quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Mensalão, capítulos finais?

Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, sem 10. jan. 13


                Boa parte da comunidade jurídica foi surpreendida com a notícia do “fim do mensalão”, enquanto processo judicial. Como um presente de Natal, Joaquim Barbosa (STF) saiu com esta. A grande imprensa comemorou como uma incontida vitória. Alguns jornalistas chegaram a aplaudir, acredite se quiser. Mas operadores do Direito sabem que esse “fim” anunciado não tem a natureza jurídica de conclusão do procedimento judicial. A notícia mais parece uma informação falsa, o que é sinistro. Se cabem recursos, o “fim” anunciado é bem discutível. Nada, para o que interessa à sociedade, teve fim.

                Por outro lado, se anunciar este “fim” faz parte do quantum “político” da presidência do Supremo, o papel foi cumprido. Porém, a manifestação é um ato administrativo produzido por juiz relativamente a um caso concreto, em curso. Atrai, a declaração, natureza jurídica de ato estatal, e discutível. Algo mambembe. Poderia gerar, por exemplo, um dos advogados dos réus querer levar essa “manifestação” do relator para os autos. Inquirir a clarificação, sob pena de suspeição, de sua natureza jurídica, um “fim” anunciado “pelo” relator de forma “falsa”.

O buraco é mais embaixo. Zé Genoino, mesmo condenado, mas observe-se, sem trânsito em julgado, tomou posse regularmente na Câmara como deputado federal, com todos os benefícios e blindagens que o cargo dá. A revista Veja, por exemplo, em raivinhas, difundiu que Genoíno estava agindo com “desfaçatez” ao tomar posse. “Esqueceu” a revista, da Constituição da República, art. 5º, incisos 36 e 57, que impõe nenhum réu poder ser considerado “culpado” antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como parte da imprensa fatalista quer.

Mesmo nos famosos círculos concêntricos do Direito e da Moral a tal da “desfaçatez”, aí somente moral,  perde potência. O que não se discute no processo penal do Mensalão, o objeto de matéria jornalística, são questiúnculas morais e busca por um comportamento santo como exige, impoluta, esta imprensa persecutória.

Por outro lado, a nova moda que parte do Judiciário encontrou para dialogar com a sociedade, no caso do Mensalão, por declarações que “deixa escapar” para a imprensa, em vez de falar pelos sites oficiais, pode dar problema. Basta um mero “sim” de Joaquim Barbosa, andando pelos corredores, a uma pergunta de jornalista, para no dia seguinte ter-se uma manchete vendendo crise entre Poderes. Ou se aprende que imprensa é assim ou se aceita a crise.  

Mas o imbróglio está público e quase se tornou pop. O wikipediamente anunciado torneiro mecânico e metalúrgico Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados, garantiu “asilo” a deputados condenados. Que declaração linda, dantesca, bravática e pueril. Mas com efeitos populares. Pronto, Marcos Maia entrou no Mensalão. Em sua cidade natal virou herói.

É claro que há afetação jurídica sobre o mandato parlamentar oriunda da condenação criminal trânsita. Faltou assessoria jurídica a Marcos Maia para não ler literalmente a Constituição. Mesmo invocando-se o lado estritamente político da fala, cujo condão seria o de emparedar Joaquim Barbosa a não decretar a prisão natalina que se supunha pudesse ser decretada. Se o viés eficacial foi esse, funcionou.

Um risco não exclusivamente teórico ronda o processo. O possível empecilho processual ao trânsito em julgado manejável [legitimamente] pela defesa. Como a decisão não foi unânime desafia, em tese, o recurso de embargos infringentes. A rejeição desta modalidade recursal desafiaria outro recurso: o agravo. Por sua vez, o agravo comporta decisão singular do relator que, se negativa, ainda, desafia pedido para julgamento em mesa, pelo colegiado, essa a regra. Isso tudo só para se admitir os embargos infringentes. Mas antes disso tudo, cabe outro recurso, embargos de declaração que, por sua vez, tem eficácia suspensiva do prazo para interposição de qualquer novo recurso (leia-se os embargos infringentes que vêm depois). Se os embargos declaratórios forem opostos em cascata, por vários ou todos os réus, com sucessivas suspensões para admissibilidade dos embargos infringentes, o procedimento poderia se arrastar por muito, muito tempo.

Neste caso, imagina-se que a grande imprensa agirá como nos famosos julgamentos de júri, por exemplo: satanizando advogados. Criará aquela visão grotesca e maniqueísta geradora de audiência entre o bem (promotor) e o mal (advogado). O fato que é o sistema pode permitir essas parcas modalidades recursais. É a regra do jogo.

Há mais. Os embargos de declaração não têm o poder de provocar nova decisão, o que juridicamente se chama de efeito infringente. A não ser em casos raríssimos de nulidade evidente. Isso pode equivaler, em algum grau, à situação de que os réus teriam sido condenados sem um devido processo legal que contemplasse oportunidade recursal plena. Não adiantam os juízes do Supremo dizerem que a última instância “não precisa” de recurso. Isto é medonho. Se o princípio do duplo grau de jurisdição é implícito na Constituição, não é inexistente, ele existe, e não teria sido cumprido no Mensalão.

Mais, o direito de recorrer é direito fundamental consagrado na Convenção Americana obre Direitos Humanos, art. 8o, h; promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92. A questão é: teria havido violação à Convenção neste procedimento do Mensalão então sem recurso? As análises são incômodas e podem abrir reclamação junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos à qual não vale invocação de boa e velha “soberania nacional” para assuntos de violação a direitos humanos.

Em termos de defesa, a imprensa que se mostra tão “horrorizada” com a oposição de recursos processuais por parte de advogados, pode se preparar. Dificilmente todas as instâncias possíveis e imaginárias não seriam esgotadas num caso como o do Mensalão. Basta se estar na cadeira de réu para se pensar e pedir todas as hipóteses recursais possíveis. Isso é da natureza humana.

Pode ter havido uma má “escolha” dos ministros do Supremo em iniciar o procedimento do mensalão já com a totalidade dos juízes sem deixar recurso pleno possível no procedimento. Dizer que isso não é escolha, mas imposição legal pode ser um formalismo. Se quisessem “interpretariam” possibilitando recurso. Agora talvez vivam, os ministros, o grande fantasma de serem os “responsáveis” por uma reclamação à Corte Interamericana que poderá condenar o Brasil, inclusive a novo julgamento. Fim do Mensalão é? Parece que não tão cedo. Jean Menezes de Aguiar