Falar de mulher é mais que um prazer. Mas um artigo como esse, estima-se, sempre desagradará a alguma menina por aí, um beijo antecipado para quem não gostar. Há conceitos que a própria mulher tenta esconder, não assumir ou fingir que “não são bem assim”. Coisas esdrúxulas ou fora de uma padrão determinado usualmente, todo mundo quer deixar longe da própria vida, é natural. Por exemplo, a vulgaridade ou até a prostituição. Se para muitas mulheres isso é tranquilo, manter longe, para outras será um disfarce que, todavia, não conseguem esconder, ainda que ser vulgar possa ser um direito de cada um.
Muitas
mulheres, e não somente os cafonas executivos fantasiados de “homens de preto”
no aeroporto de Congonhas, SP, são influenciadas por ondas e modismo sociais. O
que é ou pode ser a mulher periguete? É uma forma de neoprostituta? É um
eufemismo para o que sempre se chamou de vida "fácil"? É um conceito
intermediário entre a recatada e a puta (puta sem qualquer sentido ofensivo!)? É a “putinha”, no diminutivo, uma
forma de prostituta amadora, exatamente porque não cobra dinheiro? Uma moça da “sociedade” admitiria
facilmente para o pai ser periguete, entre risos e brincadeiras, invocando uma
licença eufemística social, mas não admite ser uma prostitutazinha amadora? Pois é, há
questões difíceis e limítrofes aí, a começar pela terminologia, que o
preconceituoso não aceitará e dirá que se está esgarçando o conceito. Mas isso
são apenas questionamentos e não ainda um conceito.
Uma
coisa é certa, o tema desagrada a várias categorias, como se explica. 1) A
prostituta legítima e respeitável,
trabalhadora e consciente de sua situação em regra ruim, poderá ver na
periguete uma concorrente desleal; uma que não se “sindicaliza” e dá de graça,
ou dá pelo preço de uma entrada vip na boate “chique”, e dá o que a prostituta precisa
vender, muitas vezes sem qualquer prazer e disposição. 2) A “santa” ou puritana -
admitindo-se a hipótese dessa existência meio ridícula que só agrada a
papais cegos-, quererá ver, com seu olhar preconceituoso, na periguete uma
rampeira desavergonhada, mas uma que consegue homens que no fundo, talvez, a santa
gostaria de conseguir. 3) A coroa, já supostamente vencida a idade de
periguetear, verá na periguete uma concorrente em vantagem, em razão da “tenra”
idade. 4) A jovem “comum”, mas baladeira talvez queira aprender alguma
“coisinha”, superficial, de relance, de como periguetear, mas sem ser carimbada,
jamais, de periguete, afinal garantir um parceiro na noitada é a meta de muitas, ainda que
sem vulgaridades (é o brincar com o perigo da vulgaridade, mas só brincar). 5) Por fim a assumidamente periguete terá uma auto-visão
condescendente, legitimada é claro; justificará que toda mulher tem sua
periguete para rodar e ela apenas “brinca” com o conceito (essa pode ser mentira mãe); ou é autêntica; ou
faz o que muitas gostariam de fazer e não tem coragem; ou dirá que não há
qualquer problema com o fato de ser considerada periguete; ou dirá que
periguete é apenas um estado de espírito, não se convertendo em nenhuma atitude
efetiva de comportamento para o mundo. Há um festival de mentiras aí. Parece que todo mundo terá sua justificativa,
ora mais conservadora, ora mais “descolada”.
Paralelamente
alguns setores, como imprensa e boates, lucram com a nova moda inventada, da
periguete, talvez um tipo de mulher fácil que a sociedade conservadora aceite um
pouco “mais” que a legítima puta, esta francamente discriminada pela mesma
sociedade, inclusive feminina.
Mas
uma primeira dificuldade se apresenta: o que é ser periguete. No
interessantíssimo Dicionário do sexo e da prostituta, de Émerson Ribeiro
Oliveira, de 2001, editora Scortecci, o termo periguete não aparece. Há uma
coleção espetacular de nomes com seus sinônimos regionais de todo o país para:
viado (Locró), prostituta (Girafa, Leona), corno (Esporado, Aspudo), vagina (Gongolô,
Lasca), traidora (Lavar roupa fora), pênis (Macaxeira de homem, Manjeroba),
nádegas (Mapa-múndi, Padaria) etc., e nada de periguete. Em 2001 o termo não havia.
Por
outro lado, também nesse dicionário há um aparentemente perfeito sinônimo brasileiro para
periguete, de uso cearense, é a Murixiba - “mulher de quem se fala sem
respeito; mulher jovem que busca atrair os homens. Uso sertanejo, não muito
extenso.” A periguete parece ser uma murixiba.
