[Texto reservado para concorrer ao Nobel de literatura na categoria profundidade literária]
A verdadeira forma de homenagear a saudade é sentindo-a profundamente, permitindo que ela faça os estragos que quiser.
1. Teoria
A saudade pode ser tratada, ou sentida, sob dois aspectos antagônicos, com alegria ou com dor. Com alegria, brinca-se com ela, ou usa-se seu santo nome para, por exemplo, dar nome à ultima aula de um curso de graduação como Aula da Saudade. É uma forma em que se experimenta a saudade com certa brincadeira, já que o momento é de comemoração. Pouco há ali da corrosão da saudade ou do abatimento que ela pode causar. Já pelo viés da dor, a saudade talvez seja o pior sentimento que exista. Quando a perda de o que se tem saudade é transitória, há uma saudade resolúvel, à qual passa logo que se esteja com o objeto ou a pessoa, mas quando a perda é definitiva a situação fica pior, muito mais grave. Na definitividade aí, abrem-se dois subvieses: o da perda pela conscientização de que o objeto da saudade apenas não volta, ou seja, ele existe, está vivo, mas não retornará, como o grande amor que se foi e simplesmente sabe-se que não voltará; e o da perda pela morte do objeto, a dor do filho que já morreu. A morte deixa uma saudade dilaceradora, porque sua definitividade é física, morreu não tem mais jeito.
2. A emoção
Esta semana alunos me pregaram uma peça séria, ligada à saudade. Convidaram-me para uma Aula da Saudade. Como eu não sabia o que era, fui sem preparar o emocional. Falaram alguns professores antes da aula propriamente dita, sendo que alguns se referiram homenageativamente a mim, o que já iniciou um processo de abatimento na minha pessoa emocional. Depois se referiram às turmas que se viam reunidas num auditório com uma humildade, carinho e amor, além do tom de despedida que agravou o meu processo de pré-morte emocional. Quando me chamaram para falar eu sabia que tinha que controlar alguns fatores naquela situação que se já me era então crítica: 1. falar em público para uma plateia que efetivamente me conhecia há 3 semestres, mas que, todavia, tinha acabado de ser advertida por outros professores que tiveram a gentileza de me homenagear de que eu havia ensinado coisas válidas àqueles professores; 2. não chorar, a partir do momento que tenho um choro barato, vive em liquidação, mais fácil do que para outras pessoas, talvez pela música, talvez por certas saudades que não deixo passarem na minha vida; 3. dizer coisas prestáveis que marcassem, por fim, as vidas daqueles caras de uma forma buscadamente indelével, tanto pela minha responsabilidade pessoal de professor, quanto pela responsabilidade da Instituição que estava bastante representada ali. O fato é que me foi difícil, bastante difícil. Falei o tempo todo com a voz embargada, controlando todos esses fatores aí, com o coração apaixonado por cada um daqueles sujeitos, querendo estar fisicamente em suas rodas, amizades e vidas, abraçando-os e tirando fotos intermináveis com eles, como vejo inúmeras de suas fotos e estripulias e baladas, invariavelmente rindo muito, coisa que efetivamente não vivi no meu tempo de Universidade e que estranhamente sinto que não saiu de mim, talvez não pela sisudez do direito, mas pela poesia da música ou da transgressão liberta e anárquica da filosofia. Gravei toda a minha fala no celular que estava no bolso (por essa vocês não esperavam!). Não sei se fui acadêmico demais, sério demais, rápido demais, não sei se falei coisas que talvez não fossem o ideal para um momento de comemoração.
3. Como disse Charles De Gaulle após vir ao Brasil, “Colatina est le maximum”.
A palavra “saudade” bate diferentemente nas diferentes pessoas, em mim soa como um alerta de algo que possa gerar sofrimento, e tenho um profundo respeito por isso, não um respeito no sentido de manter distância, mas de até querer sua experimentação por sua produzibilidade poética. Com a saudade se escreve, se produz, se compõe e isso faz parte da minha vida. Assim, saudade pra mim é coisa mais que séria, algo que continuará a arder, queimando por semanas. E a saudade que sinto neste momento, escrevendo este texto na volta para casa, na poltrona 4C do voo JJ3131, neste 1º de dezembro de 2011, 5ª feira, é forte. Violei seriamente o mandamento de não me apaixonar por alunos, porque eles “passam”, e nós, professores, ficamos, fixos na Universidade. Apaixonei-me por todos ali e um naco considerável do meu coração ficou lá. Claro que Facebox, Msn e internet facilitam a vida dos saudosos como eu. Claro também que como estou falando de uma certa cidade pequena desse Brasil maravilhoso, Colatina, no interior do Espírito Santo, muito marcada por fatores singulares de carinho e bom convívio que, com a minha continuidade por lá, tenho toda a chance de me envolver numa rodada de conversas e aventuras, agora sem mais o laço de professor-aluno, mas de pessoas soltas no mundo e presas entre si pelo carinho.
4. Mais enrolação.
É claro que este texto vê-se formal, careta e com uma linguagem bem fechada para retratar o carinho e a saudade. Poderia ser um texto mais leve, mas tudo bem. Por outro lado, quis e quero com ele falar de mim, coisa que não faço nos textos outros, aí uma extravagância (muito grande para mim). Não sei se consigo falar muito de mim sem cair em certos defeitos, em certas valas defensivas, mas o fato é que, talvez, uma forma de homenagear esses alunos fosse fazendo algo que evito ao máximo nos meus textos e artigos – falar de mim –. Estou muito acostumado a falar de mim, mas em outro tipo de produção, as músicas que componho com letra. Ali há prenheses e partos, lágrimas cortantes e uma busca desesperadora pela poesia. Mas falar de mim aqui acaba que sendo quase que um texto dirigido a esses alunos, como se eu blindasse este artigo para que somente eles tivessem acesso. Mas não quero isso. Quero que eles se sintam publicamente homenageados por mim, pode ser uma forma boba de homenagem, mas é a que pensei para eles. Essa a explicação da excepcionalidade de eu falar de mim.
5. Afe, tinha que filosofar.
A filosofia me ensinou a ver a vida de uma forma interessante, com certas leituras. A primeira delas é que tudo passa, inclusive com a morte. Sempre me angustiou muito ver, nos estudos biográficos, toda uma existência humana ser sintetizada entre parênteses com apenas dois numerais, o ano de nascimento e o de morte de alguém, Einstein(1879-1955). Quando o cara está vivo fica um traço “esperando” sua morte para ser completado, Barack Hussein Obama (1961- ). Pô, fala sério, que que é isso? Sabemos que tudo passa, mas não precisava desse hífen de agouro. Outros dirão que é o hífen da sorte, pois o sujeito está vivo. Tudo bem. O fato é que essa síntese mostra a redução máxima que uma vida pode admitir, sua marcação temporal e histórica de nascimento-morte, sem qualquer juízo de valor ou qualquer realização que aquela pessoa fez. A segunda é que durante a vida perdemos coisas valiosas, amores, parentes, amigos. Adoraríamos não perder, mas viver é aprender a perder. É claro que ganhamos e temos momentos deliciosos, mas parece que as perdas marcam de uma forma apenas diferente. Quem não aprende a perder se descontextualiza, ou até se mata, são as tragédias pessoais de quem “vive”. A terceira é que as pessoas recebem as coisas que dizemos de formas totalmente diferentes umas das outras. Esta semana recebi um e-mail comparando a pessoa pró-ativa com a pessoa reativa. O pró-ativo recebe bem as coisas, isso é da sua natureza, o reativo busca implicar e não aceitar coisas que, às vezes, lhe são dadas com gentileza ou carinho. Mas as pessoas “são” assim, e isso é difícil de mudar. Há alunos assim em todas as escolas, os que desde o primeiro dia se encantam conosco, e temos os que reagem, olham de esguelha. A arte será ter que se dar com os reativos, e bem. Os que se encantam com a gente são-nos pessoas fáceis, eles apenas nos adoram como nós os adoramos. Os reativos às vezes impedem que o nosso amor chegue a eles, por uma conduta prévia deles em não querer o nosso amor. Eu sempre disse que o professor é ou deve ser um “bem intencionado”, mesmo com todo o tônus crítico que possa ter. Sua relação com o alunato é uma relação de amor, de doação e trans-formação. Tenho que parar neste momento, avião pousando.
