[Sonho
feminino. Gozo. Amor. Homem-menino. Mulher-sonhadora]
Parece
que a “última moda” em literatura de aeroporto é esse negócio de arte da
guerra. Agora já nem mais última. Há alguns anos algum espertalhão da
auto-ajuda teve a sacada de adaptar o famoso livro de “guerra” a outras “artes”.
Aí pronto. Vieram a arte da guerra na cozinha, na cama, no banheiro, no
casamento, com a empregada doméstica (desculpa, agora é assessora para assuntos
gastronômico-asséptico residenciais) e um monte de outros “usos” tidos como
genial. O problema é que esse negócio de guerra é belicoso, inamistal. Não vale
meia guerra, ou seja, não se entra numa ideologia dessas admitindo-se perdas,
fracassos e relativizações. Se numa guerra o outro lado é um inimigo, nas
relações sociais e profissionais comuns o outro lado é um parceiro, um
conhecido, a namorada, um colaborador, coisas totalmente diferentes. A
popularização de uma cultura da guerra pode ser valiosa no plano instrumental
para embates, ou melhor, guerra, mas o problema é quando não existe o embate e,
pela ideologia da guerra se monta uma que nem existe ou pior, fica-se desejando
uma. Esse modo de ver a vida, pela ode à guerra, talvez tenha se firmado como
uma visão de mundo para boçais verem a própria existência e suas relações com o
outro, coisa que originariamente Sun Tzu nem tenha imaginado.
Num
outro extremo está o decadente (decadente ?) romantismo, a arte do amor. Se o
romantismo já foi uma reação à razão e ao próprio iluminismo, começando ali
pelo século 18, compondo a admissão da “perda” e do “sonho” nas relações, hoje
popularmente é reclamado pelas mulheres como em extinção, no sentido do
embrutecimento dos homens em suas relações amorosas. Se o primata superior que
frequenta barzinhos e outros lugares de pegação vê o outro como um inimigo em
guerra ele quererá derrotá-lo, ainda que na cama, numa consumação sexística
consumerista, finalística, pragmática e proibitivamente não sonhada, não
inspirada sob os efeitos do encantamento, da delicadeza, da emoção e do
sentimento, motes que obrigam à admissão da perda, do fracasso, como o próprio
amor.
No
amor será admitida a dor e a dor faz parte da perda. Mas se a dor é admitida, o
sonho passa a ser uma realidade e a mulher precisa de um homem em duplo sonho com
ela. Por primeiro, um machão do devaneio amoroso gentil, um que a proteja na
infinita viagem de se sentir cuidadora do seu menino, um que lhe mama vorazmente
as tetas e se alimenta do sonho de mamá-la, como se ela lhe desse leite, e dá,
um colostro sonhado que o refazerá para a vida em felicidade; e também se sentir rainha de seu homem, um que
a amassa e a torce na cama, espremendo-a como se torce uma roupa para se tirar
a água da lavagem, aqui para satisfazê-la em gozo litral, até ela explodir em
prazer berrante, louco e necessitador de um verdadeiro homem para conter a
insana-em-gozo incessante. Por segundo, um homem receptivo a devaneios e mimos,
que sonhe junto o sonho de sua sonhadora, sem lhe conter, ao invés disso, dando-lhe
asas e guloseimas na boquinha para mais alto ela ir. Um homem assim não tem
como literatura de cabeceira a arte da guerra nos negócios, nas vendas, na
chefia, no emprego, no salário e com “colaboradores”. Não é este homem “treinado”
em auto-ajuda que uma mulher - toda ela é sonhadora - quer.
A
diferença entre o homem e a mulher é que o sonho faz parte dela. Quando ela
ajeita o homem em seus seios ela o convoca a um sonho. Há os que ali sabem
sonhar e a farão flutuar, e há os grosseiros e mundamos, sem poesia, sem
devaneios fêmeos. Quando a mulher se
deixa ter o homem com o rosto desaparecido entre suas pernas ela também convoca
seu gastrônomo sedento a um sonho, o de homenageá-la antes de bebê-la por
inteira, mas, de novo, haverá os grosseiros que pensam apenas em prazer
momentâneo e clitorial. Toda momentaneidade na cama será não romântica, ainda
que com força e mecanicamente prazerosa. Poderá ser comparada a uma simples masturbação
a dois. Mas o sonho é muito mais que isso e somente o romantismo pode dar o
poderio do gozo atrelado ao sonhar. Também quando a mulher admite ser penetrada
há uma invasão em seu corpo. Já se pensou no conceito de invasão? Não se toma
um território como na guerra, porque a invasão é sempre resistida. No sexo a
mulher se lubrifica inteira para ser invadida, é o sonho do corpo-em-si. Suas
entranhas vagínicas enlouquecem só de se falar no assunto e ela se molha em
lugares formais como, por exemplo, numa recepção diplomática. É o sonho da
mulher independente de seu corpo, mesmo sem ninguém tê-la tocado. Seu canal
louco se agua só pela conjectura de que possa ser invadido. O homem que não
acompanhar esse movimento romântico do corpo feminino em se aguar só pela
palavra, será um mero penetrador, um consumador primário de “sexo”, não um
sonhador, não um romântico. Aí são apenas alguns exemplos do sonho feminino.
O
romantismo é uma visão ligada à poesia, a ideais, mas sobretudo à pessoa em si,
é a pessoalização na visão de mundo. O sonho não é a obtenção, o vencerismo
sobre o outro ou o derrotismo dele. É a aceitação da partição, uma partilha de
ideais e desejos, a aceitação da sociedade como meeira de uma vida humanizada,
vivida como ela é, sem ingredientes artificiais de obtenções e ganhos, mas de
gostosuras com o outro. Com o romantismo se fantasia, se brinca, se torna a ser
criança, se perdem medos do ridículo, do bobo, do errado e do essencialmente
humano, em sua carnalidade do prazer, voracidade da conquista, biologia da
existência e inteligência superior da avaliação. A mulher não precisa de um
homem com manual, vaidades e preocupações de como ser homem. Esses fingem que
são homens, mas perderam a essência do sonhar de menino, se é que algum dia
tiveram. Felizes as mulheres que têm meninos aos seus lados, meninos eternos
pra cuidar e para sonhar, ainda que agarrados em seus seios. Jean Menezes de
Aguiar.