sábado, 13 de outubro de 2012

Gentileza, superproduto da inteligência


Todo olhar de encanto é um olhar gentil
 
                O que é gentileza? Pode ser entendida a gentileza como a elegância no comportamento de querer bem ao outro, no sentido de proporcionar-lhe algo de bom. Não é meramente abrir a porta do carro para a mulher entrar; não é qualquer comportamento ligado tão-somente à etiqueta, a uma conduta afetada ou muito menos a qualquer padrão de futilidade ou fraqueza. Gentileza pode ser, também, um poderoso traço de personalidade negocial, como se vê em Linda Kaplan Thaler e Robim Koval, no livro O poder da gentileza, com ótimos resultados perante pessoas inteligentes.

                Gentileza é um típico padrão de inteligência*, havendo a gentileza oriunda da humildade e outra oriunda da inteligência pura e construída – ambas são totalmente válidas.

                Haverá a gentileza oriunda da humildade nos comportamentos em que a pessoa simples, pode-se imaginar até o capiau, por exemplo, por se sentir honrado em receber alguém para ele “importante” em sua casa se desdobre em atitudes positivas de educação. Assim, por exemplo, cede o melhor lugar da casa para o convidado se sentar e demonstra na efusividade do olhar de felicidade a alegria e honra de ter aquela pessoa ali. Percebe-se que todos os atos gentis oriundos da humildade poderiam ser considerados “simplórios” para um analista acostumado a relações urbanas complexas, mas representam uma essência verdadeira do bem querer daquele anfitrião. A esse bem querer pode-se dar o nome de “aderência”. Todo ser aderido ao outro estará sendo, naturalmente, gentil.

                Haverá a gentileza oriunda da inteligência quando o agente conhecer ou for capaz de identificar a variedade de atos de uma determinada cultura, uma visão essencialmente bem informada e complexa, tendo, daí, à sua disposição um menu de comportamentos que varie entre o totalmente gentil e o totalmente rude e opte, conscientemente, por atos gentis. A gentileza oriunda da inteligência não terá nada de falso ou de menos “pura” se comparada à gentileza oriunda da humildade. O próprio conceito de gentileza já envolve uma humildade perante o outro no sentido de que o agente queira “dar” coisas boas suas – comportamentos e atenções aderidas – a alguém que ele entenda merecedor. O simples ato de querer agradar é um dos mais fortes padrões de gentileza.

                A gentileza é uma sinergia nas relações que só gera coisas boas, produz efeitos sempre positivos e o seu uso será em todos os casos bem-vindo. Perceber esse padrão consequencial é uma análise própria das pessoas inteligentes que, cada vez mais lançarão mão da gentileza a seu prol, visando a obter resultados favoráveis. Esse uso da gentileza inteligente tanto melhorará o mundo, nas relações comuns e corriqueiras, quanto trará benefícios diretos e imediatos para o próprio agente.

                Mas se gentileza é algo estudável e aprendível em livros de relações, com padrões e classificações; e se também obedece a modelos de personalidade em que a inteligência esteja presente, é certo que em pessoas com baixo padrão de percepção; ausência de sintonia fina nas coisas e manejos que faz; pouco conhecimento de relações e hábitos culturais complexos, a gentileza seja coisa rara, ou até inexistente. Aqui haverá a ausência da gentileza pela falta do conhecimento. Há uma outra ausência da gentileza: a oriunda da mediocridade, que não é necessariamente ausência de conhecimento, mas a presença de um querer negativo ao outro; a constante disputa mental comparativa de que o outro poderá estar levando mais vantagem e outras ideias semelhantes. Será a frase – não sou gentil e não vou ser. Mas essa escolha do homem intelectualmente rude e de baixo padrão cultural não lhe será impune. A vida ser-lhe-á efetivamente muito mais pesada e com contornos desagradáveis.

                No primeiro caso - baixo padrão de percepção/ falta de conhecimento-, poderá haver gentileza por exceção, onde possa o comportamento manifestar, ao seu modo, algum comportamento gentil. Já no segundo, com a mediocridade, a gentileza se houver será invariavlmente falsa, visando a uma obtenibilidade barata, interesseira exclusivamente. Há aqui um crédulo na ociosidade da gentileza

                É interessante observar as pessoas refratárias à gentileza. Com o passar do tempo vê-se uma “opção” nelas por uma vida piorada, com resultados menos vantajosos e felizes. Não há como negar que esse modelo de vida é desastroso para o próprio agente, mas sua falta de inteligência não reage. O não usurário da gentileza não pode, jamais, aí, ser considerado um ser inteligente. Ao mesmo passo que essa pessoa não concebe ser aderida a alguém, no sentido de dar coisas boas ao outro.

