quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Senado Federal pra quê?

O intelectual Cristovam Buarque de Holanda

Ninguém menos que o prof. Emérito da USP, Dalmo de Abreu Dallari, para abrir o debate: “Pelo fim do Senado Federal”. Perguntou "Senado pra quê?".  Pois é, não é um qualquer, é Dalmo, e viva o argumento de autoridade máximo, inquestionável, oprimível historicamente ao seu contrário. Com o farisaísmo, só assim. Abaixo, recortes do manifesto elaborado pelo senador Cristovam Buarque de Holanda, à época da eleição do novo presidente do Senado (jan.2013). Tire suas conclusões lendo as palavras do próprio senador (algumas em maiúsculo).

 Sobre o Senado Federal:

“Uma nova presidência e um novo rumo para o Senado

Principal causa da perda de credibilidade do Senado é CONSEQUÊNCIA de nosso comportamento e nossa INEFICIÊNCIA.

Tem acumulado posicionamentos que desgastaram sua imagem perante o povo brasileiro, especialmente pela FALTA DE TRANSPARÊNCIA, pela edição de atos secretos, pela não punição exemplar de DESVIOS ÉTICOS e pela perda da capacidade de agir com independência.

NOSSA INOPERÂNCIA ao saber que temos 3.060 vetos presidenciais sem serem analisados ao longo de quase duas décadas; e nossa RIDÍCULA TENTATIVA de organizar a votação de todos estes vetos em uma tarde, como forma de passar por cima de decisão do Supremo.

Mostramos UMA CARA DE INEFICIÊNCIA POR DÉCADAS e de ridículo em uma tarde.

Passamos a ideia de estarmos BRINCANDO COM A REPÚBLICA de uma maneira INCOMPETENTE E INCONSEQUENTE, tanto seja por decisão política dos líderes da Casa, seja por ANÁLISES FRÁGEIS DE NOSSA CONSULTORIA JURÍDICA.

MAIS UMA VEZ encerramos as atividades legislativas SEM votar o orçamento para o ano fiscal que se inicia em 1º de janeiro. A POPULAÇÃO será a principal prejudicada.

Depois de TRÊS ANOS de prazo dado pelo Supremo, NÃO CONSEGUIMOS definir o funcionamento do Fundo de Participação dos Estados, jogando as finanças dos Estados em um ABISMO.

Mostramos FALTA DE ZELO com o federalismo cooperativo inscrito na Carta Magna e penalizamos as unidades federadas mais frágeis, contribuindo para permanência das enormes desigualdades territoriais.

Nos mesmos dias ainda passamos pelo RIDÍCULO, INOPERÂNCIA E SUSPEITAS ao terminamos vergonhosamente a CPI do Cachoeira.

Cabe lembrar o constrangimento de que a Administração do Senado passou anos cometendo o equívoco de não descontar Imposto de Renda de parte do salário dos senadores e, ao ser surpreendida pela Receita Federal, decidiu pagar COM recursos PÚBLICOS, o que era dívida pessoal de cada senador, embora provocada por ERRO da Administração da Casa.

Nossos plenários vazios, nossos DISCURSOS APENAS PARA A TELEVISÃO, a falta de debates de ideias e de propostas.

Uma reforma no funcionamento da Consultoria JURÍDICA, para dar-lhe mais competência e mais independência, de maneira a impedir os ERROS recentes seja por DESCONHECIMENTO DAS LEIS.”

Cristovam Buarque de Holanda, senador da República.

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Que análise pode ser feita "disso"? Não há análise, não  há leitura, não há interpretação. Bastas são as palavras do próprio senador, que não é louco, nem irresponsável, nem "exagerado" como conservadores de plantão quererão nominá-lo. Cristovam é, sim, um intelectual com todas as letras, o que emputece a muitos. Não é um qualquer apenas com terno caro, simpatia química, automóvel de luxo e uma prostituta ou um garoto de programa lhe esperando depois do expediente. E não é um intelectual "apenas" porque seja da esquerda, esse reducionismo não cola mais. Mas justamente porque não se intimida ou não se vende a ponto de não dizer essas coisas medonhas que todo mundo sabe, imagina e a história confirma.
Paridas das entranhas senatoriais as palavras de Cristovam deveriam causar uma revolução nacional, um movimento, uma luta. Mas sabemos que não causarão nada, não com uma sociedade como o próprio pensador analisa em seu ótimo livro Admirável mundo atual - dicionário pessoal dos horrores e esperanças do mundo. Os concursos milionários do Senado, os salários milionários do Senado, a assessoria jurídica milionária do Senado, nada disso presta para não incorrer nos defeitos, falhas e faltas de conhecimento apontados por Cristovam. Repetindo, por Cristovam! Jeito? Não há jeito. Que triunfe o cinismo.
 





quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Mulher brasileira: corpo x inteligência


Desafiadora
 
Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS - semana de 17.1.13

          Semana passada pedi no meu “Facebox” opiniões sobre o tema. Somente mulheres se manifestaram. Estranho essa abstinência masculina à mulher, mas, como se diz popularmente, sem discriminações.

              Mulher brasileira é boa sob vários aspectos. Se não somos os rostos ou os cabelos de qualquer garçonete sueca, como muitos gostariam, Darcy Ribeiro dizia que aquilo é pobreza, riqueza é a nossa mistura. Viva Darcy. Mas nem tudo são elogios. Há crises numa sociedade consumista. Uma grave é a aparente substituição do conteúdo (o ser, o intelecto, a ética, o amor) pela forma (o corpo, as nádegas, o cabelo, a pose, a pegação). Para muitas esta situação passou a ser tristemente ditatorial.

                Isso se dá pela troca de um valor descartável, menor ou passageiro, por um que “deveria” ser central, importantizado. É o acessório no lugar no principal. Meninas urbanas de classe média ali pelos 15, 18 anos de idade buscam mais inteligência ou corpo? É claro que há influências e educações aí. Cada um pode buscar o que quiser. Inteligência e conhecimento também são valores, logo, escolhas. Se a tesuda Sabrina Sato consegue ficar rica por sua beleza física, ou se mais 7 ou 20 da Tv ficaram, são 7 ou 20 exemplos. Isso não é a regra, e deveria ser compreendido.

 Ainda, “ser rico” é também um valor que pode ser perseguido. Para muitos a troco de qualquer coisa. Parece não haver dúvida de que com a “invenção” da periguete – o ser fêmeo que resolveu disputar com profissionais do sexo a custo zero de remuneração a clientela masculina e ainda se orgulha (nada contra) –; e com as notícias de Tv sobre corpos que andam e falam e obtêm “sucesso” na vida, deu-se uma geração de valores assim para muitas. Parece haver toda uma educação baseada nesses valores. Mas ouçamos as próprias mulheres, em democracia.

                Diana Nacur, advogada mineira, sugere que o tema seja conciliado com a função materna. Aponta a grave dúvida entre a carreira profissional e o papel de mãe. Difícil conciliação, mas não impossível. Os homens precisam entrar na maternidade. A mãe pode não querer mais ser a dona de casa que se anulava profissionalmente. Isso abre dilemas. Se o homem reduzir em 30% sua atenção profissional, poderá ter reduzido em 30% o seu “sucesso” que, em última análise reverteria para a família. Mas aí terá que atuar conjuntamente com a mãe. Por seu turno, a mãe pode obter um sucesso que ultrapasse os 30% a menos do marido. Ou ultrapasse em muito.  O tom aí será a “harmonia”.

                Monica Cristina, brasileira que mora no Japão, país “pesado” contra a mulher, opina que a inteligência é o pesadelo masculino. Não está errada. Mas há que se considerar com isso um modelo de homem mais conservador. Um que não admitia ter uma mulher “também” inteligente, isso na hipótese de ele sê-lo, o que nem sempre é o caso. O tema cai nessa vala residual do machismo: este homem não tolera uma mulher com sabedorias e genialidades. Quem precisa se desenvolver nesse caso não são as moças, mas os rapazes. Acredita-se que entre jovens isso já esteja muito melhor organizado. Meninas “parecem” não admitir mais ter sua inteligência secundarizada.

