sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Batatinha

 
 
 
 
“As ostras se abrem e se fecham de acordo com as marés e continuam essa atividade mesmo quando trazidas para a terra e num recipiente escuro (Paul Feyerabend), coisa que os humanos jamais sentiriam. As batatas têm mais capacidade de captar os ritmos lunares que os humanos (F. Brown). Mas somente o meu coração é capaz de traduzir as aflições da ostra e da batatinha como poesia a ser composta pela emoção em receber o olhar de uma certa dona, o roçar do seu braço e um sussurro intenso em mim.”

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Relação duradoura - é possível

Bauman e Janina, lindos.

 Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS em 13.9.12

                Por que casais se aturam? Por que não se separam? O que leva duas pessoas a viverem juntas mesmo sem condições “ideais”? As implicações são de ordem vária. Advogados que trabalham com família, dando consultoria técnica e profissional a casais conhecem idas e vindas de uma vida a dois. Tanto conselhos prévios valem e evitam confrontos sérios, como bons remendos e curativos na relação podem ter um efeito maravilhoso. A consultoria familiar deve contar com experiência de vida; observação; sensibilidade, inteligência e bom lastro em Negociação, cuja literatura especializada é vasta. Negociar visa, por um lado, a evitar conflitos, e por outro, a obter soluções para situações difíceis, ou mesmo conflitos já estabelecidos.

                Duas situações são importantes, aceitando até elaboração de gráficos. Uma, a que estuda como se dá a saturação da relação a dois, como a relação se satura, adoece e pode até morrer. A outra é como e quando o casal entra no tempo de se aturar; como se dá a aturação mútua do casal.

                Primeiramente, tanto é certo que relações saturam, considerada a ultrapassagem de uma fase “inicial” de novidade, paixão, amor, encanto ou que nome se dê; como é certo que casais, a partir de um determinado momento, também passam a se aturar. Não se deve ver aí apenas um juízo de valor negativo. Como se quer aqui, a saturação e a aturação podem ser vistas como uma acomodação boa, razoavelmente natural da vida a dois, que a maturidade saberá aconchegar.

                Depois, o momento ao qual uma relação satura e o momento ao qual o casal passa a se aturar, podem ser totalmente distintos. Momentos são termos temporais, inícios de fases. Em Direito processual, por exemplo, chamar-se-á momento de “termo inicial”, o relativo ao início de um prazo. Está-se falando aí, indubitavelmente, do fator tempo. A literatura especializada em Negociação ensina que três são os seus fatores básicos: informação, poder e tempo. Na investigação de saturação de uma relação e aturação das partes envolvidas, parece não haver dúvida que o tempo é o grande fator. O responsável por corrosões, cansaços, mudanças de atitude e novas visões. Mas também é o tempo o responsável pela aquisição da maturidade, um recheio que altera a visão de mundo de cada agente envolvido.

                Entretanto, ainda que se tenha certeza que o tempo age, em todas as relações, não se pode criar uma ideia precisa de quanto tempo é necessário para que os fenômenos da saturação e da aturação comecem a se fazer presente. Tipos de educação, cultura, hábitos, sociedade, problemas enfrentados no passado, conflitos resolvidos ou abafados, histórico da relação, são, todos eles, elementos essencialmente abertos e difíceis de quantificar, precisar. Terão que ser analisados com responsabilidade e destreza pelo consultor para compor com segurança um retrato da situação.

                Muitas vezes é simplesmente inacessível aos próprios envolvidos chegarem a um retrato correto da situação. As emoções, as reações, os desejos, as ideias de conserto, os manejos e tratamento dos problemas, tudo está envolvido em sua análise que, então, se verá bastante parcial e comprometida. Há quem, mesmo vivendo a crise, consegue mapear a situação com isenção e equilíbrio, mas não é a regra. Pessoas que têm orgulho de se dizer emocionais, passionais, densas e intensas mesmo na resolução de um problema devem concluir que jamais são as indicadas para compreender com equilíbrio, um conflito.

                Há quem diga que a relação a dois passa por um “teste” que seria a “crise dos 7 anos”. Nos Estados Unidos há até uma expressão para essa “coceirinha” dos 7 anos: seven year itch. Estudos americanos tentaram mapear quanto dura o amor ou o que se possa conceber que ele seja.  A Universidade de Wisconsin após ouvir mais de 10 mil famílias bateu o martelo em 3 anos. Mas há que se levar em conta o imenso e desesperado consumismo americano, este que muitos brasileiros tentam imitar a todo custo em algumas cidades grandes.

