Considerações sobre a mediocridade
Há dois tipos de fracos: o passivo e o comissivo. O medíocre é o fraco comissivo e arrogante, ele aguenta o enfrentamento por um tempo, consegue sustentar algum embate. Já um exemplo típico de fraco passivo é o escapista, este prefere perder tudo a enfrentar qualquer coisa. Isto é secular. Rudolf Von Ihering na obra A luta pelo direito, compara o inglês ao austríaco, mostrando que o inglês gasta 10 moedas para recuperar uma, já o austríaco perde direitos e não reage, é um evitador de problemas. Mas o mesmo Ihering cita Kant “se você quiser se equiparar a um verme não reclame de ser pisoteado pelos outros”. Assim, o enfrentamento tem seu lado ruim, todos sabemos, mas a covardia e o temor burro e escapista parecem ser 10 vezes pior. O medíocre é fraco e quebradiço, isso não há dúvida, mas ostenta uma blindagem de verniz, e todo verniz estala, que aparenta alguma força, engana incautos que não sabem observar com acuidade. Ouve-se por aí que os medíocres são unidos, que andam em bando. Numa repartição pública, por exemplo, as fofoqueiras são unidas, os invejosos também. Mas quando se fala que os medíocres andam em grupo, muitas vezes não se teoriza porque há esse ajuntamento humano coincidente sobre um modo de ver o mundo e a si próprio. Nietzsche, A gaia ciência, 23, referindo-se ao corrupto, fala da “malignidade e o prazer de ser maldoso”. Essas pessoas com esse prazer são insuportáveis e asquerosas. É totalmente diferente da brincadeira ainda que "maldosa", mas franca como brincadeira, sem querer implicar. Intelectuais, por exemplo, costumam aguentar essas brincadeiras sem se “magoar”, e dão o troco, e todos riem muito. Mas o prazer de ser maldoso, espezinhando o outro é próprio dos baixos e medíocres. Parece que a união dos medíocres é a consequência da negatividade que eles projetam gerando incômodo ou mesmo inaceitação no seio social que, por sua vez, não projeta a mesma negatividade ou o mesmo incômodo. Aí eles são excluídos, ou ativamente pela sociedade – um núcleo de boas pessoas que os rechaça –, ou se sentem tão loucamente superiores a tudo e a todos que eles próprios resolvem se excluir, porque não conseguem eco de maldade ou negatividade que realimente a mediocridade. E a mediocridade necessita, para sobreviver, ser reoxigenada por visões negativas, implicantes e invejosas, de uma maneira geral. Mas então um conceito formal passa a ser necessário, podendo-se entender por mediocridade a forma de buscar analisar sempre pelo lado negativo, implicante, piorado ou de crítica baixa um objeto qualquer de atenção, seja material ou humano, mesclando inveja, interesse, autoprojeção, esforço para obtenção de vantagem e rebaixamento do outro, porque somente com o rebaixamento do outro o medíocre acredita que consegue subir ou aparecer. E isso tudo pode ser de forma "suave", preste atenção! O medíocre precisa chamar atenção de forma artificial, porque ele subestima a atenção que qualquer um provoca naturalmente no outro, mesmo que com coisas corretas e inteligentes. Esta atenção normal para ele é pouca, sua mediocridade o lançará aos abismos de inventar atenção, mentir e criar condições efervescentes para uma então superatenção. Parecem estar aí todos os elementos constitutivos do conceito da mediocridade.
Jean-Paul Sartre em seu ensaio sobre ontologia fenomenológica, O ser e o nada, analisa a mentira e a má fé, abrindo o 2º capítulo estudando a negatividade, no sentido de que o ser humano não somente revela negatividade no mundo, mas também toma atitudes negativas com relação a si. Daí, pode-se concluir que toda mediocridade envolve esse misto de negatividades sartreana: uma banda da mediocridade é projeta no mundo, é para-o-mundo ou para-o-outro, gerando mal ou incômodo no outro; mas indubitavelmente a outra banda é para consumo interno do próprio medíocre que, perceptivelmente ou não, será geradora de mal a ele. Sartre, não propriamente detendo-se no medíocre, teoriza o homem do Não, chegando a falar em certos homens que terão o Não por toda a vida, por toda existência na terra. O filósofo alemão Max Scheler falará em “homem de ressentimentos”, a que Sartre dirá ser o Não. Aí também aparece nosso medíocre em toda sua pujança. O medíocre é um ressentido, um carcomido, mas antes um ressentido por si próprio. Quem mais vitima o medíocre é ele próprio. Há nele um Si normal e um Si com patologia, isto é nítido. Este segundo Si guerreia sempre e direto com todo o seu Ser-em-si, para utilizar a linguagem de Sartre, sem que o primeiro Si, normal, consiga vencer. Alguns medíocres conseguem identificar claramente em si e nos outros esse Si patológico, mas veem-se vencidos por ele. Não conseguem reagir. Heidegger chama a mentira de mit-sein (ser-com), no medíocre há um mit-sein em relação a esse Si detestável, pois que o medíocre vive com esse Si patológico. E o pior, às vezes o agente quer expulsá-lo, conscientemente, mas não consegue, parece que a mediocridade tem raízes biológicas. Não encontrei na literatura biológica pesquisada uma relação explicativa direta, mas faço um parêntese para entrar nessa área de estudo.