                O não gentil vive um eterno incômodo com sua própria falta de carinho ao outro, sabendo-se que o preço pessoal que se paga pela falta de carinho para com o outro é efetivamente muito maior para si mesmo. O carinho – uma forma de gentileza – faz circular sensações poderosamente positivas que beneficiam o próprio agente, seja com retornos inesperados, todos positivos, seja com pequenas ou grandes manifestações vindas na direção do próprio agente que cataliza coisas boas.

                A gentileza é um misto de atividade cultural com uma situação inata do agente. Há quem aprenda a ser gentil e goste; busque aprender novas e criativas formas de gentileza, já que o retorno é sempre dos melhores. Há também quem nasce gentil e nem perceba.

                Por fim, do mesmo modo que a gentileza se liga à inteligência, ela também se liga muito nitidamente à boa-fé. Pessoas gentis manejam um tipo de boa-fé, quando querem bem ao outro, quando praticam aderência. Não há como se ligar a gentileza à má-fé ou a suspeita de qualquer porção negativa de comportamento. Deixam-se de fora da análise aquelas pessoas que não merecem ser analisadas que vivem jurando “odiar falsidade” e distilam um olhar medíocre e invejoso, perceptível a qualquer observador atento.

                16 passagens tiradas da obra O Poder da Gentileza :

1. Agir corretamente faz com que a pessoa se sinta melhor.

2. Mesmo que você se envolva num acidente de carro, as companhias de seguro poderão lhe recomendar que não se desculpe. O conselho é que se você se desculpar, 9 entre 10 pessoas ficarão gratas e, provavelmente, serão mais generosas com relação a um compensação pelo prejuízo.

3. Pesquisas mostram:
Pessoas gentis têm mais sorte no amor (Universidade de Toronto)
Pessoas gentis são mais saudáveis (Universidade de Michigan)
Pessoas gentis perdem menos tempo nos tribunais (Malcolm Gladwell, Blink – a decisão num
piscar de olhos)

4. Pessoas gentis ganham mais dinheiro.

5. Impressões positivas são como sementes; você as planta e esquece delas, mas elas crescem de maneira notável.

6. Impressões negativas são como germes

7. A vida não é um jogo em que, se a outra pessoa ganha, eu perco, ou vice-versa. Não há necessidade de discutir quem fica com o pedaço maior do bolo, só precisamos fazer um bolo maior.

8. Quando a pessoa aprende a se libertar da mentalidade do “ou eu ou você”, cria oportunidades para todos.

9. Tendemos a pensar que o mundo natural é duro, cruel e implacável. O comportamento no mundo dos negócio é, muitas vezes, regido pela “lei da selva”. Mas a cooperação é uma estratégia tão bem-sucedida para a sala da diretoria quanto para compartilhar uma presa.

10. Quando você cria uma empresa pretende que os créditos de suas coisas sejam dados a ela. Tente relaxar e não se preocupar com quem recebe o crédito – queira continuar construindo o seu negócio, fazendo o bolo crescer. Como disse Harry Truman, “é surpreendente o que você consegue quando não se importa com quem leva o crédito”.

11. Pare de contar vantagens. Minha irmã ganhou um novo bebê, mas eu tenho uma vida social mais ativa. Minha melhor amiga ganha mais dinheiro, mas eu tenho um trabalho mais interessante. Se estiver ardendo de inveja por causa da promoção de alguém, mande-lhe flores. Quando você começa a agir como se vivesse na abundância, começa a ter a sensação de fartura. Quando começa a experimentar essa fartura, você não se preocupa tanto com o que os vizinhos têm.

12. Elevar o moral das pessoas pode resultar em inesperadas recompensas. Adoce a negociação.

13. Da próxima vez que alguém próximo a você estiver mal-humorado ou irritadiço, tente dar-lhe uns chocolates ou uns bombons.

