sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A mulher e o romantismo do prazer


 

 

[Sonho feminino. Gozo. Amor. Homem-menino. Mulher-sonhadora]

 
Parece que a “última moda” em literatura de aeroporto é esse negócio de arte da guerra. Agora já nem mais última. Há alguns anos algum espertalhão da auto-ajuda teve a sacada de adaptar o famoso livro de “guerra” a outras “artes”. Aí pronto. Vieram a arte da guerra na cozinha, na cama, no banheiro, no casamento, com a empregada doméstica (desculpa, agora é assessora para assuntos gastronômico-asséptico residenciais) e um monte de outros “usos” tidos como genial. O problema é que esse negócio de guerra é belicoso, inamistal. Não vale meia guerra, ou seja, não se entra numa ideologia dessas admitindo-se perdas, fracassos e relativizações. Se numa guerra o outro lado é um inimigo, nas relações sociais e profissionais comuns o outro lado é um parceiro, um conhecido, a namorada, um colaborador, coisas totalmente diferentes. A popularização de uma cultura da guerra pode ser valiosa no plano instrumental para embates, ou melhor, guerra, mas o problema é quando não existe o embate e, pela ideologia da guerra se monta uma que nem existe ou pior, fica-se desejando uma. Esse modo de ver a vida, pela ode à guerra, talvez tenha se firmado como uma visão de mundo para boçais verem a própria existência e suas relações com o outro, coisa que originariamente Sun Tzu nem tenha imaginado.

Num outro extremo está o decadente (decadente ?) romantismo, a arte do amor. Se o romantismo já foi uma reação à razão e ao próprio iluminismo, começando ali pelo século 18, compondo a admissão da “perda” e do “sonho” nas relações, hoje popularmente é reclamado pelas mulheres como em extinção, no sentido do embrutecimento dos homens em suas relações amorosas. Se o primata superior que frequenta barzinhos e outros lugares de pegação vê o outro como um inimigo em guerra ele quererá derrotá-lo, ainda que na cama, numa consumação sexística consumerista, finalística, pragmática e proibitivamente não sonhada, não inspirada sob os efeitos do encantamento, da delicadeza, da emoção e do sentimento, motes que obrigam à admissão da perda, do fracasso, como o próprio amor.

No amor será admitida a dor e a dor faz parte da perda. Mas se a dor é admitida, o sonho passa a ser uma realidade e a mulher precisa de um homem em duplo sonho com ela. Por primeiro, um machão do devaneio amoroso gentil, um que a proteja na infinita viagem de se sentir cuidadora do seu menino, um que lhe mama vorazmente as tetas e se alimenta do sonho de mamá-la, como se ela lhe desse leite, e dá, um colostro sonhado que o refazerá para a vida em felicidade;  e também se sentir rainha de seu homem, um que a amassa e a torce na cama, espremendo-a como se torce uma roupa para se tirar a água da lavagem, aqui para satisfazê-la em gozo litral, até ela explodir em prazer berrante, louco e necessitador de um verdadeiro homem para conter a insana-em-gozo incessante. Por segundo, um homem receptivo a devaneios e mimos, que sonhe junto o sonho de sua sonhadora, sem lhe conter, ao invés disso, dando-lhe asas e guloseimas na boquinha para mais alto ela ir. Um homem assim não tem como literatura de cabeceira a arte da guerra nos negócios, nas vendas, na chefia, no emprego, no salário e com “colaboradores”. Não é este homem “treinado” em auto-ajuda que uma mulher - toda ela é sonhadora - quer.

A diferença entre o homem e a mulher é que o sonho faz parte dela. Quando ela ajeita o homem em seus seios ela o convoca a um sonho. Há os que ali sabem sonhar e a farão flutuar, e há os grosseiros e mundamos, sem poesia, sem devaneios fêmeos. Quando  a mulher se deixa ter o homem com o rosto desaparecido entre suas pernas ela também convoca seu gastrônomo sedento a um sonho, o de homenageá-la antes de bebê-la por inteira, mas, de novo, haverá os grosseiros que pensam apenas em prazer momentâneo e clitorial. Toda momentaneidade na cama será não romântica, ainda que com força e mecanicamente prazerosa. Poderá ser comparada a uma simples masturbação a dois. Mas o sonho é muito mais que isso e somente o romantismo pode dar o poderio do gozo atrelado ao sonhar. Também quando a mulher admite ser penetrada há uma invasão em seu corpo. Já se pensou no conceito de invasão? Não se toma um território como na guerra, porque a invasão é sempre resistida. No sexo a mulher se lubrifica inteira para ser invadida, é o sonho do corpo-em-si. Suas entranhas vagínicas enlouquecem só de se falar no assunto e ela se molha em lugares formais como, por exemplo, numa recepção diplomática. É o sonho da mulher independente de seu corpo, mesmo sem ninguém tê-la tocado. Seu canal louco se agua só pela conjectura de que possa ser invadido. O homem que não acompanhar esse movimento romântico do corpo feminino em se aguar só pela palavra, será um mero penetrador, um consumador primário de “sexo”, não um sonhador, não um romântico. Aí são apenas alguns exemplos do sonho feminino.

O romantismo é uma visão ligada à poesia, a ideais, mas sobretudo à pessoa em si, é a pessoalização na visão de mundo. O sonho não é a obtenção, o vencerismo sobre o outro ou o derrotismo dele. É a aceitação da partição, uma partilha de ideais e desejos, a aceitação da sociedade como meeira de uma vida humanizada, vivida como ela é, sem ingredientes artificiais de obtenções e ganhos, mas de gostosuras com o outro. Com o romantismo se fantasia, se brinca, se torna a ser criança, se perdem medos do ridículo, do bobo, do errado e do essencialmente humano, em sua carnalidade do prazer, voracidade da conquista, biologia da existência e inteligência superior da avaliação. A mulher não precisa de um homem com manual, vaidades e preocupações de como ser homem. Esses fingem que são homens, mas perderam a essência do sonhar de menino, se é que algum dia tiveram. Felizes as mulheres que têm meninos aos seus lados, meninos eternos pra cuidar e para sonhar, ainda que agarrados em seus seios. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Joaquim Barbosa, o sensível


 
 Matéria publicada nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO) em 23.8.12

                A figura pública e agora televisiva de Joaquim Barbosa, juiz do Supremo, acabou sendo responsável por cenas de gosto discutível, esta semana, no julgamento do Mensalão. Destilou um comportamento melindroso ao se dizer ofendido por advogados. Como qualquer humano com suas idiossincrasias, deu mostras de representar bem a espécie no quesito.

                Primeiramente se incomodou, ou implicou com causídicos que supostamente o teriam “ofendido”. Como se não bastasse, tentou arrastar o Supremo para dentro da “ofensa”. Os colegas rechaçaram a tentativa de plano, rápido. Não aceitaram o convite da socialização do imbroglio. Um Barbosa querendo-se agredido, vilipendiado, desrespeitado e irritadiço foi pouco para fazer valer sua convicção de que tenha havido a tal ofensa à mais alta corte do país, como ele insistia. Começou manejando uma discutida sublimeza ou elegância samaritana, ao afirmar: “Eu por pudor não quis transcrever a integralidade das ofensas.” Ao que se ouviu imediatamente de outro ministro: “Pois deveria!”. Barbosa poderia dormir sem essa.

                No mundo jurídico, ofensa “pode” ser objeto de crime, tipificado no Código Penal. Não o seria ali, como queria o ministro, em relação à figura do advogado, já que ofensa de advogado na discussão da causa não constitui crime. É isso mesmo. Está na lei: Código Penal, art. 142, inciso I. Certamente foi por conhecer muito bem essa passagem legal e não se assustar tanto assim com falas advocatícias que o equilibrado presidente do Supremo negou a Barbosa prontamente ter havido tecnicamente “ofensa”.

                Ainda, ofensa é um conceito que se é levada a público ou a juízo, para se reivindicar algum efeito punitivo ou, ali no caso, o “espírito de corpo” dos outros juízes, não se coaduna com essa coisa de “pudor”. Ou se fala o que é ou, como se diz vulgarmente se entuba. Barbosa se expos de forma cruel, para com ele próprio. Optou por um movimento tático totalmente suicida em livros de Negociação: tentar convencer o outro não pela lógica, mas pela emoção ou “altruísmo”, com essa manobra de prometer poupar a todos.

