sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Grosseria danosa

Mesmo uma tesuda e suntuosa pode cometer uma grosseria

Semana passada escrevi sobre a “gentileza proativa”. Agora é preciso pensar no seu antagônico, a grosseria. Com o fim dos valores oriundos da educação (compostura, caráter, brio, honra, autoridade, romantismo, delicadeza, e, sobretudo ética), mas também dos valores originais (genialidade, sabedoria, dom, capacidade, inventividade), a grosseria vem triunfando na sociedade boçal, sem sintonia fina e sem amor. É uma realidade ou nova cultura que meramente se precisa lidar. Daí, pensar a grosseria se mostra algo muito interessante, mas uma percepção não muito acessível aos truculentos mentais.

Foram estabelecidos aqui 5 tipos de grosseria. A Grosseria estúpida; a Grosseria profissional ou mundo corporativo; a Grosseria na desatenção; a Grosseria pela comparação preconceituosa; e a Grosseria pelo desamor ao outro qualquer.


Grosseria estúpida

A mais vulgar e primária de todas, é a do homem culturalmente rude, financeiramente rico ou pobre, pouco importa. Este agente se descontrola e baba, ou rosna, sua grosseria em geral sobre os mais fracos. Filosoficamente mundana esse tipo de grosseria, sequer merece grandes atenções. Liga-se facilmente à ingratidão, à covardia, à prepotência, ao machismo e às manifestações culturalmente baixas e preconceituosas.

Grosseria mundo corporativo

A educação profissional que se vê atualmente em muitas empresas, muitos atendentes, vendedores, correspondentes e agentes de negócio em geral equivale a uma gentileza fake, interessada no lucro, não na pessoa; na estrutura empresarial, não na relação subjetiva; na finalidade corporativa, não na felicidade; na meta, não na amizade; e na manutenção do emprego sobrevivencial; não na qualificação. O atendente da lanchonete não é mais gentil, não vive o prazer de querer trocar gentilezas e delicadezas. É obrigado a um tratamento plástico e impessoal pelo patrão, num neomecanicismo relacional. O carinho desejoso nas relações profissionais, a vontade de criar amizades parece estar confinada às cidades do interior, onde o formalismo, sempre burro, ainda não é corporativo, mas essencialmente amistal e familiar. Nos grandes centros, livros de autoajuda vendidos nos aeroportos (a literatura “Como...”), escritos por autores americanos que vomitam seus rebentos teórico-pragmáticos nos países necessitados de imitação ao primeiro mundo, compõem a literatura utilitarística do “pensador” corporativo. Quem pertence acrítica e ideologicamente a essa engrenagem da ilusão gentil desse mundo corporativo essencialmente desonesto não consegue ler criticamente que há um looping no tratamento impessoal, todos fingem ser gentis e todos acreditam. Essa crença antropofágica e epistemologicamente autóctone desse mundo corporativo é interessantíssima. Ele tem o poder de criá-la e efetivamente cria. Críticos e observadores alheios a essa mesmice corporativa verão nacos de grosseria aí quando todos são indistintamente tratados igualmente, numa desigualmente infame, teoricamente violenta, própria do simplismo, do superficialismo e do formalismo. A grosseria mundo corporativo não berra e não ofende comissivamente, mas tergiversa num hermetismo impermeável ao amor, bem como ao respeito da não desonestidade. Aí sua forma de agressão.


Grosseria na desatenção

Essa grosseria é ligada à egolatria, ao egocentrismo, inclusive o sexual. Não se há atenção ao outro, só a si mesmo. O do outro não interessa, só o de si. A desatenção é uma forma de grosseria magoante quando percebida, em que alguém dá algo para ser analisado ou manejado, mas o grosseiro por vaidade atropela e tratora o que recebeu para analisar, e começa a falar de si e dos seus casos, considerando-os muito maior do que o solicitado. Aqui entra também a grosseria contra a mulher, inclusive a grosseria fina do eu-gozo-e-você-que-se-dane, ou masturbe-se. A desatenção não é agressiva, é silenciosa, mas a displicência comissiva ou a não consideração preconceituosa contra alguém ou alguma coisa é uma forma de grosseria.


