quinta-feira, 29 de março de 2012

O jardim, o amor e a regadora

O ar, o ar junto, às vezes é mais amoroso que o próprio beijo, às vezes é ele que revela o amor.


"Vc aparece do nada como uma flor que já cheirei
Gostei tanto de aroma que voltei ao roseiral
Acabei me dando conta que era um milharal
Mas não é que dele brotou uma flor igual?!"


O amor é revel, vaidoso e inaconselhável. Nasce como quer, do ilógico ou do improvável. Apenas nasce, como a geração espontânea não existe, a não ser nele, amor do amável. O que ele não é, é piegas, desata nós de traições, deixa a sós corações, em meio a multidões. Cria uma conversa entre bocas que não tem que ver com a fala, mas com a linguagem: do sentir, do roçar; do querer, do molhar; do pedir, do morder; do não ir, do ficar.


"Havia um jardim em seu coração
Mas ele não sabia
Um dia apareceu uma regadora"

terça-feira, 27 de março de 2012

Linguagem defeituosa impede inteligência?




A prática, o modismo, o gosto ou a mania mesmo de se optar (!) por falar erradamente em plurais, concordância verbal e nominal, antropologicamente identificado como “regionalismos” ou modo cultural, que seja, gera atrofia de inteligência ou empecilho a um pensamento genial?

Os processos sinápticos e neurais são tão interligados com a exteriorização linguística – dos fatores da linguagem, Fonação, Articulação e Fala, essencialmente este último – que quando se atrofiam símbolos, por meio da falência da linguagem (Fala), se atrofiam significados, gerando um empobrecimento no processo inteligencial da comunicação?

A pessoa que é “educada” por modelo familiar, que é um modelo de valor fortíssimo, talvez superior em força ao modelo formal da escola (Judith Harris, citada por Steven Pinker, Como a mente funciona, p. 472, afirma que “em todos os lugares as crianças são socializadas por seu grupo de iguais, e não pelos pais.”), a falar pauperrimamente “nóis vai”, “nóis quer”, “ele vai mais nóis”, teria alguma forma de comprometimento com o processo mental ou percepcional de sistemas “inteligentes” (abstratos, filosóficos)?

Essas questões podem ser a princípio absurdas, mas a neurociência e a linguística talvez deem sujestões em algum sentido preocupante no que diga respeito à lesão linguística no viés último, da Fala, enquanto dificultadoras de uma fluência não apenas nela, fala, mas no aspecto mental. Das 3 manifestações patológicas conhecidas (Jorge Martins de Oliveira e Júlio Rocha do Amaral, Princípios de neurociência, p. 235), Disfonia, Disartria e Disfasia (Afasia), esta última apresenta 6 modalidades, sendo a Afasia de Condução a capacidade do sujeito de falar de forma fluente utilizando, porém, muitas palavras erradas (claro que aqui, nada ainda ligado a regionalismos do “nóis vai”); ficando comprometida a expressão por meio da escrita, com omissões, transposições ou trocas de letras. Há aí déficits na capacidade de repetir palavras, nomear objetos e ler em voz alta.

Numa subsunção rápida e primária, professores estão mais ou menos acostumados a encontrar em salas de aula pessoas aparentemente assim, com esse “comprometimento”, ainda que o modelo típico da Afasia de Condução possa ser muito mais complexo envolvendo lesões corticais ou lesões produzidas por origem vascular. É interessante que fatores como fluência em neologismos sejam apontados como um diagnosticador de lesões no núcleo caudado ou o putamen esquerdos (Oliveira e Amaral, op. cit. p. 237) – acho que aqui, brincaria eu, todos os meus ídolos da filosofia sofrem desse mal em razão da deliciosa fluência nos neologismos –. Diz-se isso, da “exterioridade” do neologismo, ou sua não “importância material” porque a percepção da neurociência pode se dedicar a fatores quase que desperceptíveis, como, vê-se aí, uma “singela” fluência em neologismos.

Se o transtorno com o léxico e mesmo com as emoções advindas de um envolvimento na comunicação estiverem presentes, poderá haver afetação na Prosódia, que é a capacidade da linguagem falada de exprimir os aspectos emocionais que capacitam o ouvinte a determinar se uma oração é declarativa ou interrogativa, dando-se o nome de Aprosódia a esse transtorno. 