Parece não haver dúvida que o século 21 conhecerá novíssimas tecnologias e modos de se viver a vida no plano biológico. O livro do diretor do Projeto de Ciência da Vida na universidade de Harvard, Juan Enriquez, intitulado O futuro e você, mostra dados inacreditavelmente revolucionários de como a genética mudará o mundo e a vida no século 21. No que diz respeito ao “comportamento”, área até pouco tempo blindada em malandra reserva de mercado por profissionais da área “psi” a coisa também ficou seriamente afetada pela biologia. Não é errado dizer que a psicologia se comparada com a biologia, simplesmente parou no tempo, numa circularidade epistêmica não evolucionada, e tentando inclusive se reoxigenar pelos ares de “intelectualidade” da prima-última-moda, a [falsa ciência] psicanálise. Com isso, análises de comportamento mais biológicas ficaram proscritas a partir do pós-Guerra e a ditadura Freud durou décadas. Mas aí houve algumas reações, uma da neurociência/biologia e outra da filosofia clínica. A neurociência conforme ensinada no grande livro de Roberto Lent, Cem bilhões de neurônios – conceitos fundamentais de neurociência, p. 4, admite uma divisão quíntupla: neurociência molecular, celular, sistêmica, comportamental e cognitiva. Aqui a que nos interessa no estudo da mediocridade é a neurociência comportamental. Só há um porém, os estudos da neurociência “abandonam” os padrões “psi” de análise para se dedicar às estruturas neurais. Ou seja, o comportamento estudado de forma biológica, sem essa baboseira de “observadores clínicos” fazendo cara de sabichões em consultas de 50 minutos “desvendando” os mistérios da mente pelo discurso do “analisado” ou “terapeutizado”. Isso tanto é assim que o consciente e sério professor-adjunto de clínica psiquiátrica de Harvard, John J. Ratey, na obra O cérebro, p. 14, ensina que desde que Freud inventou a técnica de psicanálise, a psique humana tem sido considerada uma estrutura tão hieroglífica dos sonhos que os analistas a envolviam em mistério, sendo eles mesmos “vistos como sacerdotes de uma seita secreta. Nos dias de hoje, é claro, a ciência está começando a substituir numerosos aspectos do modelo freudiano por explicações biológicas.” Não para aí esse cientista, afirma ainda: “Se antes estávamos empenhados em descobrir, através das nebulosidades oníricas, as causas ocultas de um trauma, hoje buscamos o gene, a peça defeituosa de tecido cerebral ou o desequilíbrio neurotransmissor que supomos estar por trás do nosso infortúnio.” Bingo! Uhuuu! Como eu amo a ciência. Já era tempo de ela retomar para si essa discussão “psi”, invariavelmente mentirosa e balelística de “descobrir” traumas e pérolas do subconsciente em “consultas”. Por fim, há se registrar que o biólogo Ernst Mayr, na obra Biologia ciência única, p. 54, registra que a raiz de nossa agressividade vem do Chimpanzé, quando mostra que determinados seres humanos “têm uma tendência inata para comportamento fortemente agressivo similar”. Tanto a biologia como a neurociência não pararam no tempo e produziram novidades que estudiosos estão maravilhados. Mas será a mediocridade um pontinho neural a ser identificado? Os cientistas Jorge Martins de Oliveira e Júlio Rocha do Amaral, na ótima obra Princípios de neurociência, p. 208, apresentam 5 tipos de respostas (motora, emocional, glandular, neurovegetativa e introspectiva) para a formação de um pensamento inteligente e emocional. A análise que faço aqui do medíocre, por mera observação de comportamento visível, é o que em neurociência se chama de “evocação” (estímulo evocador), um processo de resposta. A “nódoa” medíocre é tão visível no ser medíocre e objetivamente tão observável que eu arriscaria a dizer que a mediocridade é, sim, um pontinho neural a ser identificado por neurocientistas. Mas isso é conversa pra outro texto de facebox. Quis apenas registrar que não achei uma justificação biológica para a mediocridade, mas estou convencido que ela possa existir, apenas por percepção e alguns estudos na área.
