sábado, 3 de março de 2012

Todo mundo é isento nas análises?

O lindo e amado Gaston Bachelard, pai da epistemologia e fazedor de tantas cabeças pelo mundo


Uma ova! Todo mundo diz que é, jura, garante, promete, afirma, faz cara de sisudo, mas não é mesmo. Isenção é treino, hábito, costume e muito estudo. Isenção é exercício filosófico. E adianta-se logo, isenção absoluta nunca existiu. O racionalismo, o positivismo, o objetivismo, o cartesianismo nunca concluíram a promessa da isenção absoluta. Aprende-se na antropologia que homem é naturalmente um poço de impressionamentos, valores, conceitos concebidos e preconcebidos, olhares, leituras, interpretações, sentimentalismos etc. Mas isso não afasta a “possibilidade” da isenção ou de no mínimo alguma e ótima isenção.

A filosofia parece ser o repositório central dos ensinamentos à isenção. E dentro dela, a metodologia científica será sua rainha. As passagens são inúmeras, e todas elas didáticas. Dominique Folscheid e Jean-Jacques Wunenburger, na obra Metodologia filosófica, já no prefácio ensinam que a filosofia desde sempre foi uma “atividade do espírito que pede que suspendamos as opiniões imediatas, que nos mantenhamos afastados das discussões espontâneas, na medida em que estas só nos remetem a nossos preconceitos e a nossas crenças irrefletidas.” O problema é que somente uma parcela muito pequena da sociedade “vive” sob essa diretriz então pessoal do rigor com a atividade do espírito. Mas há que se reconhecer que encontrar um desses assim, é um gozo intelectual.

Todo mundo “tem” opinião sobre tudo. Mas a “opinião” na filosofia sempre foi considerada como um nada imprestável. Gaston Bachelard, no livro A formação do espírito científico, p. 18, ensina que “A ciência opõe-se absolutamente à opinião... A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessidades em conhecimento...  Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser superado”. Também Isabelle Stengers, na obra Quem tem medo da ciência?, p. 127, dispara: “A razão científica avança quando diz não à opinião.”

É claro que a vida “em” ciência ou filosofia pode ser considerada como diferente da vida popular, social, prazerosa, familiar, amistal, de ruas e bares, onde a emoção, o amor e a alegria deveriam imperar. Mas também é claro que alguns fundamentos, apenas alguns do asco da ciência e da filosofia à opinião, poderiam ser pensados por muitos, não no sentido do cerceamento da opinião, mas apenas num maior cuidado, frente à loucura e delírio que assola a muitos que “opinam” sobre tudo e qualquer coisa com ares de autoridade, numa perda de isenção e equilíbrio de gargalhar. Algo bastante próprio dos imbecis, mesmo que "titulados".

Além da opinião, a isenção trabalha naturalmente com a possibilidade do erro. O erro é das coisas mais valiosas que há porque dá a certeza de que o lugar ou a teoria que se supunham ser certos, agora sabem-se errados. Isso é avanço e progresso. Algumas passagens ilustram a imprestabilidade do erro:

“A ciência progride corrigindo os seus erros, não faz segredo do que ainda não compreende.” [(DAWKINS, Richard. Desvendando o arco-íris: ciência, ilusão e encantamento. São Paulo: Companhia das letras, 2000 p. 54). (Zoólogo).]

“É verdade que os cientistas, mais do que, digamos, os advogados, os médicos ou os políticos, ganham prestígio entre os seus pares ao admitir publicamente os seus erros”. (DAWKINS, Richard. Op. cit., p. 54.)

 “A ciência prospera com seus erros, eliminando-os um a um.” [SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Cia das letras, 1996, p. 36 (astrônomo).]

“O problema do erro nos parece mais importante que o problema da verdade; ou melhor, só encontramos uma solução possível para o problema da verdade quando afastamos erros cada vez mais refinados.” [BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. (Químico – tese de doutorado, 1928)


Por fim, no estudo da isenção, além da opinião e do erro, há o subjetivismo. Pensamentos encharcados de subjetivismos, experiências pessoais, percepções podem valer como leituras, por exemplo na antropologia, mas há que se ter o maior cuidado com esses “impressionamentos”.