                Como não teve coro, partiu, ele próprio, para uma subofensa rarefeita, sem precisar nada e autorizando a qualquer intérprete a supor o que bem quisesse. Disparou a frase aberta: “Cada país tem uma justiça que merece. Justiça que se deixa agredir, se deixa ameaçar, por uma guilda ou membros de uma determinada guilda, já se sabe qual é o fim que lhe é reservado.” Aqui Barbosa perdeu a mão e, de novo, tomou um fora. Foi contestado francamente por um Marco Aurélio quase que em prazer: “Eu não me sinto ameaçado nem alcançado.” Daí, Barbosa enveredou pela grosseria: “Claro, provavelmente vossa excelência faça parte.” Que coisa feia (e descontrolada). Cabem análises nessa insistência belicosa de Barbosa, sob vários sentimentos usados aí.

                O primeiro, um razoavelmente patético sentimento descrito por Lou Marinoff na obra Mais Platão, menos prozac, a fls. 176. Diz o PhD em filosofia: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema. Não se usa aqui, apenas, a derrota de um isolado Barbosa frente à unanimidade dos outros juízes em não ver qualquer ofensa dos advogados. Mas até um sentimentalismo de Barbosa em se oferecer, publicamente, como ofendido. A ofensa é uma perceptibilidade que “só” se pode publicizar se houver uma prova objetiva muito nítida. Se não, ocorre justamente o que ocorreu: vê-se uma pessoa “se dizendo” ofendida. Isso não é sinal de força, mas de “problema”, na teoria precisa de Marinoff.

                A segunda coisa é a agressão à justiça do país, sugerindo-a, publicamente, chinfrim ou, no mínimo discutível, e sabendo-se tratar de um juiz do Supremo. Dizer que cada país tem a justiça que merece, tanto bate na sociedade, como na justiça. Parece que a “experiência” de Barbosa com esses dois setores - Sociedade e Judiciário - não é lá das melhores. Mas isso é um paradoxo, afinal ele é um magistrado. Essa fala saída de um ministro do STF autoriza leituras heterodoxas ou transgressivas. Para transgressores, anarquistas e incendiários, Barbosa pode ter sido poético, mas por seu próprio tom autoritário na luta que travou, parece não ter sido esta a intenção do ministro.

                A terceira e quarta coisas são a ameaça velada à desestabilização do país e uma tentativa de insulto à classe dos advogados, na frase “justiça que se deixa agredir, se deixa ameaçar, por uma guilda ou membros de uma determinada guilda, já se sabe qual é o fim que lhe é reservado”. Que “fim” será esse? Ditadura? Caos? Desgoverno? E a justiça, leia-se Supremo, “se deixa” agredir e ameaçar? Por fim a classe de advogados é mesmo uma “guilda”? Um termo até gostoso de se ouvir (vai virar moda), mas parece que Barbosa não sabe bem o que é o termo: uma associação com interesses comuns, nalguns países da Europa, a partir da Idade Média. Nem o Brasil é na Europa; nem se vive mais na Idade Média; nem a OAB é uma “associação”. Vai entender.

                Por fim, para não deixar nada barato, Barbosa rematou olímpico e provocador: “Eu lamento muito que nós como brasileiros tenhamos que carregar ainda certas taras antropológicas como essa do bacharelismo. A corte suprema do país, diante de uma agressão clara contra um dos seus membros, entende que isto não tem nenhuma significação.” Talvez fosse melhor que Barbosa falasse apenas por ele em termos de “taras”, pode haver quem se “ofenda” com essas valas da personalidade. Será que sua excelência não teria querido dizer “praga do bacharelismo”, expressão do grande Sergio Buarque de Holanda em Raízes? Tara é algo tão ... “sexual”. Mas tudo bem. Se quis tara, que seja tara. Somos tarados.

                No fundo de tudo parece ficar patente uma única baba a escorrer na boca da discussão: o autoritarismo. Isso é que é uma pena. Egos inflamados costumam dar nisso. Mesmo que tivesse havido a pior ofensa dos advogados a um juiz: a acusação de parcialidade. Parece ter faltado a Barbosa um mínimo de ginga para driblar a situação, como fizeram, por exemplo Marco Aurélio e mesmo o presidente do STF, e sair rindo do episódio. Levar para o lado formalista, austero e repita-se autoritário não foi um bom movimento tático. Logo Barbosa, precisamente ele, que é uma das esperanças de alguma mudança numa justiça, sim, carcomida e ultrajantemente cara para a sociedade.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Toda regra tem exceção? Pare de ser chato!