                Renata Strobilius, fonoaudióloga paulista, bonita, bem casada e mãe, demanda se fale do consumismo desvairado com campanhas publicitárias destinadas às mulheres. Com uma visão ácida, fala da maternidade consumista com bebês que passaram a ser itens na prateleira. Realmente, parece haver uma outra mulher nessa virada de século. Uma preocupada só com corpo, cartão de crédito e diversão. É um modelo cultural meio triste apontado por estudiosos. Felicidade passou a ser a balada de hoje, amanhã está muito distante. Conhecimento virou busca no Google de celular. O caso é que muitas mulheres ainda sonham e o sonho obedece a outro ritmo, encantamento, poesia, romantismo e amor. A publicidade parece ter se esquecido disso. Homens também.

                Rosana Miranda, advogada paulista reclama a mulher madura que após criar os filhos e voltar aos estudos não tem a devida valorização. De novo o foco parece ser o companheiro. Parece ficar sintomático que alguns “defeitos” da mulher são oriundos de defeitos primários de homens. A única saída: diálogo aberto e franco, o que alguns homens temem. Não há outro caminho.

                Liziane Cantini, bela gaúcha, perdoe-se o pleonasmo, morando em Tocantins, lembra que homens e mulheres se completam fisicamente. Realmente é assim, ainda que numa visão “clássica”. A vida se pluralizou e o modelo homem & mulher (para mim o único bom) continua o majoritário. Essa completude é tão espetacular que problemas graves são esquecidos quando um homem está aos braços protetores de sua leoa. E o paradoxo é imenso: o tal sexo frágil se mostra poderosamente protetor de seu menino. Aí a poesia fica querendo fazer barulho.

                Dayse Baqui, cantora no Rio, rasga a fantasia. Exibe-se como bem resolvida garantindo nunca ter chorado por nenhum homem, ao mesmo passo que se diz serviçal e cozinheira eterna de seu companheiro. Teoriza que a fome dele nunca acabará e ela será sua cozinheira até morrer, mas só ela. Um equilíbrio interessante, um manejo difícil, mas uma visão forte.

                Pois bem, inteligência, conhecimento, sabedoria ou corpo malhado? É muito polarizado um questionamento assim. Pode-se imaginar uma mulher bonita e inteligente. Nada exclui nada. O problema começa quando se “negam” certos valores. Quando se “quer” que o único valor seja, por exemplo, a beleza, ou o corpo. Aí, cai-se numa vala de futilidade ou de vulgaridade. Por outro lado, o próprio conceito de “vulgaridade” pode estar sendo revisto numa sociedade consumista.

Se mães põem suas filhas de 5 anos dançando sobre uma garrafa e esse padrão passa a ser o “comum”, é o conceito de “vulgaridade” que está sendo revisto. Os Bbbs, 19, 20 nunca pararam; há audiência, a sociedade insiste nisso.

                Talvez haja “uma” cisão na visão da mulher. Quem está “na balada” vê a mulher (se vê) de uma certa forma e este olhar não é ilegítimo. Quem está fora pode achar isso uma “pouca vergonha”, talvez uma visão meio conservadora. Ambas as “pontas” pudem rever suas análises em alguma medida. Há, inegavelmente, para o padrão comum e usual de vulgaridade uma onda dela solta por aí. O conceito nunca atendeu ao item inteligência, mas ao corpo. Corpo é lindo, belo e maravilhoso. Mas a “conversa” pela inteligência parece ser mais poderosa do que ele.

                A mulher feia, mas inteligente se torna encantadora e poderosa, conquista, vence e “tem”. A bonita e inteligente se torna um espetáculo. A “só nádegas” se torna o quê? Jean Menezes de Aguiar
 
Agradeço a colaboração das amigas citadas.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A pena-problema


 


Artigo publicado também no site Consultor Jurídico, 17.1.13


Algumas sociologias ou movimentos sociais são imperceptíveis, ou tácitos. É como se um grande acordo fosse feito na sociedade e aplicado de forma a passar a ser assim de agora em diante. Observadores atentos percebem, invariavelmente depois de algum período de surpresa. Já a sociedade continua apenas a “sofrer” os efeitos sem desenvolver um olhar crítico explicativo para a mudança.