No estudo da teoria dos quanta, feito por Karl Popper, é encontrada uma relação derivativa ilógica entre subjetividade e objetividade, ainda que estudiosos e fundadores da teoria das probabilidades, Jacob Bernoulli e Siméon Denis Poisson, o tenham defendido. É por isso que Popper dispara: “Durante muito tempo pensou-se (e há ainda muitos matemáticos e físicos eminentes que o pensam) que podemos partir de um sistema de premissas probabilísticas interpretado subjectivamente e deduzir dessas premissas subjectivistas conclusões estatísticas objectivas. Trata-se, porém de uma asneira lógica grave.” (POPPER, Karl R. A teoria dos quanta e o cisma na física – pós-escrito à lógica da descoberta científica. Vol. III. Lisboa: Dom Quixote, 1989, p. 80.

Toda essa tralha teórica e o itinerário feito a partir dela visa a alguma construção de que a isenção ao mesmo tempo que é uma falácia, como diria Paul Feyerabend, é uma busca que se deve ter. Mas isso requer espírito científico. Opinar, berrar, falar, discutir tolamente é muito "fácil". Mas sopesar pacientemente valores, conceitos e objetos de análise é que se ensina na metodologia científica, ainda que muitos de nossos alunos a vejam como insuportável, numa desejância consumista própria da sociedade da pressa, do consumo e do gozo, só ele. Preocupa-me a minha comunidade no velho Orkut com quase 4 mil pessoas chamada Metodologia Científica, agora que tudo é Facebox, o que faço com ela? Se alguém tiver uma “opinião” legal será muito bem vinda. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Inventário inteligente



A flor, a herança cultural mais poderosa, o amor.
Gente inteligente deixa herança sem briga. A outra gente deixa com briga. É claro que essa divisão é grosseira, mas o princípio talvez não esteja errado: advogados vivem isso por profissão. Grandes fortunas são divididas sem qualquer mal estar, em famílias que previnem problemas. Antecipam acordos e deixam o maior tesouro de todos: laços sólidos e ternos. Pessoas inteligentes sabem que herdeiros podem se desentender, mesmo, e tratam de deixar tudo claro, definido, costurado e sem dúvidas. Quem vai discutir a vontade do pai ou da mãe?

                Herança sempre foi, historicamente, uma causa potencial de discordâncias. Mesmo até entre parentes harmoniosos. Muitas vezes, com o crescimento da família e do patrimônio, filhos, noras, cunhados, genros e companheiros não conseguem manter a harmonia de sempre e aparecem “interesses”. O jurista Narciso Amoros já ensinava: “Onde há homens há interesses; onde há interesses há conflitos; onde há conflitos surge a necessidade de compô-los.” O ideal é que o conflito não chegue a surgir, mas para isso medidas preventivas efetivas precisam ser tomadas. Se houver litígios uma coisa é certa: quem ganha são os advogados.

Para muitos, o momento da herança é a única vez na vida à qual terão acesso a um patrimônio. O efeito psicológico disso no padrão ético de alguns, como mostra a experiência, é surpreendente; e devastador. Pessoas que sempre se mantiveram honestas, às vezes aparecem do nada com ideias auto-favorecedoras, para espanto de muitos.
               
                Com a crise ética na sociedade e a inauguração do consumismo, padrões de honestidade, brio, caráter e gentileza foram para o ralo. Muitos fingem uma compostura, mas quando chega na hora agá, a máscara cai.

                A experiência advocatícia já mostrou mãe ou pai querendo ludibriar filhos. Irmãos, tios e todo tipo de parentes e afins também já quiseram levar vantagem. Basta entrar dinheiro. As famílias, historicamente, mudaram muito. Antigamente, por exemplo, um tio possuía poder sobre o sobrinho para repreendê-lo. Essa relação de boa autoridade entre tio e sobrinho era típica de uma superconfiança amorosa familiar. A família era coesa. Atualmente, se uma tia brigar com o sobrinho, a cunhada é capaz de romper relações e se mostrar ofendidíssima. Afinal, como alguém na Terra pode corrigir o bambi da mamãe? Essa crise no parentesco colateral é bem pós-moderna.

