Artigo
publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, sem 10. jan. 13
Boa
parte da comunidade jurídica foi surpreendida com a notícia do “fim do
mensalão”, enquanto processo judicial. Como um presente de Natal, Joaquim
Barbosa (STF) saiu com esta. A grande imprensa comemorou como uma incontida
vitória. Alguns jornalistas chegaram a aplaudir, acredite se quiser. Mas operadores
do Direito sabem que esse “fim” anunciado não tem a natureza jurídica de
conclusão do procedimento judicial. A notícia mais parece uma informação falsa,
o que é sinistro. Se cabem recursos, o “fim” anunciado é bem discutível. Nada,
para o que interessa à sociedade, teve fim.
Por
outro lado, se anunciar este “fim” faz parte do quantum “político” da
presidência do Supremo, o papel foi cumprido. Porém, a manifestação é um ato
administrativo produzido por juiz relativamente a um caso concreto, em curso. Atrai,
a declaração, natureza jurídica de ato estatal, e discutível. Algo mambembe.
Poderia gerar, por exemplo, um dos advogados dos réus querer levar essa
“manifestação” do relator para os autos. Inquirir a clarificação, sob pena de
suspeição, de sua natureza jurídica, um “fim” anunciado “pelo” relator de forma
“falsa”.
O buraco é mais embaixo. Zé
Genoino, mesmo condenado, mas observe-se, sem trânsito em julgado, tomou posse
regularmente na Câmara como deputado federal, com todos os benefícios e
blindagens que o cargo dá. A revista Veja, por exemplo, em raivinhas, difundiu
que Genoíno estava agindo com “desfaçatez” ao tomar posse. “Esqueceu” a
revista, da Constituição da República, art. 5º, incisos 36 e 57, que impõe nenhum
réu poder ser considerado “culpado” antes do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, como parte da imprensa fatalista quer.
Mesmo nos famosos círculos
concêntricos do Direito e da Moral a tal da “desfaçatez”, aí somente moral, perde potência. O que não se discute no processo
penal do Mensalão, o objeto de matéria jornalística, são questiúnculas morais e
busca por um comportamento santo como exige, impoluta, esta imprensa
persecutória.
Por outro lado, a nova moda
que parte do Judiciário encontrou para dialogar com a sociedade, no caso do
Mensalão, por declarações que “deixa escapar” para a imprensa, em vez de falar
pelos sites oficiais, pode dar problema. Basta um mero “sim” de Joaquim
Barbosa, andando pelos corredores, a uma pergunta de jornalista, para no dia
seguinte ter-se uma manchete vendendo crise entre Poderes. Ou se aprende que
imprensa é assim ou se aceita a crise.
Mas o imbróglio está
público e quase se tornou pop. O wikipediamente anunciado torneiro mecânico e metalúrgico
Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados, garantiu “asilo” a deputados
condenados. Que declaração linda, dantesca, bravática e pueril. Mas com efeitos
populares. Pronto, Marcos Maia entrou no Mensalão. Em sua cidade natal virou
herói.
É claro que há afetação
jurídica sobre o mandato parlamentar oriunda da condenação criminal trânsita.
Faltou assessoria jurídica a Marcos Maia para não ler literalmente a
Constituição. Mesmo invocando-se o lado estritamente político da fala, cujo
condão seria o de emparedar Joaquim Barbosa a não decretar a prisão natalina
que se supunha pudesse ser decretada. Se o viés eficacial foi esse, funcionou.
Um risco não exclusivamente
teórico ronda o processo. O possível empecilho processual ao trânsito em
julgado manejável [legitimamente] pela defesa. Como a decisão não foi unânime
desafia, em tese, o recurso de embargos infringentes. A rejeição desta
modalidade recursal desafiaria outro recurso: o agravo. Por sua vez, o agravo
comporta decisão singular do relator que, se negativa, ainda, desafia pedido
para julgamento em mesa, pelo colegiado, essa a regra. Isso tudo só para se
admitir os embargos infringentes. Mas antes disso tudo, cabe outro recurso, embargos
de declaração que, por sua vez, tem eficácia suspensiva do prazo para
interposição de qualquer novo recurso (leia-se os embargos infringentes que vêm
depois). Se os embargos declaratórios forem opostos em cascata, por vários ou
todos os réus, com sucessivas suspensões para admissibilidade dos embargos
infringentes, o procedimento poderia se arrastar por muito, muito tempo.
Neste caso, imagina-se que
a grande imprensa agirá como nos famosos julgamentos de júri, por exemplo:
satanizando advogados. Criará aquela visão grotesca e maniqueísta geradora de audiência
entre o bem (promotor) e o mal (advogado). O fato que é o sistema pode permitir
essas parcas modalidades recursais. É a regra do jogo.
Há mais. Os embargos de declaração não têm o poder
de provocar nova decisão, o que juridicamente se chama de efeito infringente. A
não ser em casos raríssimos de nulidade evidente. Isso pode equivaler, em algum
grau, à situação de que os réus teriam sido condenados sem um devido processo
legal que contemplasse oportunidade recursal plena. Não adiantam os juízes do
Supremo dizerem que a última instância “não precisa” de recurso. Isto é
medonho. Se o princípio do duplo grau de jurisdição é implícito na
Constituição, não é inexistente, ele existe, e não teria sido cumprido no
Mensalão.
Mais, o direito de recorrer é direito fundamental consagrado na Convenção
Americana obre Direitos Humanos, art. 8o, h; promulgada no
Brasil pelo Decreto 678/92. A questão é: teria havido violação à Convenção
neste procedimento do Mensalão então sem recurso? As análises são incômodas e
podem abrir reclamação junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos à qual
não vale invocação de boa e velha “soberania nacional” para assuntos de
violação a direitos humanos.
Em
termos de defesa, a imprensa que se mostra tão “horrorizada” com a oposição de
recursos processuais por parte de advogados, pode se preparar. Dificilmente
todas as instâncias possíveis e imaginárias não seriam esgotadas num caso como
o do Mensalão. Basta se estar na cadeira de réu para se pensar e pedir todas as
hipóteses recursais possíveis. Isso é da natureza humana.
Pode
ter havido uma má “escolha” dos ministros do Supremo em iniciar o procedimento
do mensalão já com a totalidade dos juízes sem deixar recurso pleno possível no
procedimento. Dizer que isso não é escolha, mas imposição legal pode ser um
formalismo. Se quisessem “interpretariam” possibilitando recurso. Agora talvez vivam, os
ministros, o grande fantasma de serem os “responsáveis” por uma reclamação à
Corte Interamericana que poderá condenar o Brasil, inclusive a novo julgamento.
Fim do Mensalão é? Parece que não tão cedo. Jean Menezes de
Aguiar