O direito processual penal como um sistema jurídico concebido para conflitos graves, envolvendo crimes, que a sociedade não quer ver irresolvidos evolui. Sempre evoluiu, nunca involuiu. Afora momentos de guerra ou ditaduras em que se pôde verificar certa involução episódica, o sistema acabou até se beneficiando desses períodos nefastos para exatamente sedimentar saldos evolutivos e progressistas. Isso quer dizer que a sistemática de penas impostas a crimes, observada uma imaginária linha do tempo em grande escala, nunca foi regressional, sempre melhorou e garantiu melhores condições a réus condenados.

Não se aborda, com isso, o sistema “prisional” em si, o penitenciário, ligado ao cumprimento da pena. Este é sabidamente falido e, este sim, sofreu nítida involução com o advento do crime organizado. Ficar um ano preso equivale a uma pós-graduação no crime com todas as letras e eficácias, e isso não tem nada de fantasioso ou metafórico.

Pode-se dizer que operadores do direito estão um tanto quanto atônitos com, a um lado, certa escalada de crimes não fisicamente violentos e ao mesmo tempo descobertos por uma imprensa efetivamente livre, envolvendo na linha de frente as chamadas “autoridades” do Estado e pessoas “famosas”, e por outro lado esses mesmos infratores continuando livres, o que gera um clamor social.

 Ainda se “espera”, pouco mudou, que haja uma simetria entre crime e pena, imaginando-se por pena a cadeia. Mesmo com todos os movimentos sociais liberalizantes e desprisionais – menos encarceramento – ocorridos na evolução do estudo da pena, ainda se propugna ou se reclama pela efetivação dela. Pena será, nessa ótica psicossocial, um padecimento que se quererá ver em relação ao agente criminoso, principalmente quando ele for uma “autoridade” do Estado, à qual terá certa preferência da mídia pela exposição.

O que se aborda por sistema processual penal aqui é a teleologia – modelo de pena – de o que ele reserva para o agente criminoso. Sempre se esperou, popularmente, deste sistema a cadeia, o encarceramento. Para agentes públicos, as “autoridades”, com uma imprensa livre, a demanda, ou mesmo furor pelo encarceramento foi aumentado. Ocorre que com a onda liberalizante, menos encarcerativa havida no sistema processual penal, todos indistintamente se beneficiaram. Isso obedece a uma assimetria: quando mais infamante for o crime, por exemplo, apropriação filmada de dinheiros legislativos em cuecas e calcinhas, ainda que sem violência física, a demanda por punição se mostra mais severa. O caso é que, invariavelmente, essas situações ficaram sem a célebre punição popular esperada, a cadeia; aí sua assimetria. Não adiantou o cenário ser infamante, o que deu o tônus da gravidade foi a presença ou ausência da violência física.

Neste compasso parece que o sistema processual penal descobriu "uma nova modalidade de pena: a pena-problema". O problema é algo que pode ser suave ou gravíssimo. Um câncer terminal é um problema gravíssimo. Se o sistema processual penal tiver o poder de criar um problema grave para o réu sabidamente culpado, por exemplo, pegado em flagrante, ou para o já condenado, haverá, talvez perfeitamente, um novo modelo legítimo de vingança social, punição, padecimento que poderá perfeitamente equivaler à pena de encarceramento: esta pena-problema.

Miguel Reale, quase poético (O direito como experiência: introdução à epistemologia jurídica) ensinava que pena de morte “não é pena” porque o sujeito morre, não fica vivo para sofrer a pena. A pena de encarceramento talvez seja, para efeito de impactação social, concentradamente um “instante” vivido: aquele ao qual o agente é encarcerado. Depois isso se “estabiliza”, as pessoas se acostumam. Todo o seu círculo social fica sabendo e “resolve” a situação. "Fulano está preso, é, que coisa", sentencia a sociedade, e ponto final, a vida continua.