                A cultura da família coesa embalou a geração do Pós-Guerra pela necessidade de laços fraternos e juntivos à barbaria. Eram “obrigatórios” e deliciosos os almoços de domingo. Mas isso hoje parece não descer nem aos irmãos, quanto mais sobrinhos e netos. A pílula (maior revolução social do mundo), a união estável, o homossexualismo e os direitos iguais revolucionaram o conceito de família, esgarçando-o. No Brasil, o machismo legal só acabou em 1988 com a Constituição. A chamada família pós-moderna – mesmo seus núcleos – está quebradiça, autoritária, formalista, mas sobretudo emocionalmente fraturada.

                Esta família pós-moderna quando num inventário judicial tem muito mais propensão a criar fervuras no relacionamento. Consultores jurídicos seniores são cada vez mais necessários para orientação inteligente e preventiva da herança, do testamento e do inventário, sem o emocional envolvido e com o conhecimento preciso e correto. O direito é sábio e os séculos já mostraram como e porque as famílias se desentendem. Também, o direito prevê tudo, além de não ser preconceituoso. Quem é preconceituoso é o homem. A lei e o direito dão apetrechos prévios para que uma família não tenha desentendimentos num inventário. Outra coisa será as pessoas quererem usar estes mecanismos inteligentes.

                Mas por que pessoas “evitam” o tema de herança? Não é porque achem que nunca vão morrer. Há diversas causas. 1) não se gostar de discutir morte; pessoas supersticiosas evitam o tema. 2) não querer abrir o assunto por parecer que herdeiros em expectativa estão de olho na futura herança. 3) já há alguma fonte de problema, ainda que disfarçada, e o responsável quer deixar que aquilo exploda quando ele não estiver mais vivo. São inúmeros os motivos.

                O fato é que não cuidar preventivamente da herança, pode permitir brigas que nenhum pai, mãe, avô, avó, tio ou tia desejaria. Como o conceito de “justiça” é maleável, cada herdeiro poderá inventar – o termo é esse mesmo – uma interpretação que lhe satisfaça para proteger um interesse próprio. Não se teoriza aqui um “final dos tempos” da família, em que todos sejam desonestos. Nada disso. Mas cada vez mais desavenças pontuais vêm surpreendendo clãs inteiros. A família pode ser comparada ao trânsito das cidades. Ele está agressivo? Pois é, mas ele é composto de pessoas, e pessoas compõem as famílias.

                No menu da “lógica” de cada pessoa, há infinitas “interpretações”. Alguém vai dizer que é de justiça ficar com um imóvel porque “afinal de contas” já reside nele; ou porque “afinal de contas” benfeitorias foram feitas nele; ou porque “afinal de contas” é o parente mais pobre; ou porque “afinal de contas” é o parente que melhor tem condições de cuidar daquele imóvel; ou porque “afinal de contas” as crianças já se acostumaram ali e seria um “pecado” desalojá-las de lá; ou porque “afinal de contas” era o que “no fundo” o papai ou a mamãe queria, e por aí vão infinitamente os cínicos “afinal de contas”.

                Ainda bem que dinheiro admite divisão em centavos, e a lei já conhece todos os disfarces. Por isso existe o instituto da “colação” que já foi objeto de um artigo aqui, há tempos: o filho que recebeu dos pais um bem ou valor adiantado deve, no inventário, computar o valor atual para gerar equilíbrio com o outro filho. Deve “colacionar” o bem, trazê-lo ao inventário, para que o irmão não fique no prejuízo. É o óbvio. Além de ser uma obrigação legal. Mas às vezes irmãos são passados para trás. O valor da colação de um herdeiro discretamente malandro não é corretamente corrigido ou é computado como valor histórico etc.

