sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O paradigma Eliana Calmon

Publicado no jornal em 6.9.2011
http://www.jornalodiasp.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=51&Itemid=58


[Judiciário. CNJ. Jô Soares. Chico Anysio. Transparência]

                A juíza Eliana Calmon, corregedora nacional de justiça tem uma personalidade forte. Sua declaração sobre “bandidos de toga” não deixa qualquer dúvida. Nalguns ouvidos isso foi mel, noutros foi picada de abelha. Houve quem se sentisse “ofendido”, e houve quem tivesse a alma lavada. Eliana atirou no que viu e acertou o que viu e o que talvez nem tivesse ideia que existisse. Mas toda depuração é bem-vinda. Viva Eliana Calmon.

                Sempre houve certo tabu em se criticar o Judiciário, porque em primeira ou última análise é-se julgado por ele. A imprensa o poupa, os outros Poderes também. Numa observação sistemática e sociológica isso fica bem nítido. Todos deitam falação aos “políticos”; é fácil falar mal de deputados, senadores, governadores, prefeitos, presidente, afinal eles estão “longe” de uma potencial afetação no plano pessoal. Mas a figura do juiz é um pouco diferente. Ou era.

                Sob essas reservas da crítica ao Judiciário vai sendo tecida uma mentira social à qual matérias jornalísticas, reportagens e imputações contra este Poder são suavizadas. Jô Soares e Chico Anysio, por exemplo, já demoliram pela comédia, políticos, figuras públicas oficiais, generais, delegados e outros tantos. Mas não há lembrança de terem brincado com o Judiciário. Aí se nos aparece Eliana Calmon e, parafraseando Voltaire, se ela não existisse, precisaria ser inventada.

                Longe de representar qualquer brincadeira, a corregedora diz publicamente de sua corporação o que nenhuma corporação gosta de ouvir. É o famoso sprit des corps, o corporativismo que protege e blinda, e não quer que críticas saiam para o público que “se aproveitará” delas. O filósofo Jacques Ellul afirmou no Le Monde: “começo por criticar tudo que me é simpático. Assim, não critico a direita porque não tenho nada em comum com ela, mas a esquerda, onde tenho amizades e afinidades”. A invejável Calmon cumpriu esse importante papel da crítica, falou de sua corporação. E cada um que fale da sua, o quanto queira.

                Críticas à própria corporação só fazem bem, são saudáveis e dignificam uma instituição. O Judiciário não é mambembe a uma fala de Eliana; ele aguenta e deve eticamente refletir. O que não pode e representa um vexame é apressarem-se agoniados defensores querendo tapar sóis com peneiras. Essa atitude é que gera suspeição e, sim, esta, é que expõe uma instituição a olhos críticos de observadores inteligentes.

                Eliana ganha o colo, o respeito e a admiração da intelectualidade. Para virar Cult, agora, é um pulinho, ainda que, obviamente, essa jamais tenha sido sua intenção. Para ser convidada por Jô Soares para uma noitada divertida no programa do Gordo não falta mais nada. Eliana Calmon virou pauta, no jornalismo. Não porque tenha falado mal, não se há ser primário aqui. Mas porque teve uma bela coragem uterina de dizer coisas sérias e responsáveis com um olhar técnico e de dentro, visando a depurar publicamente a magistratura, que é pública, existe sob dinheiro público.

                Mas por que Eliana fez assim, publicamente? Por que pede, nitidamente, socorro à imprensa, à OAB e principalmente à sociedade – quem banca o Estado e pode, com todas as letras, fiscalizar suas entranhas. O Judiciário ganha respeito qualificado com a fala de Eliana Calmon porque se estima que haja ali quem não tema a crítica, até goste; quem não se curve ao politicamente correto de achar que não pode criticar. O coro de apoio à magistrada certamente será engrossado, saudavelmente.

                Que bom seria se cada instituição, as vaidosas, as que se escondem, as que buscam a TV nas investigações e tantas outras, tivesse uma Eliana Calmon para revelar suas situações publicamente. A essência de democracia passa pela publicidade e discussão dos problemas, não pelo disfarce malandro deles. O setor público deve satisfações constantes e a crítica interna é um tipo de satisfação.

                O paradigma Eliana Calmon é um marco. Não por dar de presente manchetes lucrativas à imprensa; não para motivar vinganças primárias de invejosos que gostam de dizer: “– tá vendo?” O caso é que corregedores devem corrigir.  Ainda que isso não envolva, obviamente, escândalos, mas envolve satisfação pública. A campanha de esvaziar o CNJ é conservadora e cínica. Como se ele não pertencesse constitucionalmente ao Poder Judiciário. Querem-no como um filho espúrio. Mas ele está apenas abaixo do Supremo.

                O Judiciário não perdeu com a crítica de Calmon, ainda que com seu jeitão de mãezonha ríspida que se precisar bate corretamente no filho que ama, sem o modismo de que palmada traumatiza. Esta visão de que o Judiciário não perdeu pode ser, reconheça-se, uma visão romântica ou esperançosa, vá lá; que seja. Mas esperam-se novas vozes sérias e firmes a agir na transparência da instituição.

                Talvez, mais degradante do que a mazela e a falcatrua, coisas próprias do ser humano desviado, e esses seres há em qualquer instituição, sejam as tentativas de se encobrir, pelo corporativismo, os erros. A sociedade não quer funcionários públicos assim. Tentar sugerir ou passar a imagem, de que uma instituição é imune, estéril ou isenta de maus profissionais é o que não se quer ouvir. Em tempos de Twitter e informações instantâneas, um corporativismo que não acompanhe o perfil social do consumidor de um Estado honesto, essencialmente honesto, não se sustenta. Mesmo que este consumidor ou sociedade com o seu dinheiro e em sua vida privada não ostente esta honestidade cobrada do Estado.

                Vivas a Eliana Calmon por sua coragem. Atraiu olhos de repulsa suspeitos, mas virou a queridinha de, certamente, a maioria da sociedade brasileira. Eliana Calmon merece um beijo de muitos. E o Judiciário está de parabéns pela escolha de sua corregodora. Que outras entidades saibam fazer igual. Jean Menezes de Aguiar

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