                Aceitar que a saturação de uma relação se dê em 3 ou 7 anos é negar a possibilidade do amor em todo seu poder de sonhar. Mesmo considerando-se conservadora a ideia da relação “eterna”, este sonho é real e possível. A jornalista jovenzinha perguntou ao doce sociólogo polonês Zygmunt Bauman “como” ele estava casado há quase 70 anos com a mesma mulher. Ele sorriu pacientemente e disse que a geração dela não deveria saber a beleza que é isso. A mocinha podia dormir sem essa resposta. É claro que Bauman e sua mulher constroem essa convivência apoiados na sabedoria, um fator raro.

                A sabedoria, quando cultivada a dois, talvez faça a aturação entre um casal ficar mais doce, menos danosa e tornar a vida muito mais bela. Não se trata apenas de dizer que na velhice “não se separa mais”. Essa seria uma aturação mais ou menos normal. Mas há a aturação ainda jovem, dos planos e sonhos, passeios e companhia ativa e, claro, momentos sexuais poderosos. A sabedoria pode estar em se viver plenamente, sem clichês, sem modismos, mas com amizade intensa e lúcida, cumplicidade e vontade de viver um amor. Talvez a mágica da vontade de viver um amor, mesmo que sem o romantismo do cinema de olhar o luar, mas amor em seu conceito mais aberto e grandioso, seja o grande óleo essencial para uma relação a dois.

                Casais inteligentes criarão em cumplicidade essa vontade mágica. Pegarão a saturação e a aturação e as reinventarão. Discutirão lucidamente como podem ser amigos amorosos por toda a vida, hora com mais amor, hora com mais amizade. Verão que não podem jogar tudo fora, seria burrice, e a partir exatamente dessa visão, construirão uma nova relação saudável, ou seja: inteligente. Esta é a palavra. É claro que aí se imagina uma relação onde não haja ódio, e um mínimo de inteligência consiga “organizar” os problemas. Os fenômenos saturação e aturação podem não ser o fim de tudo. De novo, casais inteligentes terão esses fenômenos conscientes e a beleza da relação poderá estar nessa consciência e em como eles lidarão com as dificuldades. A inteligência salva.

                Não há aqui uma ode boba à relação eterna, de forma ditatorial e burra, no sentido que se tenha que “aguentar tudo”. Mas veem-se relações serem destruídas por questões pequenas, menores e por falta de um canal de inteligência e lógica; lucidez e destreza. Mas sobretudo a rainha de tudo: a teimosia.

                O consumismo nas relações; o “ficar”; a utopia da perfeição; a busca do prazer autoritariamente constante e outras mazelas urbanoides têm feito pessoas menos humildes, menos observadoras, menos cuidadosas, menos amigas, menos éticas e, óbvio, menos inteligentes. Experimente, de vez em quando, viver a emoção, solitária que seja, em algum momento só seu, de querer sentir alegria por ter o seu companheiro com você. Aí pode estar o remédio para que desgastes naturais da relação se tornem muito mais fáceis. Baumam, o grande professor, deve fazer isso há décadas. Jean Menezes de Aguiar  


domingo, 9 de setembro de 2012

O romance, a paixão e o amor


O amor, em O encantador de cavalos. Thomas, suntuosa e linda,
Redford com sua insuperável delicadeza de Homem.
 

A recente obra de Regina Navarro Lins, O livro do amor, da BestSeller, é uma fonte segura tanto para historiadores e teóricos do amor, quanto para o público em geral que busca saber como é que o sentimento se desenvolveu ao longo dos séculos e mesmo milênios.

Isso mesmo. O conceito de amor não é e nem nunca foi algo bruto e imutável, original e alheio a sensações culturais.  Vê-se no livro que há 5000 anos, a mulher era considerada indigna de amor, vivia encarcerada, à espera do marido. Pode-se perceber aí uma das manifestações embrionárias do machismo em que a sobrepujação da força física masculina impunha padrões de conduta.

Também se vê  que o amor é uma construção social, em cada época de um jeito e modo. Isso afastará a ideia de pureza do sentimento, de originalidade dele como pertencente soberanamente ao ser humano enquanto fator próprio de um sentir puro. Se o amor é também influenciado por uma construção social, essa constatação por si só mostra que padrões culturais diversos, de grupos sociais, por exemplo, rechearão diferententemente o sentimento. Uma gente de uma espécie ou padrão cultural amará "diferentemente" de outra.

Também se aprende que com a vinda do Cristianismo, o amor só podia ser a Deus, uma violência cultural própria dos povos atrasados e religiosamente fundamentalistas, como, todavia, ainda há hoje em dia, nesse sistema bancário da fé. Assim, até o século 12 o amor físico foi inviabilizado, havia pesada repressão à sexualidade. Ou seja, era o reino da mentira em que o sentir amoroso e sexual precisava ser contido, mentido e negado. De novo, como se vê em padrões religiosos atuais castradores e que optam por uma contramão da história, da ciência, do conhecimento e do progresso social.

