sábado, 16 de junho de 2012

Mulheres e palavrões


A boca


Atenção: o texto contém palavrões, não é recomendável para pessoas assustáveis ou ofendíveis.
 

Podem ser arrolados 7 motivos reais para a mulher não falar palavrões. 1) a educação sulamericana e patriarcal imposta a ela; 2) a sociedade machista a lhe acostumar à diminuição, inclusive demandando leis formais com finalidades compensatórias para proteção contra agressões físicas; 3) uma tendência regressiva de virginização com a praga rosácea do hello kitty e sua infantilização mental em mulheres mais que adultas, numa talvez disputa de espaço com filhas ou verdadeiramente virgens; 4) a fuligem social do “politicamente correto” e seu patrulhamento por tudo que possa ser passível de implicância por partes de pessoas que se arvoram em vigilantes da moral; 5) praticamente toda a publicidade feita com bonequinhos e desenhos animados infantis, até para vender automóveis ou antibióticos, ou seja, a sociedade compra infantilidades na leitura dos intelectuais da publicidade; 6) a renúncia da inteligência, da criatividade, da genialidade e do poder pessoal com a invenção desse “mundo corporativo” que abomina livros e saberes pesados como a filosofia, a sociologia, a antropologia, a história e outros, para se dedicar a apostilas, treinamentos, cases e  literatura “como” - auto ajuda (como trair seu chefe sem ser flagrado, como trair seu marido sem ser descoberto, como passar a empresa para trás sem que saibam etc.) uma leitura tipicamente hora-do-recreio, “divertida”, bem facilzinha; e por fim 7) uma forte crença pessoal feminina (subproduto nítido da educação peniana da sulamérica), assolando muitas mulheres no sentido de que “não fica bem” mulher falar palavrão.

 Percebem-se aí vieses, direta ou indiretamente de infantilização, educação castradora, machismo e insegurança. Entretanto, um menu assim talvez “vitime” as vitimáveis, ou seja, as mulheres susceptíveis a essa formalização imposta de personalidade, ou que não percebam o próprio incômodo com essa formalização que não lhe diz respeito originariamente e, desgraçadamente, não “têm como” reagir. Entretanto, é óbvio que há mulheres que sempre reagiram com elegância, ou sem, e personalidade e cuidaram para manter a boca limpíssima, e recheada de palavrões.

A mulher quando dá para ser cômica é uma delícia. Talvez pelo fato de os pós-chimpanzés machos de gravata e paletó terem dificuldades com uma mulher contando piada ou soltando um palavrão uterinamente profundo e, claro, pela graça feminina. Esse modelo de homem sempre temeu a mulher solta, resolvida, absoluta, que não precise pedir autorização à estrutura peniana que costuma pagar a sua alimentação em restaurantes para ser o que quiser, inclusive descaralhada nos palavrões. Nem se discuta o “desconforto” que certos homens têm de falar palavrão. E não adiantam, esses, darem de ombros dizendo - ué eu falo, quer ver? - “merda”, pronto, falei. Não é isso. Falar palavrão não é uma resposta probatória para se mostrar que se “pode” falar. Essa resposta não prova nada.

Uma explicação se faz necessária. Não se defende aqui que palavrão seja um “valor” obrigatório para a mulher; que toda mulher tenha que falar palavrões e a mulher que não falar será fraca ou insegura. Há mulheres poderosas que não “precisam” de palavrões ou optam por não falar. Mas as poderosas também se mostram por contornos muito nítidos (é impressionante como o poder pessoal está cada vez mais raro nessa sociedade "levinha"). Palavrão é gosto, e gosto não se discute, talvez lamente-se. Particularmente, acho bonito mulher ensandecidamente desbocada e sem pudores com a própria boca. Ainda, o palavrão feminino é uma situação que serve para revelar como certos homens se assustam, e recriminam a mulher, já que palavrão de outros homens eles não se “queixam”. Começam recomendando, com um riso nervoso, que “não fica bem” mulher falar palavrão, até carimbá-la de “bocuda” ou de boca suja, já num juízo que tenta psicanaliticamente sujar a mulher, imprestabilizando-a socialmente.

Todas essas comparações e análises são primárias, mas talvez contenham alguns indicativos sugestivos. Há as mulheres comportadas; as esforçadas; as obedientes; as preocupadas; as boas-moças; as de família; as que perguntam “o que vão pensar de mim?”; e as que apenas não falam palavrões (talvez muitas das primeiras vão querer “ser” estas últimas, dizendo que apenas não falam palavrões). E há as desbocadas, as que mandam tomar no cu, com uma pronúncia dolosamente lenta e muito bem nutrida. As comportadas se “defendem” justificando que não fica bem, que não gostam de palavrões, que são educadas, que não é de bom tom etc. Já as desbocadas parecem não se preocupar com construir uma explicação, apenas falam o palavrão e apertam o botão do “foda-se” para o mundo. Essas são sedutoras. Jean Menezes de Aguiar.


ANEXO.

O doce H. L. Mencken sobre bagagem mental, homens de negócio e mulheres, que “enxergam tudo, com olhos brilhantes e demoníacos”.

“Toda bagagem mental do empresário médio, ou mesmo do profissional médio, é desordenadamente infantil. Não se exige mais sagacidade para se levar adiante a conduta diária do mundo ou desejar as doses habituais de burrice em nome da medicina e do direito do que a de dirigir um táxi ou pôr um peixe para fritar.”

“Os gênios dos negócios eram homens vigorosos e masculinos, o que os tornava bem-sucedidos num mundo masculino. Intelectualmente, eram cartuchos de pólvora seca.”

“A advocacia exige apenas um arsenal de frases ocas e fórmulas estereotipadas, além de um torpor mental que põe esses fantasmas acima do bom-senso, da verdade e da justiça.” Por isso as mulheres não se dão bem aqui, mas como enfermeiras, “uma profissão que requer engenhosidade, raciocínio rápido, coragem diante de situações desconhecidas e desconcertantes e, acima de tudo, capacidade para penetrar e dominar seu caráter.”

“O homem de baixo nível nunca tem total confiança em sua mulher, a menos que seja convencido de que é inteiramente desprovida de suscetibilidade amorosa.”



sexta-feira, 15 de junho de 2012

"Afinal de contas, disso eu entendo"





                        O argumento de autoridade é um nojo. No caso do título, uma jactância apoiada numa vontade de fazer o outro capitular subjetiva e arrogantemente a si próprio. A frase é tirada de Adorno e Horkheimer (Dialética do esclarecimento), quando discutem os judeus, no sentido de que, no momento que precedeu a era hitlerista, pareciam ter resposta para tudo, invocando uma pseudo sapiência pessoal que não contribuiu em nada para nada. Por isso os famosos autores disparam “Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente”, no sentido de os judeus negarem, com “argumentos bem fundamentados” as chances de Hitler chegar ao poder. Essa “superioridade bem informada”, como falam os autores, em verborragia pessoal exteriorizada pelo “afinal de contas, disso eu entendo” construíam statements (enunciados) tão sólidos que intimidavam, e, com essa funcionalidade da intimidação pelo conhecimento, viam-se inteiramente falsos, um subproduto de uma tal vontade do conhecimento.

Antes que se apresse em xingar a análise de Adorno e Horkheimer de uma panaceia racista (völkisch, na linguagem original deles), há se tirar lições importantes para o manejo do conhecimento, principalmente um conhecimento facista que busca vencer pela opressão de uma inteligência fabricada que esconde uma violência em não dialogar, mas buscar apenas a derrota do outro. Como advertem os autores “Não é fácil falar com um facista. Quando o outro toma a palavra, ele reage interrompendo-a com insolência. Ele é inacessível à razão porque só a enxerga na capitulação do outro”. E não se pense que apenas, no caso, os hitleristas eram “facistas”, estes sê-lo-iam buscando a dominação pelo poder primário da força, disfarçada de convencimento. Conseguiram, boçais, por um tempo. Mas há os facistas pela moeda do conhecimento, buscando a dominação “sofisticada” do saber fabricado de plantão, quando usam o argumento de autoridade. Se a opinião “não pensa, pensa mal”, e precisa ser “destruída” como ensina Gaston Bachelard (A formação do espírito científico); o argumento de autoridade é menos passivo, menos modesto, mais jactancioso e visivelmente mais bélico e arrogante. É claro que no mercado da imbecilidade, compra essa tralha mental quem quer, mas ela ainda faz inúmeros estragos na crença de que o conhecimento possa valer por um argumento vaidoso e autoritário como esse. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Falar em tese no Facebook é tabu?

Com gente chata faz-se igual à baleia: mergulha gostoso e não se está nem aí...

 Artigo publicado no Jornal O DIA SP em 14 de junho de 2012

                O patrulhamento atual, esse “chatissimamente correto” está um saco. Pessoas vivem vigiando o que as outras falam, escrevem, pensam. Não se pode mais ter opinião. O sujeito cisma de querer ser seu “amigo” (só rindo...) no Facebox, você não pediu nem convidou, apenas “aceitou”, e qualquer coisinha mais estranha que você fale pronto. Vem o mala alegando que o seu discurso é “desrespeitoso” ou ofensivo. Quando se fala em certas áreas, ainda que totalmente em tese, sem indicar ou sugerir ninguém, alguém pula da última fileira e patrulha o texto, alegando mágoa e “ensinando” que não se pode falar o que quer. Será que não se pode, no “seu” espaço? Lidemos com alguns exemplos famosos de liberdade de expressão para tentar melhorar o nível. Há menos de um mês publiquei aqui na coluna algo semelhante sob o título Ofendíveis.

                O grande Gilberto Freyre, Casa grande & senzala, 4ª ed., 1943, 1º v., p. 90, se refere ao então ditado popular da época; “Branca para casar, mulata para f...., negra para trabalhar”. Quem lê a frase solta pode “estranhar”, mas o contexto é bastante sedutor. Uma coisa é o que está dito. Outra é o contexto em que o dito está. Uma pessoa mal intencionada detratará a frase, rápido, fácil. Uma honesta procurará, inteligentemente, o contexto. Estas últimas são, infinitamente, as melhores.

                Isaac Asimov, Antologias, 1, p. 199, sobre a densidade de discurso que só busque agradar dispara: “Qualquer acréscimo de tempero ou substância ofenderá a alguém e ocasionará perdas. Resulta daí uma papa insossa, não porque ela agrade, mas porque não corre o risco de desagradar.” E sobre os intelectuais da publicidade se preocupar com isso “deve lhes provocar gargalhadas de desprezo”. Repare que o “tempero” e a “substância” aparecem como geradores de “ofensa”, ou seja, tudo precisa ser levinho, superficial. Haverá quem opte por um discurso-papa-insossa, o que não será o caso, por exemplo, de um filósofo como Alain Touraine que ensina: "O intelectual não é um legislador, mas um agitador”. Ou de um ácido H. L. Mencken, O livro dos insultos , afirmando que na religião e na poesia tudo está assim “desde que o 1º gorila avançado vestiu cuecas, franziu a testa e saiu por aí dando conferências”.

                Fala-se “em tese” quando não se especifica ninguem, e ninguém deveria “avocar” se sentir ofendido. Não há temas tratados “em tese” proibidos. A menos que em pleno século 21, com liberdade de expressão garantida haja “tabus”. Podem ser incesto, aborto, religião, prostituição, drogas, fé, Deus, crianças, advogados, políticos, qualquer tema é possível de se discutir. Qualquer tema admite crítica, opinião, discordâncias. O defeito será o patrulhamento, sempre farisaico.  

                O espetacular livro de Rui Castro, O melhor do mau humor, é um repositório de frases as mais cínicas e impiedosas sobre todo e qualquer tema. Garante ótimas gargalhadas, não para os chatos que patrulham. Não pode, por um exemplo absurdo, a OAB querer se insurgir contra o que figuras mundialmente conhecidas falam em frases do advogado, num livro como o do Rui Castro. Nem a balela primária e politicamente correta de que “não se pode generalizar”. Telenovelas, por exemplo, têm enfrentado corporações ciumentas, e com surtos de imbecilidade, quando criticam um personagem. A associação nacional de não sei quem se insurge se um “personagem” é retratado negativamente. É patético isso. Por esssa “lógica” obscurantista não poderia mais haver filmes porque qualquer um, policial, advogado, juiz, político, médico, padre, ligado a uma associação poderá se sentir “ofendido” com a história inventada no enredo de arte.

                Seria o fim das liberdades artísticas e de expressão. Alexandre Pires e Neymar tomaram umas e se fantasiaram de chimpanzé; pronto. Foram ordeiramente enquadrados por um chato de plantão. Quanto autoritarismo e falta de genialidade nessas “autoridades” cheias de moral e civismo, querendo “investigar” racismos.

                De novo, cito o filósofo Lou Marinoff, Mais Platão, menos prozac, pág. 70: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema.” Em épocas assim, rolando solto o preconceito, o ato de pensar - não sendo a “papa insossa” de Asimov -, como um agitador de Touraine está ficando ridiculamente perigoso. Voltaire já ensinava: “o segredo de aborrecer é dizer tudo.” Mas será que da época de Voltaire, que precisou fugir duas vezes da França por perseguições à sua intelectualidade deliciosamente debochada, nada mudou? Pois é, a goma do formalismo está escondendo navalhas para serem usadas como vinganças, mesmo entre “amigos”.

                “Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”, já disparava o agora eleito cientista do século Albert Einstein, cansado de tanta interpretação maldosa e errada a seu respeito. A minha bonita Roberta outro dia copiou de algum lugar e postou no Facebox dela uma brincadeira sobre religião. Bastou isso para uma amiga de infância pular e acusar a bobajada do “desrespeito”. O entrevero durou 3 minutos e a “amiga” encerrou a amizade. De amizade isso tem “pouco”. O mesmo consumismo boçal que está fazendo filhos matarem pais, e esposas esquartejarem maridos, está causando esses faniquitos e pitis.

                Falar em tese não é nem juridicamente ilícito, nem moralmente reprovável nem inteligentemente feio. Agora, para pessoas “burrinhas” (sei que não posso falar essa palavra sem ser no diminutivo, os chatos pulam) qualquer coisa será um pé para considerarem um “desrespeito”. A sorte é que há pessoas muito mais inteligentes e geniais que nós para nos dar colo. E um colo é uma delícia. Mesmo um colo devasso de um intelectual que nos xingue à vontade, mas honestamente, e não nos patrulhe de uma forma safada. É por isso que Michael Ghiselin dispara: “Arranhe um altruísta e verá um hipócrita sangrar”.

                O patrulhamento, o cerceamento, a vigilância temática são formas hipócritas de se tentar calar o discurso “em tese” sobre um assunto. São, essas mazelas, atreladas a alguma moral de plantão e à suposição de que se pode fiscalizar a opinião do outro. Essa grosseria ou autoritarismo filosóficos não deveriam ter mais vida em pleno século 21. Quem “se sentir” difamado por qualquer coisa que contrate um advogado. Se for um problema de “mágoa”, pode cancelar a amizade. Se for um contorno psicanalítico, como referido por Marinoff, que procure um divã. David Levy e Helena Masseo de Castro são grandes profissionais de divã. Está feita a recomendação e assunto encerrado. Jean Menezes de Aguiar.

domingo, 10 de junho de 2012

Adorno, Feyerabend e algum relativismo

Theodor Adorno


Deve ser um "alento" (se é que há esse necessidade filosófica) para cientistas (básicos) encontrar em Adorno (Dialética negativa) a "relativização" do relativismo infinito, pós-desconstrutivista (nada que ver com Derrida) e para-anárquico de Feyerabend, conquanto algo sedutor, admita-se. (Adorno não se dedicou a Feyerabend, é anterior, claro, mas talvez se consiga essa leitura futurizada). Nem Adorno pode ser acusado de elitista de forma simplista como se ouve nalgumas sedes, nem Feyerabend conseguiu desconstruir a razão e outras sedes (nem sei porque comparo isso, talvez um toque ínfimo de objetos possa haver). Passagens de Adorno como "A dialética opõe-se tão bruscamente ao relativismo, quanto ao absolutismo" e a construção de se "reconhecer o relativismo como uma figura limitada de consciência" expõem, numa leitura rápida o inverso de o que o relativismo sempre propugnou e costuma ser associado: à não oclusão. Mas há um "fechar questão" interessante e talvez adornianamente defensivo deixando tudo e qualquer coisa aberto. É como se  no relativismo houvesse a limitação pelo não atingimento ao dado minimamente "correto" [desabstrativizado]. Talvez por isso Adorno discuta o relativismo sociológico de Mannhein, como "o que flutua livremente", mas nada é "livremente" (!), em conjunto com o hermetismo do ceticismo burguês incorporado pelo relativismo. É interessante a forma de ceticismo imposta pela relativização; ela não é não cética, mas espuma um ceticismo no seu próprio avesso: o que não obedecer a esse relativismo ser-lhe-á [ou será] imprestável. Aí uma forma nítida de prepotência.
A pós-modernidade, em alguns cantos, tem imposta ou querido impor essa relativização desajeitada de que tudo pode. Feyerabend empolga, admita-se, mas "algum" retorno a Adorno é um "novo" ar, e sempre um porto seguro. Que paradoxo interessante. Jean Menezes de Aguiar.