Tem coisa melhor que uma introspecção? Fala sério!
Uma das formas de autoritarismo é a impaciência. O impaciente é, por essência, um pequeno ditador. Esta forma de egocentrismo deita raízes em uma desastrada educação infantil. Criado de forma mimada, o impaciente foi acostumado a ser atendido em tudo e na hora de sua manha. A obter o quanto berrasse, e incomodasse o mundo. O impaciente não sabe dividir, compartilhar. Dividir o tempo, o espaço, as expectativas, as oportunidades. Ele acha que a sociedade lhe deve dar a vez para que tudo ande no seu ritmo. Não no ritmo natural das coisas. Mesmo que ele, da vida, só tenha dinheiro e não saiba analisar ritmos e coisas.
É previsível que nenhum impaciente reconhece seu defeito. Esta criatura parece ter um baixo nível de reflexão. Um filosofar mais acurado ser-lhe-ia um parto. Ou uma intangibilidade. Ele sempre tem uma desculpa de plantão, culpando, por transferência, seu semelhante. Talvez, uma das melhores maneiras de se identificar a impaciência seja no trânsito. A profissão me impôs, há décadas, viajar constantemente a todos os estados do país, sem parar. Numa observação assistemática, dá para se dizer que a classe média paulistana é uma das mais impacientes em trânsito urbano. Já o goiano na estrada parece bater todos os recordes de desespero automobilístico.
Publiquei aqui, há anos sobre a buzina de 3 segundos, como uma forma impaciente de se buzinar. Tento mapear há muito tempo quem mais utiliza essa buzina nervosa, às vezes histérica: se homens ou mulheres. Omiti naquele artigo quem seria. É o mesmo gênero de motoristas que jamais dá a vez para alguém passar a sua frente. Homens ou mulheres? Observe e conclua. Esta impaciência, pela buzina, parece ser bastante urbana de São Paulo. Com um trânsito ao qual os sucessivos governos insistem em deixar caótico e uma sociedade bastante incapaz de gentilezas, se você reduzir a velocidade para tossir, por exemplo, o motorista que de trás buzina impiedosamente.
Outra forma de impaciência é na estrada. Morei 10 anos em Petrópolis e trabalhava no Rio. Percorria diariamente os 60 quilômetros de estrada. Aprendi coisas. Uma delas é que quando a estrada está cheia, há um ritmo próprio, que até pode ser “dividido” entre as pistas da direita, mais lento, e da esquerda. Nesta situação de estrada cheia, a sanha da ultrapassagem, com a tal setinha da esquerda piscando – que modismo! –, simplesmente não funciona. A menos que alguém suponha que tem direito de pegar a pista da esquerda e centenas de carros à frente terem que sair para a “princesa” passar.
Marilena Chaui arrola 3 situações em que a falta de educação urbana do paulistano de classe média transborda, ela fala em “selvageria”: a fila; o automóvel; e o espaço público em geral. A professora é lapidar. E a gradação pode ir de uma simples buzina nervosa à energúmena ultrapassagem pela direita no acostamento, em alta velocidade, expondo vidas em risco. Educação não é sinônimo de automóvel caro e sorrir bem arrumado na foto de Natal.
Outra forma de impaciência é a aérea, ou de aviação. Parece que as alturas mexem com as bichas das pessoas. Quem viaja sempre de avião já reparou. Após taxiar e o avião chegar ao finger, a passarela telescópica de saída, parece que todo mundo é assolado por um desespero aeronáutico. Se você estiver na poltrona do corredor e se levantar para pegar a mala no teto é bom deixar um livro ou celular na poltrona, guardando lugar. Se não, o aflito da poltrona do meio corre para sentar no seu lugar. Certamente ele imagina que passou a ter direito porque, afinal de contas, você se levantou. Há mais.
Se você estiver, por exemplo, na poltrona 20 e for educado, suporá que quem está nas 19 fileiras à sua frente tem o direito óbvio de sair de sua poltrona para pegar o corredor visando a sair da aeronave. Ledo engano. O ser aflito que vem imediatamente atrás de você, já lhe cutucando porque não sabe manter espaço em fila, tentará lhe empurrar ou lhe cutucar de novo para que não permita que outros passageiros entrem no corredor, afinal, a fila dele tem que obedecer ao ritmo dele, não ao da gentileza ou da educação.
Isso sem se falar nos celulares que não são desligados sob as desculpas mais patifes do mundo. No desespero de precisar se falar com o mundo pelo celular até o último segundo possível, na decolagem; e já desde o primeiro segundo possível na aterrissagem. A impaciência se revela em todos os níveis de descontrole e falta de educação humana.
Época de Natal; época de 25 de Março ou shopping; época de mais impaciência. As pessoas deveriam se programar para passear felizes em compras para o Natal, para seus entes queridos e amigos. Querer fazer surpresas, agrados e mimos. Mas não é isso que ocorre com uma maioria imensa. A impaciência baba pelo canto da boca. A mãe vai à loja com uma filha, isso eu vi, e na hora de pagar, põe a filha para “reservar” um lugar em outra fila. A fila que andar mais rápido recebe a que está na fila mais lenta. O nome disso é desonestidade (ética) com o mundo. Se essa mãe tivesse 5 filhos, poria um em cada fila. Essa mamífera ambulante não percebe que está violentando a educação do próprio filho, com um desastre ético.
O antagonismo da impaciência é a gentileza, o carinho, o querer bem ao outro. Mas isso cada vez é mais raro numa sociedade consumista. Qual a saída? O pensar, a reflexão. Saber e perceber que uma vida impaciente é pior (muito pior!). Gera doenças, estresses, é um nítido sintoma de falta de inteligência. Mudar, a partir daí, será um sintoma de sabedoria. Tudo pode começar pela mera observação. Um exercício interessante é reparar as feições de quem é impaciente, pode ser no trânsito, nas filas etc. O impaciente invariavelmente tem uma feição contrita, fechada, reclamona e vive resmungando de muita coisa, o tempo todo. De novo, todo impaciente nega isso e consegue um milhão de desculpas, mas este ser é um transtorno vivo e ambulante.
Se a inteligência vale para alguma coisa, deveria ser utilizada, com força, para se observar, concluir e tentar francamente mudar hábitos que são ruins ao próprio agente. Costumo dizer que adoro trânsito engarrafado, filas e ter que esperar pessoas. É verdade. Com essas situações, estudo, meu grande prazer. Outro dia escolhi ficar no aeroporto de Vitória de meio dia às 19 horas, sem qualquer problema, fazendo o que mais gosto de fazer: esperar. Quando se tem o que “produzir”, esperar é um prazer. Coisas são feitas, pensadas, escritas e adiantadas. Mas atenção: precisa ter prazer. Já com os impacientes, tudo é um problema. Uma vida assim deve ser bem ruim. Jean Menezes de Aguiar.