Mas se um problema, grave, de acusação penal é criado pelo sistema processual penal e o sujeito é mantido solto para viver e ter que tanto digerir uma expectativa de solução, quanto explicar em cada esquina o que está passando, ou, se não explicar, ver-se entre olhares acusativos e discriminatórios da sociedade, podendo inclusive perder amigos, parentes, socialidade etc., pode-se estar diante de um problema a ser vivido, experimentado, de grande monta. Esta é a pena-problema. Não se diz que o "tempo de prisão" seja algo "leve". Óbvio que nao. Mas prisões longas já se sabem que não se sustentam, salvo para crimes com violência. Colarinho branco não irá à prisão longa no Brasil. Há que se aceitar esse caldo cultural produzido pelas "autoridades" oficiais em cínica mancomunação com a impunidade. Fora disso há sonho.

Lalau, o seriíssimo juiz do trabalho, talvez seja um exemplo assim. Não precisou ir para a cadeia para ter sua vida arruinada, ganhar um apelido público de ladrão e ter sua até então inatacável honra e bom nome jogados à lama. Lalau foi punido severamente? Será que somente a cadeia fá-lo-ia sofrer? Parece que foi e sofre até hoje, há se admitir responsavelmente. Collor pode ter sido outro exemplo. A desmoralização e inelegibilidade por 8 anos impostas representaram uma pena  gravíssima para aquela figura vaidosa, arrogante e empafiosa que passou a andar com o Dicionário de Política de Norberto Bobbio embaixo do braço para se vender como intelectual e que conseguiu chegar à presidência da República? Parece que não há dúvida. Se, após exauridos esses momentos ele volta como senador não há qualquer resquício de problema. Não há penas perpétuas. Collor padeceu o inferno em vida por tempo certo, perdeu a mulher, estima-se que tenha experimentado o degredo e a zombaria sociais, inclusive na vizinhança de sua casa, cidade, estado e até país, e, passada essa experiência imposta, pôde voltar normalmente.

Parece que advogados que atuam no crime aprenderam uma lição: apresentam o cliente ao Judiciário e sabem que ele ficará preso alguns meses. Isso é combinado e acertado com o cliente. Esses meses são o momento crítico da pena-problema. Há uma “trato” feito. O réu não foge; se curva ao sistema processual penal; mostra que não é arrogante; se coloca num plano inferior ao juiz mesmo que seja lindo e bilionário (isso é o que parece mais contar – autoridades adoram a subserviência, mesmo que safada, mentirosa e cínica); e passados alguns meses é solto para nunca mais voltar ao encarceramento. Estão aí as novas regras do jogo.

A pena-problema para "autoridades" e pessoas públicas não é fácil de ser enfrentada. Pode envolver este encarceramento inicial. Paralelamente há um processo penal público ao qual o Judiciário e a sociedade se sentirão bastante vingados se a imprensa expuser o acusado às entranhas do ridículo. Há a questão de honorários advocatícios que podem funcionar como um agravante financeiro imenso, o que é bom neste diapasão da vingança social: sangrar financeiramente o criminoso. Não é raro acusados desfazerem-se de imóveis, fazendas, para pagar honorários. A perda pode ser imensa. Outro fator cruciante é o tempo. Como a justiça é dolosamente lenta, o sujeito padecerá por longos anos, considere-se, por baixo, uma década, pendurado à pena-problema, o que, reconheça-se não é pouco.

A pena-problema não aparece aí como uma “proposta” cínica de punição meia boca. Ela já existe. Quando Carlinhos Cachoeira se dirige feito boi manso ao cárcere, ele faz a alegria do Judiciário que comemora com uma festinha a portas fechadas na vara criminal que determinou a prisão: nós vencemos, nossa autoridade é mais forte que o dinheiro dele, todos riem e comemoram. Faz também a alegria da sociedade que se sente vingada e com uma visão de que até o Cachoeira, marido da lindona que desperta ódio nas jornalistas (todas), é “prendível”. Faz a festa da imprensa que consegue faturar com audiência e anunciantes. A pena-problema agrada a todos, não esquece de ninguém. Aí, passados 6 meses é claro que haverá alguém a soltar o pobre-coitado com a certeza  implícita de que, jamais ele retornará à prisão. Este é o trato social.