Em Roma, o amor passou a ser algo perigoso. Desenvolveu-se a ideia do homem prudente, que não se deixava levar pelas emoções. Se se interessava demais por uma mulher, procurava ver seus defeitos, como o fato de os seios balançarem demais, ou de ela suar muito. Estranha época em que seios e suor feminino pudessem ser feiúras ou defeitos na mulher. De novo, o que está em pauta nada mais é se não o atraso de uma época. Pensar nos seios a balançar como um defeito é uma visão que só expõe o pior dos defeitos do próprio homem: ter restrições à mulher como ela é; idealizar uma mulher “perfeita”; querer que a mulher não "incomode" a vaidade masculina de uma suposta beleza macha que só existirá para a mulher, nunca para o homem verdadeiro. Não se trata de um machismo às avessas, de uma entronização da mulher, mas qualquer homem que se preza não tem o menor problema com as partes, os fatores, os líquidos da mulher, sejam quais forem, até a urina. E aí as próprias mulheres têm que perdoar esses homens devotos e verdadeiros fiéis. Como achar o suor da mulher um defeito? O que sustenta isso? Evolua-se. Como achar a menstruação da mulher um defeito, se ela é o lubrificante natural e perfeito para o ato sexual? Além de ser também um contraceptivo natural? Como achar os pelos pubianos da mulher que ornam a vagina em caichinhos de amor compondo um Triângulo das Bermudas do amor - ali se vai, ali se some, ali se morre, só que de prazer - um defeito? Quem não endeusa todas essas partes, detalhes, aromas, paladares, visões das mulheres, que me perdoe, mas é um boiola mal resolvido e emputecido, enganando uma deusa que está ao seu lado. E ela que aprenda a ver.

Também na Idade Média, o marido tinha o direito de espancar a esposa.Ôh imbecilidade masculina, esses histéricos e incompetentes que não sabem domar a mulher pelo afeto, amizade, amor, delicadeza e sonho. Sim, domar, a poesia do verbo é essa, como a mulher doma o seu macho a seu perfil e a relação se equilibra. Lei galesa dizia que o instrumento de “correção” seria um bastão não maior que o braço do marido e não mais grosso que o dedo médio dele. Amor e casamento nunca andaram juntos.

Já na Idade da Razão, século 18, o amor se torna ridículo, os ricos “educados” detestavam a ideia de serem escravizados pela emoção. Esses “ricos educados” na história do mundo sempre foram assim, Voltaire que tanto os conheceu, soube zombar com maestria dessa firula de personalidade. Ser escravizado pela mulher. O que pode haver de mal nisso, sem qualquer bobajada cafona e pobretona desses falsos tarados de internet que se auto-intitulam mazoquistas. Mulheres descobrirão o “verdadeiro” homem, nesse mar de vaidosos e fakes machos quando disser que vai escravizá-lo e seu acompanhante não segurar o sorriso de emoção, e imediatamente se acercar a ela, passar a respirar o mesmo ar que ela, juntinho, roçar o rosto em seu rosto e se oferecer docemente àquela forma de amor poético, onírico e delicado. Não se trata de uma ode construída à mulher como discurso politicamente correto, mas de uma invencibilidade: o quanto um homem pode resistir à mulher? O quanto puder é sua parcela de não homem.

Só em 1940 é que o casamento por amor se generaliza, por influência dos filmes de Hollywood, ainda que na década de 1950 as mocinhas ainda insistissem em se casar virgens. Tadinhas, quanto sacaneadas foram. A membrana himenal continuou por muitas décadas a incomodar a mulher. Ainda incomoda. Passou a ser fonte de preocupação para a moça que nem exercícios “violentos” podia fazer, com medo estúpido de se romper o tímpano vagínico, o que consegue ouvir quando um homem está às portas de transformar a menina em mulher.

Todas essas visões poéticas ou bobas, cartesianas ou urbanoides, melosas ou refinadas de sentir, de amar, de se relacionar, veem-se, tiveram fortíssima influência no conceito de amor. Uma saída é se ouvir o coração e perguntar a ele o que é, para cada um, o amor. Ele responderá, mas uma coisa é importante: há que se estabelecer um diálogo racional com o coração, e com o próprio amor. Amar não é fazer loucuras ou enfrentar consequências não inteligentes. Amar pode ser querer voar e quando se descobre o segredo do outro, que ele também gostaria de voar com você, aí tem-se a certeza que se está diante do amor. E toda a teoria pode ficar reservada para estudiosos. Qualquer um ama, essa democracia do amor é das melhores. Jean Menezes de Aguiar.