6. Até que enfim.
Bem, é isso, não falei nada que preste mesmo né?, to só enrolando pra não falar como eu adorei e amei a aula da saudade e a festa. Descobri que sou carente disso. Podemos fazer uma aula dessas por ano, e aí vão entrando advogados, juízes, delegados, deputados, prefeitos, foragidos (abafa..., tô zoando!!!), estrangeiros etc. Aí também começarão a aparecer os filhos da CB, ou seja, os namorados casaram e “produziram”, ou não casaram, apenas produziram, sei lá... Mas que foi bom foi, a entrada triunfal da namorada de Napoleão, fantasiada de Westinghouse (aquela cantora que morreu, era da fábrica de geladeiras não é?) – cabelos e maquilagem– foi simplesmente divina, o churrasco, bem, quer dizer, é, tá bom, churrasco de aluno é assim mesmo, já aprendi, pratinho de plástico e garfinho idem, se não dá morte, a lambada-forró-sertanejo-saudade que rolou, e até o “convite”. Bem, quando o salão ainda tava bombado os caras vieram e disseram, mestre vamos pro Troulewns, ou um nome parecido. Àquela altura, depois de algumas cervejas, algumas wyborowas e algumas orloffs (repare que a coisa oscila, sobe e desce), só podia dizer sim. Aí entrei num carro que juro por Deus que não sei de quem era e fomos. Acho que atravessamos a ponte (acho!!!). Aí, o que era o Trowlleyns (já mudou de nome)? Adivinhem – era um meigo e inocente posto de gasolina. Sim, este estabelecimento pós-moderno feito para baladeiros juniores, garotos de 18 anos (no máximo 19) durangos vão para beber em pé, com um monte de homem, poucas mulheres e som de carro alto (mas nada como o Diploma na mão, daqui a 2 anos tá todo mundo de carrão, mansão, mulherão –ou homão- e dinheirão). Em SP é assim - só homem, mas em Colatina sabemos que é diferente, abafa, deixa quieto-. Aí eu, euzinho em pé no posto com um aluno, gente finíssima da melhor qualidade, “revelando” que era da PM, fato que ele guardou a 7 chaves (pô, e eu adoro a Gloriosa!); o outro caindo de cara no chão, acho que é o... não sei, e um bando de marmanjo do meu lado. Ou seja, enquanto que na festa havia beldades para dançar com nós, simples homens mortais, no posto ficamos olhando a lua e sendo observados pela Gloriosa local, que devia se perguntar: o que o pai daqueles garotos tá fazendo aqui a esta hora na rua? Bem, eu nunca fui pra posto de gasolina (e adorei...). Quando tiver mais postinho, podem contar comigo. Fora a zoeira, foi tudo perfeito, sem qualquer senão, sem qualquer acidente ou falta de educação. Aí acabei a noite na suíte presidencial do querido e inigualável Pleno International Hotel e apaguei. A rapaziada é simplesmente inesquecível. E se eu não podia me apaixonar por vcs enquanto vcs eram alunos, agora tão ferrados, porque não são mais, e agora eu posso, ouvi um boato que vai rolar um churras uma vez por semestre, é verdade? Bem, de qualquer jeito, encontraremo-nos na pós-graduação. Aí eu me vingo de vcs. Beijo nas lindas, abração na marmanjada. Saudade de vcs que fazem de muitos de nós, professores, a vida valer à pena e esquecer que a vida anda. É o meu caso. Jean Menezes de Aguiar.