Aqui, em certa medida, pode estar em jogo uma conexão referida pelo professor de Harvard, John J. Ratey, O cérebro – um guia para o usuário, p. 282, que é a existente entre Pensamento, Linguagem e Ação, como uma das conexões mais debatidas no curso da história. Se houver comprometimento com a linguagem, haverá não apenas dificuldade na comunicação, mas também no planejamento e na orientação de ações. Afirma Ratey que “a linguagem melhora e refina os nossos pensamentos”. Importante isso.

Tudo bem que linguagem seja uma “equação” complexa, ainda que de adquirência com “tão pequeno esforço que nem nos apercebemos do seu pleno impacto em nossas vidas” (Ratey), ou como na famosa passagem de Noam Chomsky no sentido de que o ser humano nasce com um “dispositivo de aquisição de linguagem” (Language acquisition divice), mas o que se discute aqui é se o sinal “exterior” dessa linguagem, a Fala, e mesmo assim os seus sinais de comunicação e pensamento, num plano "defeituoso", aí sim, são empecilho para uma inteligibilidade, uma intelectibilidade do dado, uma decodificabilidade dele (viva o neologismo!).

Advirta-se que na primeira linha do primeiro parágrafo lê-se “opção” em se falar errado. Há aqui uma ideia de “atrofia” ou apequenamento buscado, pretendido, por modismo ou desejo de imitar o capiau, o sitiante, o sem educação formal de escola (Godfrey Lienhardt, Antropologia social, p.163, nega existir diversas culturas unitárias, orgânicas; aqui no sentido de que a cultura do capiau pudesse ser um sistema fechado).

Aí o objeto do texto – haveria uma desconexão ao dado “inteligente” oriunda dessa opção por se "defeitualizar" a fala, ou melhor o padrão correto do idioma, a afetação ao léxico? Se a questão posta assim se mostra positivista, o plano “inverso” pode facilitar o sentido: quando se estuda filosofia por anos, por exemplo, melhora-se no nível de pensamento, abstração, raciocínio complexo, jogos e inferências; já na malfadada opção por falar errado, na mesma quantidade de muitos anos, dar-se-ia uma atrofia da inteligência ou da lógica ou da abstração complexas?

Pelo mero risco de uma resposta positiva que possas existir à questão, parece não haver dúvida sobre a pressuposição de que nenhum educador solaparia o tema a ponto de dar de ombros para a educação formal da criança em idade de alfabetização e construção de visão de mundo, no sentido de que “tanto fizesse”: ensinar a fala correta ou a fala errada, principalmente por uma opção do adulto “chique” que identifique na fala errada – “nóis quer”, “nóis faz”, nóis compra”, “nóis vai” – uma forma de gíria roceira, capiau ou sertaneja. 

Se à opção adulta pelo erro na fala há se respeitar totalmente – se o adulto acha lindo imitar analfabeto (ou mesmo o boçal, aí já com o pensamento agressivo) é problema soberanamente dele; a inoculação desse modo simplista de “raciocínio” (?) para com a criança pode ser de todo condenável e perigoso. Pode estar essa criança sendo vitimidada, não em termos de lesão afásica clássica, mas com algum tipo de embotamento cultural ou minimamente o não exercitamento de raciocínios complexos e abstratos que poderiam ser tão necessários para a vida adulta.

No grande livro Cem bilhões de neurônios - conceitos fundamentais de neurociência, de Roberto Lent, p. 627, vê-se que os psicolinguistas entendem haver um "dicionário interno", que dão o nome de léxicon mental, onde são arquivados vários elementos da linguagem, num grande sistema mnemônico. Assim, quando o sujeito fala, o cérebro consulta esse léxicon "em busca de informações semânticas, sintáticas e fonológicas necessárias à expressão verbal de seus pensamentos". Este léxicon semântico em um "adulto educado" (Lent), pode conter cerca de 50 mil palavras, podendo o reconhecimento e produção atingir a marca de 3 palavras por segundo, ou 200 por minuto.

Se no processo típico de educação da criança, houver uma minimalidade ou pobreza construtivista em relação a esse dicionário interno, talvez suas inferências e conexões também sejam deficientes em relação a uma criança "exemplarmente" educada com riqueza de substratos semânticos, figurativos, percepcionais, de criação, comparação e de valor.

Seria o caso de se dizer que filhos de pais inteligentes são mais inteligentes? Talvez. Essa mera suposição é bastante alvissareira e por si só merecedora de atenção para com a criança que está recebendo nutrientes inferenciais, de valor, de percepção, de olhares e de modos e culturas de ser. Mas afinal o que é se “estimular” uma criança, se não puxar por sua “inteligência”? Jean Menezes de Aguiar.