Grosseria pela comparação preconceituosa

Famílias antropologicamente matriarcais poderão desenvolver preconceitos contra meninos; as patriarcais, contra meninas. Sociedades discriminatórias e preconceituosas também nutrirão rancores contra quem se lhes for alvo de discriminação, sejam homossexuais, índios, negros, mulheres, pobres, deficientes etc. No caso das famílias o caso fica mais grave pelo paradoxo de que aquela ambiência deveria ser recheada de amor e igualdade, nunca de preconceito. Mas a discriminação, em alguns casos, consegue excluir os próprios filhos. É o caso de Tita no filme Como água para chocolate, separada pela mãe para cuidar da própria mãe até o final de sua vida, sem poder casar. É claro que a visão é roteirizada, mas formas sensivelmente sutis de sobreatenções familiares, inclusive com partilhas privilegiadas de bens são vistas todos os dias.

Grosseria pelo desamor ao outro qualquer

A não atenção pessoal para com os necessitados sociais é uma forma de grosseria. Dizer que o necessitado é pobre ou mendigo “porque é um vagabundo”, ou dizer que o viciado de rua é assim “porque é um criminoso”, são formas positivistas e truculentas nitidamente erradas que não sustentam numa sociedade juntiva e fraterna. Uma das causas é um defeito teórico na leitura da cultura existente na sociedade à qual se vive, com um olhar vesgo e obtuso para o mundo, e essencialmente grosseiro. A coarctação do discurso para com a parcela miserável da sociedade é uma grosseria, sendo que o discurso pode se dar de várias formas assistenciais ou de ajuda pessoal. A desatenção será uma forma de desamor, que é tipicamente um modo de se ser grosseiro.


                        A grosseria sempre causa dano, mesmo que um discurso de pedido de desculpa seja explicitamente manejado. Ela grava na personalidade do agente vitimado muito mais que o pedido de desculpa feito pelo ofensor, e isso quando esse pedido de desculpa vem, existe. Por isso o pedido de desculpa precisa ser algumas vezes maior e mais significativo que o ato grosserial. Se a gentileza é graciosa, leve, construtiva e disparadora do amor imediato, um amor das relações comuns, a grosseria é todo o seu inverso, baba o descontrole mental, a falta de dialética, de inteligência, de sabedoria e calma nas relações humanas. O grosseiro envergonha os seus e a si próprio, às vezes envergonha até os outros, e às vezes é tão boçal que envergonha até o ofendido, quando este tem o equilíbrio de perceber que sofreu uma grosseria de um equivalente a um ogro mental.

                        A grosseria não se sustenta em nenhuma situação. Uma resposta genial, maravilhosa, inteligente e criativa tem muito mais efeito “vingativo” ou de elegância reativa do que a grosseria em si. Mas essas sedes maravilhosas são próprias dos geniais e o grosseiro raramente consegue ser genial em alguma coisa. O silêncio pode ser grosseiro, como a fala normal também pode. O grito pode ser carinhoso, quando reconhecedor e diplomador de um valor do outro, em alegria e comemoração, e o sussurro pode ser violentador, quando despudorado e infame. Não há regra própria para a grosseria, a não ser a da volição do agente em agredir, rebaixar, ofender, expor o outro e se mostrar superior.

Se alguém se identifica em alguma das grosserias teorizadas aqui, deveria pensar em “melhorar” e se corrigir. Sim, mudar, mudar o jeito de ser. Se não se identificou, continue seu caminho de gentileza e carinho, doação de amor e atenção ao outro. Mesmo que em um ou em outro episódio você possa ser mal interpretado e confundido com um grosseiro – pessoas burras e más observadores vivem confundindo os outros – o seu carinho vencerá e lhe mostrará, ao final, como um ser gentil e verdadeiramente honesto. Mesmo que suas palavras possam ser “violentas”, com o uso de adjetivos e palavrões fortes. A grosseria pode estar não nos palavrões, mas na não verdade dos fundamentos, falsos, calhordas, mentirosos e viesados. A primeira forma de gentileza é a verdade e autenticidade dos seus fundamentos e da sua ideologia. Fora daí poderá estar a grosseria, mesmo que autêntica e verdadeira. Nem esta se sustenta, pois ninguém merece ficar extático, pasmado ou desconcertado com a grosseria e a estupidez de ninguém. Jean Menezes de Aguiar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário