sexta-feira, 13 de julho de 2012

Prequestionamento desde a petição inicial: a certeza do absurdo



Certos temas em áreas, para os quais o estudo denso, sério e científico é presumivelmente escasso, veem-se comprometidos. Com a moda de “executivos” do direito (antigamente eram advogados, hoje são “operadores”, terminologia mais próxima a pregão de Bolsa, algo mais “dinâmico”, ou endinheirado) a coisa está problemática. Não leem, esses, mais livros de Pontes de Miranda, Caio Mário, Miguel Reale e outros tantos, só manuais, folders, apostilas, cases, resumos, estudos de casos, mapas de brainstormings e literatura de aeroporto - a literatura como -, livros que começam com a palavra “como” (Como ficar milionário em 12 meses; como trair o seu chefe sem ele perceber; Como anunciar que se importa com o consumidor e enganá-lo impunemente etc.).

Manejos epistemológicos (só rindo...), metodológicos, racionalistas, lógicos, inferenciais, filosóficos e inteligenciais superiores ficaram efetivamente postergados para o nunca. Ziraldo vai afirmar, para vingança dos superiores (não se assuste, tema efetivamente...), que somente 5% da população são geniais. Melhor não dizer o que serão os outros 95.

Em São Paulo há um modismo forense que parece ter se difundido para o resto do país: advogados pensarem, sofrerem, se preocuparem ou quererem prequestionamento desde a petição inicial. É das coisas mais absurdas que já ouvi falar, mas há isso em muitos lugares “bonitos”. O prequestionamento é uma condição pertencente ao juízo de admissibilidade do recurso extraordinário (não torça a cara, quem o ensina é ninguém menos que Alfredo Buzaid, ainda que “jovens” e modais processualistas discrepem) e igualmente do especial. Pois bem, estes recursos só “existirão” se (“se” costuma ser uma condicionante) o sujeito sucumbir em segunda instância e cismar de ir à BSB com seus recursos. Precisará passar pelo prequestionamento.

Já perguntei em sala de aula de pós-graduação o que é (sim, isso mesmo, verbo ser) prequestionamento. Entrei pelo cano muitas vezes. Um conceito mesmo não veio. Chego a tentar algumas diferenças entre prequestionar (verbo) e prequestionamento (substantivo derivado de verbo = ação ou efeito de prequestionar). Sugiro que pode haver nítidas diferenças. Digo do primeiro conceito:

Prequestionar (verbo), então, poderá ser duas coisas: 1) a atitude de requerer da parte visando à correção de um erro decisório, em regra uma omissão, quando, por exemplo, opõe embargos de declaração do acórdão (nunca de sentença monocrática) visando aclará-lo; e 2) a também atitude de fazer inserir do desembargador (no mínimo, jamais juiz de primeiro grau) na decisão, de forma expressa, a solução, o debate ou a discussão das questões que lhe cabem resolver no sentido de não deixar perdurar qualquer defeito, por todos a omissão.

                E seu correlato:

Prequestionamento no sentido de sua existência – prequestionamento na decisão, ou a decisão contém prequestionamento – não é uma atitude em si, mas o efeito dela, a situação ou fato verificado na decisão (o objeto da verificação, o quê encontrado na decisão que esclarece, tira a omissão) de ausência de erro.

Mas o que é interessante mesmo é se analisar a cepa quase que viral de teimosia de alguns profissionais que cismam em exercer ou praticar o que entendem por prequestionamento antes de o momento eclodidor da própria verficabilidade da existência do prequestionamento: o acórdão.

Como imaginam alguns poder “prequestionar” antes de saber se precisam prequestionar? Inacreditável. Vou tomar apenas dois autores maravilhosos como base para me ajudar a demonstrar essa tragédia brazuca. Araken de Assis e Fredie Didier Jr. Vamos a eles com alguns rápidos comentários:

“E aqui se mostra claramente quão equivocada é a concepção do prequestionamento como ato prévio da parte; se assim o fosse, jamais o terceiro poderia interpor esses recursos, por não ter “prequestionado”, pela simples circunstâncias de que, até aquele momento, não participava do feito.” (Fredie Didier jr., p. 278-9).

Comentário: é totalmente lógica a afirmação-lição de Didier, dando um xeque mate na questão. Fica claro que prequestionamento não é, jamais, o tal ato “prévio” da parte, se não o terceiro que não agiu com nenhuma previedade, não poderia utilizar como terceiro o recurso extraordinário. Claro, preciso e lógico, ainda que para teimosos de plantão, a lógica possa ser imprestável. Se não é prévio, o que se dirá de se preocupar com prequestionamento desde a petição inicial? Teimosia. Nada mais que isso.

“Em tema de prequestionamento, o que deve ser exigido é apenas que a questão haja sido posta na instância ordinária. Se isto ocorreu, tem-se a figura do prequestionamento implícito, que é o quanto basta” (STJ, Resp, 2ª T, 1990, Carlos Veloso)

Comentários: posta no sentido de inserida no acórdão, decidida, ventilada ou seja lá que nome se dê a isso. Não é posta “na petição” do advogado. Posta no sentido de anterioridade ao recurso extraordinário, precisa ter sido enfrentada no acórdão.

prequestionamento implícito quando o tribunal de origem, apesar de se pronunciar explicitamente sobre questão a federal controvertida, não menciona explicitamente o texto ou o número do dispositivo legal tido como afrontado. Exatamente nesse sentido o prequestionamento implícito vem sendo admitido pelo STJ. O que importa é a efetiva manifestação judicial - causa decidida. Não há aqui qualquer problema: se alguma questão fora julgada, mesmo que não seja mencionada a regra da lei a que alguma questão fora julgada, mesmo que não seja mencionada a regra da lei a que está sujeita, é óbvio que se trata de matéria questionada e isso é o quanto basta.”

Comentários: aqui o autor aborda exemplarmente a bobagem do prequestionamento com numerologia ou sabe-se lá que diabo possa ser isso, a praga do artigo de lei que orna a cabeça de alguns formalistas.

“Turvou a clareza do tema a deletéria influência da própria palavra “prequestionamento”... sugerindo a todos os espíritos que prequestionar é questionar antes. Essa semântica vulgar há que ceder passo às proposições normativas.” (Araken de Assis, Manual, p. 702-3)

Comentários: deletéria mesmo. Prequestionar não é questionar antes. Há que se estudar mais. Perfeito Araken de Assis.

“O prequestionamento constitui o próprio conteúdo do pronunciamento judicial... Em contrapartida, o prequestionamento não se subordina, absolutamente, à iniciativa das partes.” (Araken, p. 702).

Comentários: disse tudo, mais uma vez. Prequestionamento nasce no acórdão, nasce ali. Precisa se esperar o acórdão para ver se há omissão. Se não houver a matéria ou questão está naturalmente prequestionada (pelo desembargador que fez seu trabalho corretamente).

“Toda e qualquer matéria de ordem pública (por exemplo, os requisitos de admissibilidade dos recursos “ordinários”) reclama pronunciamento explícito, e, portanto, de “prequestionamento”, para ensejar recurso - no caso, o especial, porque se cuidará de questão federal.” (Araken, p. 703)

Comentários: matéria de ordem pública não pode ser objeto de omissão, nem ela nem qualquer um dos pedidos, aqui tratado de questão ou matéria, o objeto do processo.

“À afloração dos tipos criados na Constituição basta que questão constitucional haja sido individualizada no pronunciamento impugnado.” (Araken, p. 703).

Comentários: que interessante isso, individualização epistemológica da questão no acórdão quer dizer prequestionamento, perfeito. Melhor será individualização com conteúdo decisório pertinente, mas é interessante como o autor atribui à epistemologia da individualização a natureza jurídica de prequestionamento.

Individualizada a questão constitucional, e, portanto, ocorrendo prequestionamento claro e inequívoco, representará demasia a exigência da explícita indicação do dispositivo constitucional no provimento.” (Araken, p. 703).

Comentários: de novo, ocorre prequestionamento pela tão-somente individualização da questão, sinal de que quererá ela dizer que individualizar é ventilar ou tratar, motes do prequestionamento, com a atenção ao “entendimento” do tema pelo STJ que aí exige decisoriedade sobre a questão, diferente do Supremo.

“Nenhum motivo prático ou técnico depõe contra a condescendente explicitação desta ou daquela regra legal ou constitucional, idêntica ou diferente daquela invocada pelas partes, que, no alvitre do órgão a quo, ampara e subsidia suas conclusões. No entanto, o chamado prequestionamento numérico é supérfluo. Não se confunde com essa exorbitante exigência a de o recorrente indicar precisamente, na petição do extraordinário, a regra ou o princípio constitucional supostamente violado no julgado. Foi o que decidiu a 1ª Turma do STF.” (Araken, p. 704).

Comentários: de novo a coisa da numerologia, para positivistas de plantão que acham que fundamentar é ter um bom artigo de lei. A exigência de artigo de lei vê-se no autor, é exorbitante e supérflua. Muito bom.

“Importa apenas a existência de decisão, no julgado recorrido, a respeito da questão constitucional.” (Araken, p. 704).

Comentários: isso mesmo, prequestionamento “é” existência de decisão, quantum decisório sobre a questão. Se esse quantum houver, há prequestionamento.

“Também se mostra impróprio designar de prequestionamento implícito a eventual ausência de indicação numérica do dispositivo.” (Araken, p. 704).

Comentários: a pá de cal no tema.

                Este texto foi feito rapidamente sem qualquer rigor científico. Claro que a inserção desses dois grandes autores ilumina qualquer texto. Poderei mexer nele mais para frente. Abraços gerais e amor no coração. Não me levem a sério, mas levem o prequestionamento a sério. Sem revisão ainda. Jean Menezes de Aguiar.

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