Publicado no jornal O DIA SP em 20.out.2011*
[Relações amorosas. Igualdade de direitos. Machismo. Evolução social. Príncipe encantado]
Barbara e Débora são professoras em algum lugar do país. Esta semana me perguntaram: por que homens somem? Inicialmente, a pergunta genérica causa dúvida. Somem como? Aí elas explicaram. Imagine, de verdade, um homem bonito que procura uma mulher bonita, ambos inteligentes, tudo fazendo sentido para uma “interação” amorosa saudável. O homem insiste, aparece em lugares inesperados, causa surpresa agradável e aí, num certo momento, some.
Inúmeras causas, graves, sutis, loucas ou secretas podem estar presentes aí. Não há resposta exata. Um ponto a se considerar, inicialmente, é resultante da própria sociedade, com sua “história motorizada”, na expressão de Theodor Adorno. A maior revolução social havida, na década de 1960, a pílula anticoncepcional, representou a 1ª onda de igualdade entre a mulher e o homem. Ali também se desafiava o mundo sob vários modos: firmou-se a invenção da juventude iniciada em 1950 com James Dean; inaugurou-se o cânone do sexo livre; Woodstock; revolução estudantil; os hippies, tudo fez parir uma nova era nas relações em todo o Ocidente. Aquela história densa se viu raptada pela poesia para fins espetacularmente libidinosos.
Cada um desses fatores contribuiu decisivamente para novas visões, novas percepções e até novos sentimentos. Sim, novos sentimentos foram inventados. O amor se tornou plúrimo e complexivo, o mundo ficou grávido de expectativas que vieram sendo vividas aos poucos, como uma criança que cresce. Aí veio a década perdida, 1980 e chegou-se ao mecanicismo da globalização; telefonia celular; e a notícia e a informação passaram a ser vividas em tempo real. Sabe-se que um carro bomba explodiu há 8 minutos no Iraque matando 2 pessoas. Essa hiper noticização da vida já gera alguma náusea social.
Inicia-se uma 2ª onda, estima-se a mulher já “estabilizada” em suas conquistas oriundas da grande revolução sessentista e é “inventado” o consumismo. Este que pode ser traduzido por “pressa”, nada mais que isso, com efeitos devastadores nas relações pessoais, inclusive nos sonhos amorosos (Ronaldo e Cicarelli se casam em lindo castelo; por 90 dias). O amor, o romantismo, a delicadeza, o carinho, a meiguice e o lindo sonhar junto com olhar apaixonado passam a ser brega, cafona ou próprios de um lirismo que exigia tempo. E a moda urbanoide agora não era mais se perder tempo. O tempo-em-si deixa de ser dinheiro, lema velho, passa a ser obsolescência. A moça com 30 anos de idade não é mais titia, já caiu na vida da balada, desesperançada. O horror vence, junto com ele a desilusão. É a crise requentada.
O homem que sempre teve uma cultura machista e vivia a normal estabilidade do consumo apressado, inclusive consumo da mulher, passou a vê-la refém de um desejo igualitário, querendo consumir. Mas uma “cultura” não se sedimenta em meia dúzia de anos ou uma década, é um caldo que precisa engrossar a fogo brando.
Dizer que a mulher passou a viver um porre de liberdade pode ter algum sentido, mas quem fica tonto uma vez costuma aprender que se beber demais ficará tonto de novo. O fato é que com os “novos” direitos da mulher o homem passou, por seu turno, a exercer mais profundamente um viés machista e consumista. A jovem jornalista pergunta a Zygmunt Bauman como ele conseguia ser casado há 7 décadas com a mesma mulher, e ouve do sociólogo que a geração dela sequer saberá o que é esta riqueza.
Numa 3ª onda, o consumo das relações humanas, principalmente no Brasil onde a ética foi posta de lado, simplesmente explodiu. A TV perde o pudor em exibir nádegas e peitos femininos como catalisadores de uma audiência social fálica. As mulheres-objetos passam a ter orgulho em se intitular uma alcatra humana, surgindo mulheres-frutas, mulheres-legumes, mulheres-verduras, mulheres-proteínas e todo tipo de mulher-alimentação possível, desde que possuidoras de visíveis, muito visíveis nádegas; já que o seio é ponível.
Tem-se aí uma verdadeira esquizofrenia social pelo consumo carnal das pessoas, jogando-se no lixo vetores tão essenciais para a felicidade e a segurança nas relações. Flagram-se ministros de Estado em escândalos mensais com garotas e garotos “contratados”; religiosos enrolados com crianças a ponto de o próprio Papa ter que se manifestar. Há um sentido de desespero pelo consumo das relações que traça um desenho baixo e intelectualmente pobre da sociedade. Na arte, dá-se a perda da qualidade poética e romântica com a entrada de uma cênica estética totalmente formalista e, novamente, ligada ao corpo e ao sexo.
Uma das diferenças graves entre homem e mulher é que o homem continuou a consumir, mas a mulher não parou de sonhar. Aqui a disjunção do consumo. Em seu íntimo neoconsumista a mulher ainda se encanta com flores; uma frase delicada num guardanapo de bar; olhos aguados de emoção de quem lhe confessa emocionado com sua beleza que só ele vê assim; e outras coisas. O sonho é feminino e se o homem sonha, aqueles que sonham, certamente é seu lado feminino se mexendo, fazendo “estragos” sentimentais, lindos e próprios de quem sonha.
Ser bobo de amor e dar, de olhos fechados, à mulher o que o próprio coração pede que dê, não é para muitos, só para os fortes. A história vagarosa e perfumada do romantismo mostra isso. Os homens emotivos, apaixonados, entregues, carinhosos e sonhadores ficam cada vez mais raros e quando aparecem, parece que são disputados à tapa. O lado mãe de toda mulher interfere no seu “jeito” de amar. Ela cuida do namorado de 18 anos, tendo apenas 17, sem saber que aquele cuidar é o seu mistério feminino.
Por que homens somem? Há muitas respostas, até aquela velha que homem que some de mulher “sei não...”. Talvez caiba à mulher viver lições e sabedorias, para manejar futuras relações e usar seus mistérios encantadores. Isso pode ser “dar o que o coração quer dar”, mesmo que um homem possa sumir. Se ele sumiu porque é um imbecil, pode ser ganho e não perda. A mesma sabedoria também pode fazê-la não parar de sonhar, eternamente. Ela pode viver o sonho para ela, aí pode estar a felicidade. Vale a vida sonhada, numa delicada e amorosa busca por um homem que um dia sonhe junto com ela. O príncipe encantado existe e só as mulheres sabem dessa verdade, ainda que nas baladas algumas apenas “digam” que não. Mas os seus íntimos sabem que ele existe. Jean Menezes de Aguiar.
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