A regra


Atualizado em nov. 2012

Como este texto é muito visitado e originariamente foi feito sem grandes preocupações, achei legal dar "um" tapa* nele para melhorá-lo.  A "regra" do título nada tem que ver com a menstruação da mulher, aquele mar poético de vida e amor que mensalmente vem (e é esperado, veja que lindo) para lembrar ao parceiro que ela é uma mulher e que naqueles dias tudo fica mais "fácil", lubrificado...

Vez em quando escrevo alguma coisa no meu Facebox e sou "lembrado", didaticamente, que "toda regra tem exceção". Essa advertência quando disparada visa a desqualificar a força de um argumento seu e tem muito poder panfletário, afinal, carimbar alguém de "radical" para muitos é algo muito "feio", rs... (vivo procurando os radicais nessa sociedade híbrida e comportada). Mas o fato de se ser "advertido" com esse chavão [primário] de que "toda regra tem exceção", nalguns círculos faz de você um imediato idiota. Não é das sensações mais prazerosas. Também, como ensino metodologia, essa advertência fica ainda pior. É como se eu estivesse estuprando regras e normas que tanto amo, dinamitando diques teóricos que somente um nazista fá-lo-ia. Pois é. Aí resolvi escrever este textinho.
 
A "regra e a exceção", o "principal e o acessório" e o "concreto e o abstrato". Essa tríade epistemológica de cunho instrumental norteia metodólogos e cientistas, jamais devendo gerar confusão pelo risco da contaminação direcionadamente do instrumental ao objeto. Interessante é que em algumas construções, desejosa ou faticamente não clássicas, pode-se sim, lidar com um conteúdo paralelo, transgredido no método; marginal no sentido de sujo e vil do objeto e, por consequência, resultando em outro objeto, um objeto alterado, "compensado". Esse conteúdo ou objeto obedeceria, no caso, à exemplariedade (compensação), toda vez que caiba na estrutura do objeto um contorno histórico ou sociológico “heterodoxo”, ou um resultado distorcido que obedeça a alguma distorção relativa a uma ambiência influenciando o objeto.

Se um gestor público é sabidamente safado com dinheiro público talvez eu não precise ter tanto cuidado com a leitura teórica que farei dele. Nada que ver com o princípio constitucional da ampla defesa, base instrumental primeira da Advocacia, e que o grande Marcio Thomas Bastos escreveu na edição 117 da Revista do Advogado, p. 150 (out.2012), com uma maestria inigualável.

Mas o fato é que quando se opta por trabalhar com este conteúdo metodológico distorcido ou exagerado, distorce-se a pretensa "perfeição" metodológica, visando a uma desejosa quebra para se inserir na pesquisa um núcleo compesatório desviante ou exemplar, não mais ôntico, mas essencialmente deôntico. Assim, quando se "generaliza" sob essa ótica, e alguns se espantam, berrando do porão que “toda regra tem exceção”, como se fosse uma descoberta einsteiniana, nem se está radicalizando. O fato é que o método desviado quer-se efetivamente assim, compensador a uma realidade também desviada. O que não haverá aí será desvio culposo no método, mas intencional mesmo, cuja operatividade, então, será muito mais difícil de se manejar.

Esta metodologia desviante (compensatória) é-se-nos possível a partir da consciência de sua existência como marginal e dos cuidados subjacentes que ela requer. Assim, aos corregedores de plantão que berram que toda regra tem exceção, posso dizer que esse é o passo um de uma metodologia "popular" e bonitinha, ou melhor, normal e ordinária. Mas a metódica admite coisas que beiram a deuses, como Carl Sagan, que disse que na ciência o que importa não é a descoberta, mas o método. E a própria "inspiração" é sabidamente utilizada como início de método (Einstein). Toda regra tem exceção? É tem. Mas às vezes queremos quebrar essa regra e criar outra. Talvez aqui chegássemos perto de o que Bergson, citado por Bachelard em sua tese de doutorado (Ensaio sobre o conhecimento aproximado) diz sobre o conceito de "ordem", que é um conceito que não tem um antagônico, porque a desordem tambem é uma ordem. Aqui, a quebra de regra, sabida, pode ser também uma regra, considerando-se alguns pressupostos óbvios de manejo. Pois é. Metodologia é um tesão. Não podemos viver sem ela. Beijo em todos. Jean Menezes de Aguiar.


*Tapa é feminino, por isso as aspas em um.

Erros de português no texto serão muito bem-vindos.