Confirme-se
no Dicionário informal, na internet. Homens opinam sobre o conceito de
periguete. Ainda que com uma visão potencialmente machista ou não, os
conceituadores precisam ser ouvidos e podem não estar errados, já que aparentam
ter algum conhecimento de causa. Seguem os conceitos.
Primeiro: "Corruptela de "perigoso" = aquele que
causa perigo mais "guete"= boca mole, aquele que fala demais,
tegarrela: rameira, prostituta, piranha, pistoleira; perua; fofoqueira,
bisbilhoteira, fuxiqueira, mexeriqueira; mulher que frequenta bares noturnos em
busca de namorado. A minha vizinha é uma periguete, porque fala mal de todo mundo! Cuidado
com as periguetes que fazem ponto noturno nas ruas. Sinônimos: putinha prostituta, piranha, perua, caça homem, fofoqueira, mulher da vida, biscate, vulgar, safadinha. Antônimos: mulher pura, santa, pura, santa, pura, inocente. Relacionadas: baladeira, safada, perigo, faladeira, tagarela, aventureira, perigosa."
Segundo: "Garota que sai para as baladas ou para as festas para se divertir, dançar, beber e ficar com vários caras quase ao mesmo tempo; baladeira; vulgar no modo de se vestir, no modo de falar, no modo de andar, no modo de agir; o mesmo que pirigueti ou piri. Já vai aquela periguete em busca de mais um otário que a banque na balada! "
Terceiro:
"Mulher aventureira, da vida. Ela é uma periguete."
Quarto:
"Putinha da noite. Ontem eu peguei uma periguete na balada."
Já
no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa há: "Periguete s. f. (origem duvidosa, talvez de perigo) [Brasil. Informal] Mulher considerada desavergonhada ou demasiado liberal. = PIRIGUETE."
O mais interessante é que
a mesma mídia um tanto quanto preconceituosa com as prostitutas resolveu aceitar as periguetes
como uma coisa normal, inclusive validando comportamentos e atitudes que talvez nem as
prostitutas tivessem. Uma casa noturna, por exemplo, receberá uma periguete sem qualquer
problema, mas rechaçará uma prostituta profissional, mesmo uma bem vestida e arrumada.
É como se o elemento dinheiro e apenas ele alterasse toda a honradez da conduta sexual. Por
esta lógica reducionista, se uma casa noturna souber de uma mulher que transe no banheiro com 3
homens seguidos, mas sem cobrar, pode não expulsá-la do ambiente - será a periguete -, mas se souber de
uma que foi "contratada" por dinheiro para transar, mesmo depois do expediente da boate, não
quererá mais aquela profissional por ali, pois isso representa uma ameaça ao “nome”
da casa.Essa divisão - dinheiro / não-dinheiro - parece ser a única bastante problemática. Outras considerações sempre entram em jogo, acusações de prostitutas serem violentas, rodarem a baiana, serem vulgares, como se uma periguete, cujo termo deriva de perigo, não aceitasse todas essas suposições.
Haverá quem negue ser a periguete uma prostituta amadora (amadora apenas porque não cobra dinheiro). Mas nessa análise parece ficar exposta uma hipocrisia social tremenda. Parece que arrumaram um nome aceitável e “engraçadinho” para as nossa putinhas, as que podemos ter e aceitamos dentro de casa, e que não precisam do dinheiro do sexo para comprar remédio para o filho e para sobreviver. Isso mantém e faz continuar a discriminação com as prostitutas legítimas, em muitos e muitos casos pessoas muito mais vividas, experientes, com percepções finas sobre o ser humano, sobre o homem e sobre a vida. Em não poucos casos verdadeiras conhecedoras da dor que é o simples e próprio viver.
Minha grande amiga antropóloga e professora da Universidade Federal da Bahia, Alinne Bonetti, coordenou com Soraya Fleischer, o livro Entre saias justas e jogos de cintura, no qual diversas antropólogas relatam suas experiências de campo, nas pesquisas, com prostitutas, travestis e outros. Acredito que o olhar do estudioso social até possa criar um "compartimento" de estudo para as periguetes. Mas também acredito que a aproximidade dessa "espécie" esteja bastante ligada à tipologia da chamada vida vulgar., que a sociedade rechaça vorazmente.
Particularmente, admito, se me fosse dado escolher entre passar a noite numa mesa de bar conversando até o amanhecer com uma prostituta e uma periguete eu não exitaria um minuto: mil vezes a prostituta (um beijo, moças). As histórias das profissionais não são mentidas, não são disfarçadas, muito menos suas tragédias. Essa verdade lacerada na prostituição é, pelo menos para o estudioso, atraente e culturalmente rica. Já uma periguete que não sei bem o que possa ser isso, imagino que culturalmente seja um fracasso em qualquer conversa, um tonto e semibêbado fracasso. Jean Menezes de Aguiar