14. Quando sorri para outras pessoas, você as “contamina”, literalmente, com felicidade.

15. Sorria - estudos mostram que o simples ato de sorrir fará com que você se sinta realmente mais feliz, o que acontecerá também com as pessoas à sua volta. Então tente adquirir o hábito de sorrir mais. Sorria para estranhos. Se você mora em uma cidade muito populosa, onde há constantemente gente passando, escolha uma pessoa em cada quarteirão. Comece com crianças. Depois, sorria para adultos que parecerem amistosos e receptivos. Após algum tempo você estará preparado para sorrir até para as pessoas com um ar antipático. Ele ou ela podem ou não retribuir o sorriso, mas a questão não é essa. Você quer chegar ao ponto em que, para você, sorrir seja tão natural quanto respirar.

16. O inimigo - Mate-o com a gentileza.

                A gentileza no caso dos humanos não é uma dávida ou traço biológico. Tem que ver com o conceito de empatia, conforme pesquisado nos primatas, por Frans de Waal na obra de biologia A era da empatia. Gentileza é algo que se pode passar a ter, passar a querer ser e passar a receber os benefícios dela. Por isso é tão intimamente ligada a pessoas com melhor padrão de inteligência. Já o resto, é como diz Nietzsche no prefácio à obra O Anticristo – maldição do cristianismo: “O resto é simplesmente a humanidade”. Jean Menezes de Aguiar.
 

* Nenhuma definição da inteligência é satisfatória (e jamais será), porque o termo  cobre um conjunto de faculdades interdependentes, ainda difíceis de serem percebidas no plano experimental.  Sua aparição no adulto resulta de um desenvolvimento lento e progressivo, em constante interação com o mundo exterior (Jean Pierre Changeux, diretor da unidade de neurobiologia molecular no Instituto Pasteur).  /  Já Albert Jacquard, geneticista, professor na Universidade de Paris-VI, ensina que a inteligência é uma qualidade polivalente: ela diz respeito à imaginação, à capacidade de responder depressa, de inventar novas perguntas, criar raciocínios lógicos.  Os testes de QI refletem a capacidade de responder “sim”, enquanto a inteligência é a capacidade de dizer “não”. 

 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Legislativos da Roça II

Saudade... Gonçalves, MG


Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS (GO) - 11.out.2012

                Na década de 1990 publiquei um artigo em Petrópolis, RJ, que hoje é carinhosamente requentado. Por primeiro, “roça” é o sonho de consumo de muitos urbanos. O texto originário era aberto com Millôr Fernandes: "Não gosto da direita porque ela é de direita, e não gosto da esquerda porque ela é de direita." Anos se passam e a matéria se mantém; pouco melhorou. A “classificação” dos vereadores em muitos casos; sua subserviência ao Executivo; a ainda grande inércia da sociedade. O poder público já tentou dar às eleições o ar de “festa”. Depois tentou dar o ar de “culpa” social, atrelando consequências da má escolha ao eleitor. Publicidades discutíveis.

                Continua a ser triste a existência de vereadores, por esse Brasil afora que não sabem para que serve o Legislativo. O raciocínio, a lógica, a razão e a racionalidade se veem bastante comprometidos. Berrará o antropólogo: é o retrato do Brasil! Tudo bem, mas é uma desgraça, exatamente para um povo que padece tanto. Isso não quer sugerir uma “tecnocracia”, à qual somente diplomados pudessem ser eleitos. Nada que ver com diploma.

                O problema é que um sem número de vereadores continua a achar que o Legislativo é um Poder que deve existir para intermediar obras do prefeito. Falando em Legislativos municipais, principalmente os que não estão em cidades grandes, qual deles fiscaliza, de verdade, o Município? Quem controla o prefeito? Quem cumpre as obrigações mínimas da Constituição da República, art. 31? Daí vem perguntas: qual é o prefeito, nesse contexto, que respeita o Legislativo? Muitos legislativos só sabem dizer sim e publicar monótonas páginas em jornais locais reproduzindo discursos grávidos de vedetismos e referências enaltecedoras. Fecha-se um círculo vicioso terrível para o cidadão, porque seus representantes-fiscais pouco representam, muito menos fiscalizam.

