reais é o teto para “autoridades” e, ora ora, com a
transparência legal imposta descobre-se, por exemplo, que a senhora Eliana
Calmon ganha mais de 50 mil por mês. Alguém bem infantil poderia resmungar
“quem diria”. Calmon, reconheça-se, sacudiu poeiras valiosas no Estado que
precisavam ser sacudidas. Mexeu com a ira de poderosos intocáveis. Mas não
escapou à lei da informação. Sem comentários.
Aí
surge em alguns sabidos setores do Estado essa ira, autoritária e velhaca, da
revelação dos salários... públicos. Por que autoridades se mostram tão
enfurecidas? Se todo mundo sabe, de antemão, o teto de quase 30 mil por mês,
por que houve tamanha aflição? Certamente foi porque aí e somente aí acabaram
sendo reveladas coisas que não podiam ser. Mas o cargo público não é “público”?
Qual a “infâmia” em se revelar o salário pago pelo povo para um cargo público?
Ele não sai no editalzinho do concurso? O problema é que se achava que aquele
salário era verdadeiro. Pois é. Não é.
Qual
é a quebra de ética, moral, respeito, decência e “intimidade” - a nova onda
jurídica absurda invocada - para não se revelar salários públicos? Essa
resistência toda, sabia-se, escondia o inescondível. Ou melhor, o ilegal.
Cai
a máscara e a a história não falha. Ficou na cara essa reação enérgica de
alguns do Poder Público com a “infâmia” e o desrespeito à “intimidade” - que
farisaísmo-, que seria revelar salários. E o sr. Calandra preocupado se os seus
teriam namoradas, que sujeito sensível e amoroso (gostei dele).
A
alegação de que salários públicos pertencem ao sagrado direito constitucional
da “intimidade” só pode ser piada. O Estadão revelou salários estratosféricos
de autoridades paulistas, alguns ultrapassando a casa indecente de 100 mil por
mês. Ainda bem que se vive a democracia, se não sumia o Estadão.
Quem
vencerá? Talvez o Supremo, que precisa dar exemplo, tenha força de impor ao
país a transparência. Talvez. Enquanto isso a imprensa faz o seu papel. Exige,
sim, moralidade com o que se paga de carga tributária, não para fazer as
autoridades felizes e preocupadas apenas com seus meses (no plural) de férias
por ano, mas com um Estado mais honesto. Jean Menezes de Aguiar.