quarta-feira, 4 de julho de 2012

O que se quer para o filho?



Artigo publicado no Jornal O DIA SP em 4.7.12
                Parece que é moda pais quererem viver uma agonia sobre o futuro dos filhos. Como se ser criança, por si só, gerasse risco pelo ato de viver. Daí, aliado a um consumismo doentio, inventaram a hiperoferta à criança. Alguém disse que criança afofada não pode passar 10 segundos apertada para ir ao banheiro, porque todas as filas têm que ser violadas e criadas todas as preferências do planeta para ela. Necessidade de criança passou a ser um misto de histeria-social-zona-sul com modismo-descolado no sentido de que é bacana “respeitar” os “pequenos”. É a ditadura da criança mimada.

                O físico e biólogo alemão Jürgen Neffe, autor de Einstein uma biografia, 507 páginas, ensina: “Se há uma lição que os pais de hoje podem extrair da carreira do jovem Einstein é, principalmente, sua ampla relação com obras juvenis sobre a grande aventura das ciências. A admiração está dentro de cada criança, só depende de ser despertada cedo e com os meios corretos.” O grande Rubem Alves, no Brasil diz exatamente a mesma coisa. Daí, há se perguntar o que os pais querem para seus filhos, principalmente numa sociedade como a brasileira em que a ciência parece inexistir para muitas famílias.

                Numa análise aleatória, cinco “escolhas” podem nortear diferentes pais da atualidade. Dinheiro, machismo, esperteza, obediência e intelectualidade. É claro que não tão isoladamente assim. 1) A busca pelo dinheiro como centro da educação infantil parece continuar a se antagonizar vorazmente com o conhecimento, uma lástima. 2) O temor de certos pais com a homossexualidade impele-os a tratar filhos homens como comedores profissionais mirins desde o berço, num machismo rinocerôntico  boçal. 3) O medo que o filho seja bobo, gera uma educação da malandragem, ou seja, falta de ética, um desastre para toda a vida. 4) O autoritarismo do dogma insere a obediência burra, um cabresto pensante próprio do fundamentalismo religioso, um cerceamento até da inteligência.

                Por fim, o quinto item, a intelectualidade. Os pais que procuram a intelectualidade para o filho, como sugerido por Neffe talvez consigam “criar” um espírito verdadeiramente “bom” em termos de juízo de valor. É claro que há aí toda uma escolha, até legítima, de o que os pais querem para seus filhos. Pais têm o direito de querer que seus filhos sejam ricos e gananciosos; machistas e grosseiros; malandros e antiéticos; cordeiros e tapados. Cada um sabe de si.

                Pais podem querer também que seus filhos sejam geniais, cultos, lógicos, inteligentes, éticos, amorosos com o mundo, criativos e sensíveis. E adianta-se logo que não se liga tudo de bom à intelectualidade e tudo de mau aos outros valores. Mas há de se convir que a opção por um filho ganancioso, ou um machão, ou um que passa os outros para trás, ou um idiota, ou tudo isso junto, não é uma escolha das mais “ricas”.

                Os valores mudaram. Quando a universidade era uma ilha de excelência, na qual só os bons conseguiam entrar, e mais ainda, só os melhores conseguiam sair, o “ser” era mais importante que o “ter”. Não era qualquer um que conseguia “ser”. Mas quando a universidade, dentre outras coisas, abriu mão de alunos e optou por clientes, e, efetivamente, qualquer um entra e cola grau, o “ser” perdeu muita importância. Pelo menos “esse” “ser” que passou a ser vendido a prestação com garantia da lei de defesa do consumidor de conclusão de curso. Aí, ainda apareceu o mundo corporativo, o sonho perdeu o romantismo e ganhou valor monetário. Essa discussão é velha de guerra na filosofia.

                Dos cinco “modelos” de educação acima, parece não haver dúvidas que a intelectualidade ou algo similar - conhecimento, estudo, preparo, capacidade científica etc. - é, paradoxalmente, o único que menos se vê em termos de Brasil, mas o que mais se mostra como um valor positivo verdadeiro. O dinheiro faz sucesso, haja vista as semanais filas em estúpidas loterias, com margem de 1 em 300 milhões para se ganhar, um verdadeiro estelionato estatal.

                O machismo é uma cisma brasileira. Maridos e namorados continuam matando suas mulheres, ainda que o escore comece tristemente a se inverter. A esperteza, lei de Gerson, no infeliz anúncio de TV que manchou o nome do grande ídolo do futebol ainda é a base para muitos pais que acham que se o filho for ludibriado deve ludibriar igual.

                Soube de um pai estudioso e pobre que aconselhou a filha já no 1º semestre de biologia, em uma faculdade comum, a criar um currículo poderoso. Em poucos meses ela fez mais de dez cursos no Instituto Butantã e na USP. Apenas em razão do currículo e da própria inteligência ela conseguiu entrar para o poderoso Laboratório de Toxicologia Aplicada do Butantã como estagiária, ainda no 1º semestre. Não recordo o nome do pai, mas a mocinha se chama Georgia. Isso mostra o valor do conhecimento científico para o sucesso de um jovem.

                A educação fincada na busca pelo saber livre, questionado, lógico e apoiado em confrontos, perguntas, pesquisas e dúvidas infinitas é o que há de melhor. O saber que os verdadeiros estudiosos, cientistas e filósofos produzem, com a beleza de seus erros e a humildade de não aceitar “verdades absolutas”, retrata o que pode ser conceituado como “conhecimento”. O saudoso cientista Carl Sagan tem um texto intitulado Não há perguntas imbecis. Ensina que a criança livre pergunta tudo e aí está o germe maravilhoso da ciência. Rubem Alves mostra que a criança porá o adulto em xeque se perguntar como a mesma água quente amolece a cenoura e endurece o ovo. A criança é livre, pode sofrer castrações dos adultos, o que é uma pena.

                A opção do conhecimento livre de dogmas para a criança é único caminho sadio que poderá dar um futuro eticamente grandioso para este serzinho. Se os pais “preocupados” com o futuro dos filhos estimulassem, ao lado da ética e do amor, “tão-somente e apenas” o conhecimento científico e nada mais que ele, poderiam ter a certeza que estariam no caminho certo. Já o manejo de outros valores, tão corriqueiros no Brasil garante um futuro previsivelmente danoso para a formação de qualquer um. Mesmo para um Riquinho, da antiga revista em quadrinhos. Jean Menezes de Aguiar