Plenário da Câmara Municipal de SP
Matéria publicada no Jornal O DIA SP em 22.3.12
A corrupção está na moda. Mas a sua oposição também está. A cobrança por um Estado menos desonesto está virando uma consciência, principalmente do jovem. Movimentos populares, capitaneados pelo já grandioso Nasruas, atuante em mais de 70 cidades com 70 mil filiados, utilizando o Facebook como instrumento, estão batendo no tema. Ou melhor, detonando-o. O “resultado efetivo” talvez importe pouco. Antropólogos dirão que a marola cultural já é valida. Abrir o debate é o melhor.
No último dia 17 de março de 2012, o Nasruas realizou o II Congresso, no plenário da Câmara Municipal de São Paulo. Conseguiu mais nomes nacionalmente famosos. Na abertura falaram Ives Gandra da Silva e Ada Pelegrini Grinover, e no fechamento ninguém menos que Hélio Bicudo, sim, ele, de novo. Tive o prazer de participar também deste Congresso, em algumas mesas de debate.
Os temas foram assim organizados: A Prescritibilidade dos crimes de corrupção e possíveis mecanismos de Celeridade, com Luiz Flávio Gomes, Jean Menezes de Aguiar, Joel Formiga (cientista político) e o promotor Roberto Tardelli (MPSP). Crime Hediondo versus Lei Nacional da Corrupção, com Dircêo Torrecillas, Luciano Santos, Joel Formiga e o promotor Affonso Ghizzo (MPSC). Foro Privilegiado e a Imunidade Parlamentar, com Marcelo Nerling (USP), Thais Cavalcanti, Joel Formiga, Jean Menezes de Aguiar e Janice Ascari (MP). Aqui registre-se a presença de Milton Jung, da CBN.
Depois do almoço vieram Privilégios dos Servidores Públicos, com Rita Biason (cientista política), Jean Menezes de Aguiar, Affonso Ghizzo (MP SC) e Luis Fernando Otero (Contador). Cidadania, Ética e Educação Política, com Jairo Cruz Moreira, Thais Cavalcanti, Humberto Felipe da Silva, Mara Zumpa e Jorge Maranhão. Por fim, as considerações finais com Hélio Bicudo e Carla Zambelli (fundadora do Nasruas com Marcel Santos).
Algumas impressões e análises são muito interessantes. Ives Gandra se posicionou favoravelmente ao foro especial, explicando que o juiz mais novo não teria experiência para julgar autoridades em situações complexas. O problema do foro especial admite outro enfoque talvez mais agudo e pragmático. Advogados de réus envolvidos em mensalões, por exemplo, adorariam, estima-se, que o processo de seus clientes tivessem início num juízo comum. Sim, de primeiro grau, na comarca da moradia ou da prática da infração. Demoraria muito mais para chegar ao Supremo. Essa “razão” parece ser boa para se manter o foro especial. Se com foro especial um processo já leva 5 anos pra ser julgado no Supremo, sem ele levaria 20, em todas as instâncias. Seria muito pior.
Ada Pellegrini Grinover reclamou da continuada morosidade do Judiciário, pedindo reformas. Relatou que tem um processo já na qualidade de idosa, com a Lei do Idoso, e que está há 5 anos no Tribunal de Justiça de São Paulo e ninguém julga. Já a análise de Luiz Flávio Gomes foi das mais contundentes, não deixando pedra sobre pedra. Bateu corretamente na balela leiga defendida por imbecis de plantão de que cadeia é a solução. Apresentou várias estatísticas da ineficiência do sistema prisional que tem por ideologia a cadeia, esse modelo paulista e essencialmente burro de gestão criminal, além de conservador e ortodoxo.
Do Amazonas veio o deputado federal Francisco Praciano, presidente da Frente Parlamentar Contra a Corrupção. Apresentou dados importantes e concretos de atividades que estão sendo tocadas por algumas poucas autoridades na capital mundial da corrupção, Brasília, comprometidas com o combate.
No estudo da corrupção há passagens interessantes. Na obra Histórias do Brasil profundo, do saudoso jornalista Marcio Moreira Alves, na página 12, há um retrato: “Só rouba o Estado quem tem poder, sobretudo o poder de fiscalização. E ninguém rouba sozinho. São sempre escândalos em cadeia, que não produzem qualquer punição para os seus autores. Se os de cima roubam, os de baixo se sentem também autorizados a roubar. Mesmo quando condenados a multas milionárias, os larápios sempre conseguem evitá-las, através de chicanas dos advogados, que pagam a peso de ouro, ou de juízes também corruptos e impunes. Para a cadeia ninguém vai se puder pagar um bom um bom advogado.”
Este quadro que não é somente brasileiro retrata com perfeição o que ocorre, tanto verticalmente, em termos da corrupção “exemplar” que difunde cultura para os de baixo, “legitimando” a corrupção inferior, quanto horizontalmente, numa análise tipológica da corrupção à qual o ato corrupcional não é isolado, mas sempre em difusão, cadeia ou orquestração.
A corrupção no Brasil tem um viés provinciano e paroquial: a impunidade Só ela permite lambões guardando dinheiros em cuecas; elegendo filhos e netinhos em fraude; apropriando-se de paisagens inteiras do território nacional etc. O projeto de corrupção sempre pertenceu à direita, mas uma vez a esquerda no poder fez pós-doutorado no tema. Virou ágil e larápia igualzinha.
O prof. Luís Roberto Barroso da Uerj, ensina que o Brasil chegou à pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno, os estágios anteriores. Somos herdeiros duma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos, e chegamos ao 3º milênio atrasados e com pressa. É claro que a nossa corrupção também tinha que ser recordista e espetaculosa.
O Brasil precisa de mais uns 20 Congressos e alguns milhões de brasileiros engajados no tema. Só assim as “autoridades”, esse conceito sujo do direito administrativo, começarão a temer. Ives Gandra disse no Congresso que tudo está de ponta cabeça: só no dia que o presidente da República for tratado de sua senhoria e o povo de sua excelência é que as coisas irão para os lugares. Até lá vigerá esse conceito sociologicamente suburbano de “autoridade”. Um ao qual o conteúdo intelectual do sujeito não precisa ser lá muito avaliado, apenas a carteira. Enquanto isso a corrupção ó... Jean Menezes de Aguiar.