quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Legislativos da Roça II

Saudade... Gonçalves, MG


Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO) - 11.out.2012

                Na década de 1990 publiquei um artigo em Petrópolis, RJ, que hoje é carinhosamente requentado. Por primeiro, “roça” é o sonho de consumo de muitos urbanos. O texto originário era aberto com Millôr Fernandes: "Não gosto da direita porque ela é de direita, e não gosto da esquerda porque ela é de direita." Anos se passam e a matéria se mantém; pouco melhorou. A “classificação” dos vereadores em muitos casos; sua subserviência ao Executivo; a ainda grande inércia da sociedade. O poder público já tentou dar às eleições o ar de “festa”. Depois tentou dar o ar de “culpa” social, atrelando consequências da má escolha ao eleitor. Publicidades discutíveis.

                Continua a ser triste a existência de vereadores, por esse Brasil afora que não sabem para que serve o Legislativo. O raciocínio, a lógica, a razão e a racionalidade se veem bastante comprometidos. Berrará o antropólogo: é o retrato do Brasil! Tudo bem, mas é uma desgraça, exatamente para um povo que padece tanto. Isso não quer sugerir uma “tecnocracia”, à qual somente diplomados pudessem ser eleitos. Nada que ver com diploma.

                O problema é que um sem número de vereadores continua a achar que o Legislativo é um Poder que deve existir para intermediar obras do prefeito. Falando em Legislativos municipais, principalmente os que não estão em cidades grandes, qual deles fiscaliza, de verdade, o Município? Quem controla o prefeito? Quem cumpre as obrigações mínimas da Constituição da República, art. 31? Daí vem perguntas: qual é o prefeito, nesse contexto, que respeita o Legislativo? Muitos legislativos só sabem dizer sim e publicar monótonas páginas em jornais locais reproduzindo discursos grávidos de vedetismos e referências enaltecedoras. Fecha-se um círculo vicioso terrível para o cidadão, porque seus representantes-fiscais pouco representam, muito menos fiscalizam.

                Há fenômenos interessantes aí. Clientelismo, paroquialismo e até coronelismo. Alguns se superafetando em outros. Na década de 1990, falava-se em neo-chaguismo, em referência a Chagas Freitas, governador carioca. Fincam-se relações praticamente comerciais de toma-lá-dá-cá. Se antes os rótulos teóricos como esses ainda envergonhavam ou até ofendiam, porque classificavam, hoje não causam mais. A desfaçatez é imune à palavra e mesmo ao xingamento. Os panos caíram, as quadrilhas se organizaram e aprenderam a não fazer marola. O Mensalão é fato isolado e pseudo-emblemático.

Com o continuado baixo nível de candidatos por todo o país, há um olhar vesgo para o próprio umbigo nas pretensões de quem quer “chegar lá”. Qualquer 10 minutos de fama num Bbb já garante a loucura de se candidatar. Fora isso, há os “profissionais”. Vereadores mancomunados com prefeitos, loteiam as cidades para funcionar como despachantes de obras. É a consumação duma política menor, uma que acha graça em outorgar diplomas e comendas de mentirinha.

                Inauguram quadras de esporte nas comunidades, sempre pedindo apoio da mídia. Haverá o vereador-ponte, o vereador-quadra-de-esporte, o vereador-asfalto-de-rua, o vereador-licença-de-igreja, o vereador-vaga-em-escola-pública, o vereador-botijão-de-gás, o vereador-leito-hospitalar, o vereador-baba-ovo-de-prefeito, o vereador-boy-de-presidente-da-câmara ou o vereador-vota-em-tudo-que-o-prefeito-mandar. E ainda há quem diga que isso é “normal” ou é “fazer política”. Há também quem diga que se o vereador consegue a vaga no hospital ele fez uma “boa ação”. O problema é que esse leito hospitalar custará um valor altíssimo. E será devidamente cobrado.

                Ninguém engana a todos o tempo todo. A informação acessível vem mudando bastante a cara, ou o cinismo, da política brasileira. Há muita gente lúcida na sociedade. Em todo lugar, inclusive nas invejáveis roças humildes, mesmo as que não gostam de ser chamadas assim. Há cidadãos inteligentes, observadores e instruídos. E os espertalhões da política começam a ter mais dificuldade.

                Um tônus que parece faltar é “oposição”, conceito ligado, historicamente, à esquerda. Por outro lado, no caso brasileiro, a diva canhota, o PT, conseguiu desagradar até a um inocente Joaquim Barbosa do Supremo, convicto eleitor, agora convicto frustrado. San Tiago Dantas teorizou que as esquerdas dividiam-se em "negativas" e "positivas", foi um reboliço. Brizola, contestando-o, foi mais preciso: dividiu-as em "fisiológicas" ou "idealistas", outra encrenca. De toda sorte “até” nas clássicas oposições que deveriam ser “puristas”, sempre se visualizou o lado negativo ou fisiológico.

                Um belíssimo exemplar vivo da direita brasileira essa semana foi finalmente condenado a devolver 21 milhões, o já quase pop Maluf. Os próceres da esquerda na mesma semana foram condenados pelo Supremo. Não sobra lado nenhum. Darcy Ribeiro na obra, Confissões, p. 298, instigava: "Sou de esquerda e acho que ela é a salvação do mundo. Fora da esquerda só há a indiferença, que é imbecil demais, ou a direita, que é sagaz demais... Existe uma intelectualidade vadia pregando que a direita é burra. Não é não." Darcy era um poeta.

                Se em exemplos maiores e de 1º escalão de todos os partidos brasileiros veem-se problemas sérios, imaginem-se os legislativos miúdos espalhados por esse Brasil que precisa de um leito hospitalar ou de uma vaga na escola pública. É a pandemia da roubalheira. Muita da responsabilidade de o Brasil não ser um país espetacularmente melhor não está em presidentes ou senadores, mas em vereadores. Por outro lado, o refogado disso é revirado na frigideira da sociedade.

                Pausa. Apenas alguns candidatos deste 2012: Andréa Van Escolar; Serginho Escapamento; Sem Camisa; Burrinho da Oficina; Cagado;  Claudete – o poder tem que menstruar;  Ninguém;  Pé de Cana; Para mudar é chana com chana – Simone Bandeira; Zezinho Merda; Cornelson Chega de Traição; Xota Oi Meu Bem.

                O termo “roça” é sublime demais para a esperteza política. Quantos Mensalinhos não há nos milhares de Municípios do Brasil. Já disseram que a política é a arte do possível. Por aqui ainda é a arte da safadeza possível.

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