O sujeito continuará a gastar com advogados, a ser “alguma” manchete na imprensa. Mas, por outro lado, viverá melhor porque “afinal” uma “autoridade” superior o soltou. Isso é uma meia absolvição. Esta semana foi a vez do contador de Cachoeira, se curvar, se entregar, se humilhar e se oferecer à imprensa para sua expiação. Já se sabe, é o trato. Seis meses preso e depois, rua. A pena-problema não cessará, continuará a arder para ele, por anos. É o preço.

A pena-problema é uma realidade. Principalmente para um sistema processual penal bastante discriminatório e preconceituoso como o brasileiro que se blinda numa tal Constituição Cidadã, aliado a um sistema penitenciário esquizofrênico e impotente a falanges e organizações criminosas (secretários de assuntos penitenciários perdem o emprego, não podem ter distúrbios em suas pastas, daí cedem se pressionados; essa mecânica já foi desmascarada). Faz sentido pegar alguém que não é um assaltante de banco, um estuprador, um assassino (rotineiro!), um traficante e impor a pena-problema? Acaba fazendo, ela é o que há no sistema. Ela pode ser um tormento gravíssimo a clivar personalidades antes inatingíveis, blindadas pela arrogância, empáfia e poder do dinheiro ou outro qualquer. Aí pode estar um mote educativo penal até interessante. Heterodoxo, mas interessante.

A pena-problema já está em uso no Brasil. Ela aparece, socialmente, não como uma elucubração genial de um pensador jurídico, mas como um tumor oriundo de um sistema paquidermicamente doente e sem cura. Mas consegue se regenerar e se repaginar. É como se usasse uma roupa de carnaval durante todo o ano para mostrar algum sintoma de alegria ou diferença. A pena-problema comportará graus, de leve a gravíssimo, conforme também a gravidade do crime do agente.

Talvez a pena-problema seja uma visão antropológica carcomida de um fenômeno cultural que veio para ficar. Suavemente, sob outros nomes sérios e formalistas como “pena alternativa”, “movimento anti-encarcerativo” etc. Mas ela é o pus de um sistema impagável, recheado de impunidade quando se falam em "autoridades" e pessoas socialmente poderosas. Só que com o advento da imprensa livre, que hipertrofia a pena-problema tornando-a imunda e dolorosa, conseguiu deixar de ser esse pus e talvez tenha se transformar apenas em uma água turva. Não potável, mas uma que serve a diversas coisas, inclusive a apagar incêndios sociais. Jean Menezes de Aguiar.





segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Mensalão, cadeia? Talvez não


 
 
Há que se tentar entender o sistema processual penal atual. As pessoas querem prisão como punição-vingança social. Mas o encarceramento cada vez mais se torna a exceção. Apenas para bandidos perigosos, leiam-se assaltantes, traficantes, assassinos, estupradores e correlatos. Falsários, estelionatários, banqueiros, políticos e autoridades em geral passaram a obedecer a uma sistemática diferente. Quando são pegados e processados por seus crimes têm como "pena" a existência de um “problema”. O sistema penal passa a se conformar em “criar um problema” para o criminoso, em substituição à cadeia efetiva. Este problema é sério, leva anos, custa muito dinheiro e mancha a vida da pessoa, quando ela é pública, pelo menos por um tempo. O problema envolve a má-fama de se ser réu penal; a execração pública que a imprensa invariavelmente promove; os vultosos honorários advocatícios e despesas com o processo; o transtorno familiar enfrentado. Não se deve subest...imar esse “problema”, a menos para quem seja um traficante (e mesmo assim perigoso). É realmente um problema. Cachoeira, por exemplo. Ficou preso uns 6 meses e, estima-se, jamais retornará à prisão, nunca mais. Essas prisões são uma micro satisfação à opinião pública e à imprensa, só isso. Outros jamais chegam à prisão. Este talvez seja um novo desenho do sistema penal brasileiro. O grande problema é que se a cadeia já é rara, este tal “problema” acaba sendo mais raro ainda e, efetivamente, menos doloroso. Este desenho sociológico se parece muito com a verdade fática que se assiste nas últimas décadas. Talvez não se deva esperar prisão no caso do Mensalão. Pode ser, realmente, que ela jamais venha a existir. 2 pesos e 2 medidas? Mas é claro. O sistema é totalmente preconceituoso e discriminatório. Qual o espanto? Jean Menezes de Aguiar.