                Há fenômenos interessantes aí. Clientelismo, paroquialismo e até coronelismo. Alguns se superafetando em outros. Na década de 1990, falava-se em neo-chaguismo, em referência a Chagas Freitas, governador carioca. Fincam-se relações praticamente comerciais de toma-lá-dá-cá. Se antes os rótulos teóricos como esses ainda envergonhavam ou até ofendiam, porque classificavam, hoje não causam mais. A desfaçatez é imune à palavra e mesmo ao xingamento. Os panos caíram, as quadrilhas se organizaram e aprenderam a não fazer marola. O Mensalão é fato isolado e pseudo-emblemático.

Com o continuado baixo nível de candidatos por todo o país, há um olhar vesgo para o próprio umbigo nas pretensões de quem quer “chegar lá”. Qualquer 10 minutos de fama num Bbb já garante a loucura de se candidatar. Fora isso, há os “profissionais”. Vereadores mancomunados com prefeitos, loteiam as cidades para funcionar como despachantes de obras. É a consumação duma política menor, uma que acha graça em outorgar diplomas e comendas de mentirinha.

                Inauguram quadras de esporte nas comunidades, sempre pedindo apoio da mídia. Haverá o vereador-ponte, o vereador-quadra-de-esporte, o vereador-asfalto-de-rua, o vereador-licença-de-igreja, o vereador-vaga-em-escola-pública, o vereador-botijão-de-gás, o vereador-leito-hospitalar, o vereador-baba-ovo-de-prefeito, o vereador-boy-de-presidente-da-câmara ou o vereador-vota-em-tudo-que-o-prefeito-mandar. E ainda há quem diga que isso é “normal” ou é “fazer política”. Há também quem diga que se o vereador consegue a vaga no hospital ele fez uma “boa ação”. O problema é que esse leito hospitalar custará um valor altíssimo. E será devidamente cobrado.

                Ninguém engana a todos o tempo todo. A informação acessível vem mudando bastante a cara, ou o cinismo, da política brasileira. Há muita gente lúcida na sociedade. Em todo lugar, inclusive nas invejáveis roças humildes, mesmo as que não gostam de ser chamadas assim. Há cidadãos inteligentes, observadores e instruídos. E os espertalhões da política começam a ter mais dificuldade.

                Um tônus que parece faltar é “oposição”, conceito ligado, historicamente, à esquerda. Por outro lado, no caso brasileiro, a diva canhota, o PT, conseguiu desagradar até a um inocente Joaquim Barbosa do Supremo, convicto eleitor, agora convicto frustrado. San Tiago Dantas teorizou que as esquerdas dividiam-se em "negativas" e "positivas", foi um reboliço. Brizola, contestando-o, foi mais preciso: dividiu-as em "fisiológicas" ou "idealistas", outra encrenca. De toda sorte “até” nas clássicas oposições que deveriam ser “puristas”, sempre se visualizou o lado negativo ou fisiológico.

                Um belíssimo exemplar vivo da direita brasileira essa semana foi finalmente condenado a devolver 21 milhões, o já quase pop Maluf. Os próceres da esquerda na mesma semana foram condenados pelo Supremo. Não sobra lado nenhum. Darcy Ribeiro na obra, Confissões, p. 298, instigava: "Sou de esquerda e acho que ela é a salvação do mundo. Fora da esquerda só há a indiferença, que é imbecil demais, ou a direita, que é sagaz demais... Existe uma intelectualidade vadia pregando que a direita é burra. Não é não." Darcy era um poeta.

                Se em exemplos maiores e de 1º escalão de todos os partidos brasileiros veem-se problemas sérios, imaginem-se os legislativos miúdos espalhados por esse Brasil que precisa de um leito hospitalar ou de uma vaga na escola pública. É a pandemia da roubalheira. Muita da responsabilidade de o Brasil não ser um país espetacularmente melhor não está em presidentes ou senadores, mas em vereadores. Por outro lado, o refogado disso é revirado na frigideira da sociedade.

                Pausa. Apenas alguns candidatos deste 2012: Andréa Van Escolar; Serginho Escapamento; Sem Camisa; Burrinho da Oficina; Cagado;  Claudete – o poder tem que menstruar;  Ninguém;  Pé de Cana; Para mudar é chana com chana – Simone Bandeira; Zezinho Merda; Cornelson Chega de Traição; Xota Oi Meu Bem.

                O termo “roça” é sublime demais para a esperteza política. Quantos Mensalinhos não há nos milhares de Municípios do Brasil. Já disseram que a política é a arte do possível. Por aqui ainda é a arte da safadeza possível.