Relacionar-se com uma pessoa ou um grupo de pessoas que pertencem à mesma classe cultural, econômica, social etc., é fácil. Já se conhecem os costumes, os gostos e os ritmos. Até as brincadeiras e piadas são previsíveis. O mesmo se diz de lugares comuns, conhecidos. Estar num ambiente ou num cenário que é velho conhecido também é fácil.
O problema começa quando se está entre estranhos com hábitos e discursos totalmente diferentes e em lugares desconhecidos. Tudo requer certos cuidados óbvios. Se há diferenças nítidas de classe social e cultural a situação requer mais cuidado ainda, e falhas podem representar desastres.
O que está em jogo é nada mais nada menos que uma só coisa: educação. O problema é que esse item saiu de moda. Crianças, por exemplo, crescem achando que podem tudo e têm se tornado adultos bem desajustados nos itens educação, gentileza e convívio. Egocentrismos, manhas adultas, adoração por fofocas e problemas éticos passaram a compor o menu de muita gente adulta que não tem em o que pensar intelectualmente, além do bom e velho dinheiro.
O se dar bem ou mal com um grupo permite análises interessantes e pode representar a diferença entre sucesso social e inabilidade pessoal para o convívio fora de um determinado clã. E aí vem a certeza: existem “pessoas de clã”, aquelas que só se dão bem com alguns, previamente escolhidos. Não têm traquejo social, conhecimento e habilidade para se dar com qualquer um, um “de fora”, ou numa situação nova.
Quando a relação é de consumo, que para muitos vale o bordão autoritário e velhaco “estou pagando”, algumas coisas podem até ficar mais fáceis. Mas nas relações sociais, nas quais a gentileza – este superproduto da educação – deve imperar, muita coisa fica complicada. Por exemplo, qual é a criança, atualmente, que é educada para ser gentil? Este item desapareceu. O reflexo nos adultos será direto; na forma de dirigir o automóvel, buzinando; na família; com os amigos; no trabalho. O menino mimado, uma vez contrariado, berra em gasguito feito mariquinhas; o adulto tem matado as namoradas.
Imagine-se um convidado de uma família para uma viagem de passeio à Argentina, tendo que conviver 10 dias com pessoas velhas conhecidas entre si, mas completamente diferentes para ele. O convidado deve contar com a família “esperando” certas cerimônias dele. Afinal ele não é do clã. Se a família é aberta, o receberá muito bem, até como um homenageado, mas se é fechada, cobrará seu preço com hierarquias exigidas. E ele que saiba dançar conforme a música.
Também, deve estar computado pelo convidado que poderá haver membros da família que pensem: eu posso mais porque sou da família, o convidado não pode tanto. Esta regra, paradoxalmente, poderá não vir propriamente de dentro da família, de um filho, por exemplo, mas de algum “agregado” que se sinta de alguma forma ameaçado, um cunhado (aproveito para dizer que o João, da Fabs, é adorável).
Os sistemas de “ameaça” na família parecem existir inversamente proporcionais à distância que se está do centro do poder. O filho não tem como se sentir ameaçado por nada, seu parentesco em primeiro grau é absoluto. Já um genro, um cunhado, os famosos agregados, quando são problemáticos são até mais ciumentos dos valores da família a que agregaram do que qualquer outro.
Como o filho não vive ameaça alguma, não tem do que ter ciúme. Sua mãe não tem como “gostar mais” de outra pessoa do que do próprio filho. Esse colo é, como se diz no Direito, triplamente blindado: inalienável, incomunicável e impenhorável. Mas pode haver ciumentos aí. E ninguém deve ser desprezado.
Livros técnicos de Negociação ensinam a importância não dos diretores e vice-presidentes das empresas, figuras óbvias, mas de uma “simples” secretária, uma em especial, a secretária do presidente. Ela tem acesso a ele em situações que outros talvez não tenham. Aí está um exemplo de cuidado que tanto vale na família como no mundo corporativo. Às vezes uma doce empregada doméstica, no seio familiar, pode fazer a diferença.
Imagine, numa família, uma diretora de gastronomia & panelas, chamada Divina, num clã por fiéis 20 anos. O convidado cair em desgraça com uma poderosa destas, além de correr o risco de comer uma comida apimentada para sempre, poderá ser “cozido” lentamente com observações negativas como faria a secretária do presidente junto a ele, em relação a um desafeto seu. Assim, todo carinho é pouco para com as Divinas.
Todas essas relações humanas que podem ser cuidadosamente observadas para não gerar atritos, e requerem delicadeza e carinho, podem e devem ser transpostas para o mundo corporativo. Por outro lado, Rubem Alves, filósofo e professor emérito da Unicamp, ensina que o melhor lugar para se ensinar química a uma criança é na cozinha. O grande pensador brasileiro não está errado ao filosofar assim. Encontram-se valiosas lições onde menos se espera e com quem menos se espera.
Há inúmeros aprendizados a se obter no seio familiar, com a observação. As relações humanas contêm vieses, esquisitices, juízos de valor, diferenças, expectativas e surpresas. As pessoas, todas elas, nutrem seus preconceitos, seus defeitos que não querem mexer ou corrigir, e cada uma tem suas razões para explicar ou continuar como são.
Estudiosos que “conversam” muito com livros de sábios e pensadores do mundo vivem se maravilhando com novas visões, e vivem incorporando novas conclusões. Deveriam ser “melhores” por tanto estudo e informação, mas têm, como todo mundo, suas razões defeituosas e cismas. Sábio será o que souber olhar para quem lhe odeia e ver que ele deve ter alguma razão para isso. Talvez diferente, talvez outra, talvez esquisita. Mas uma razão. E as razões sempre justificaram tudo, até as guerras. Daí, o mundo não precisa de razões, precisa de gentilezas, isso que está tão fora de moda. Jean Menezes de Aguiar.