Há uma ligação muito interessante entre a mediocridade, a honestidade e a mentira. Como o medíocre precisa vencer seus embate, porque “perder” é um dos piores experimentos para ele, ele não hesitará em lançar mão de ardis teóricos, compostos de forma inclusive mentirosa para sair vencedor de um embate ou discussão. Muitos medíocres são bastante operosos e diligentes, mantendo fórmulas prefabricadas para uso a qualquer instante em se veem ameaçados. Temos medíocres na família, no trabalho, em todos lugares. Podemos inclusive casar com medíocres sem perceber. Podemos ter um irmão medíocre ou um pai. O que sobressai é que “ser medíocre” é como se fosse uma doença incurável ou, se se quiser, de cura dificílima. Talvez pela criteriologia do antagonismo e da comparação fique mais fácil visualizar ou imaginar o medíocre. O antagônico do medíocre é a pessoa que premida numa situação de saia justa, não quererá transferir imediatamente a culpa para outrem, buscará analisar; terá a grandiosidade de assumir um erro, mesmo que aquilo possa expô-la; não terá a ânsia de furar uma fila de carros para entrar no estacionamento de um shopping ou uma fila a pé num banco; não usará ardis baixos e indecorosos como pôr o próprio filho para guardar espaço numa fila paralela de supermercado e se ele conseguir chegar 90 segundos na frente da fila em que está a mãe, então ela “passa” para aquela fila; o medíocre é o esperto danosamente qualificado. Nem todo mentiroso é medíocre, mas todo medíocre é mentiroso, não como uma constante, mas episodicamente sim. E a mentira ajunta-se aí à fraqueza. Como o medíocre é fraco, ele usará o atalho da mentira para obter respostas mais ágeis e melhores. É claro que uma vez pilhado terá outras inúmeras razões para ter mentido e sustentará olimpicamente o valor da mentira.
Há também uma ligação muito interessante entre o medíocre e o invejoso. Aí há uma fungibilidade conceitual, perfeitamente bidirecionada. Todo um é outro e todo outro é um. A simbisiose é perfeita. E, particularmente, vejo a inveja meramente como a pedestalização do outro. O invejoso queria ser o outro, como sabe que não é, destila ódio projetado. É uma forma qualificada de mediocridade e talvez a mais fácil de ser encontrada. O invejoso se cura? Certamente não. É neural? Bem, a neurociência e a biologia poderão surpreender com descobertas desconcertantes e maravilhosas. Mas pela unicidade de comportamento da inveja, igual à mediocridade, pode ser perceptível que haja, sim, um aspecto biológico a ser diagnosticado.
O convívio com o medíocre é doloroso, principalmente para quem observa e teoriza suas reações. Ao final de um tempo, invariavelmente, vem o cansaço e certamente a toalha é jogada. Particularmente já convivi com medíocres que me “incomodavam” e eu não sabia o que era. Só muito tempo depois parei para juntar peças e concluí haver naquela pessoa a nódoa comportamental da mediocridade. Aí tudo se clareia e o rótulo cai como uma luva. A mediocridade é triste porque talvez seja incorrigível. O medíocre consciente desse defeito é um sofredor porque suas evocações, suas respostas nascem com o defeito da mediocridade e nalguns casos ele consegue perceber. Talvez uma série de análises filosóficas com percebedores e teóricos da mediocridade possa ajudar o medíocre a controlar suas reações, fazê-lo comparar com outras reações inteligentes, lógicas e geniais, invariavelmente não geradoras de problema. A insistência para-"medicamentosa", se é que se pode falar assim, com esses vieses, da inteligência, da lógica e da genialidade, somada a uma metodologia da comparação, pode dar um resultado excelente para um "divã" de filosofia clínica. Mas vou repetir: filosofia, favor não confundir. Para conhecer um pouco mais da filosofia clínica, o livro de Lou Marinoff, Mais Platão, menos prozac é básico, e ele de quebra ainda expõe muito da mentira do mundo "psi". Beijos e nada de visões medíocres, negativantes e implicantes. Jean Menezes de Aguiar.
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