                O pior cego é o que não quer ver, diz o ditado popular. Ou no caso prever. Acreditar que herança não tenha como dar problema numa família é inocência. É claro que muitas famílias mantêm-se com elevado e belíssimo padrão de honestidade e ética. Mas até para estas, o que custa “prevenir”? A prevenção “ofende”? Se alguém resiste ao “preto no branco”, ao transparente, ao ético, é porque pode ter interesse no escuso e no desonesto. Folha de papel aceita tudo, até grandiosos e belíssimos acordos.

                A prática advocatícia em consultoria de heranças e testamentos consegue ótimos e inteligentes resultados. Inclusive sem utilizar inventário, mas outra figura que o substitui, chamada “arrolamento”, uma forma judicial muito mais simples e barata cabível em muitos casos. O Código Civil de 2002 contém todos os instrumentos para que pessoas organizem com segurança e equilíbrio o futuro do patrimônio e a harmonia da família, impedindo desavenças. Essas são as pessoas inteligentes que deixarão inventários inteligentes, calmaria na gestão da herança e harmonia entre os herdeiros. O amor eterno na família precisa de um bom gestor, inteligente e inesquecível. Jean Menezes de Aguiar.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Todos riem, menos um.




Professores costumam reparar alunos que têm problemas e saem do padrão da turma. A um gracejo que 90% dos alunos riem, outros 9% sorriem discretamente e míseros 1 ou 2 alunos mantêm a cara premeditadamente fechada como se estivessem zangados, há uma fotografia “interessante” aí. É óbvio que as "palhaçadas" de professores não precisam alcançar a tal da unanimidade, mas se a cena descrita no início do texto se repete 10 vezes em 10 momentos diferentes, não serão as brincadeiras que são “ruins" nem todos os 99% da turma que são patetas, mas a cabeça do esquisito de plantão que precisa passar por um conserto, rs... Isso quando é consertável.

O que se retrata aqui é descrito com perfeição pelo filósofo clínico Lou Marinoff, na obra Mais Platão menos prosac: “As pessoas que procuram se ofender sempre encontram motivo para isso; consequentemente, são elas que têm um problema”. Assim, por exemplo, quando um funcionário da polícia ouve uma piada sobre a “sua” instituição e “problematiza” disparando uma zanga preventiva para todas as próximas brincadeiras, fechando a cara e pensando que não admite graça com a entidade, fica claro que o problema está nele, não nos ouvintes outros, ou no elaborador da brincadeira.

Em turmas de direito isso alcança ares de esquizofrenia, porque muitos do mundo jurídico acham que não podem ser alegres, felizes, gargalhar e se espalhar de uma graça momentânea, uma piada ou uma pilhéria que se faça, em típica falta de segurança e personalidade. É a síndrome de que autoridade não ri. (E quem é autoridade?).

A empatia estudada pelo biólogo Franz de Waal (A era da empatia), originariamente nos grandes primatas e depois “trazida” para a humanidade é um valor maravilhoso nas relações humanas. Mas ela nem depende  da nossa decisão, vê-se involuntária, conforme pesquisas de Ulf Dimberg, psicólogo sueco. No caso da sala de aula onde todos vivem a alegria empática momentânea de uma história e penas um aluno faz questão de não conviver essa alegria, por diversas vezes, fica nítido o seu "problema" na relação. Essa boa relação grupal requer bom coração, pessoas de bem, requer abertura para receber um gracejo e não ficar buscando problematizar, implicar, achar defeitos nas brincadeiras descontraídas, nas alegrias normais e mundanas dos outros. Quem vive querendo achar esses defeitos é que tem problema. No caso citado, como o professor aí tem adesão de 90% da sala para uma mera brincadeira, a reação zangada de 1 ou 2 em nada muda o quadro. Apenas o sujeito deve levar uma vida meio infeliz, cerceando seu riso espontâneo, sua alegria mundana como a de qualquer pessoa que não tem o espírito prevenido. Deve ser ruim viver assim. Jean Menezes de Aguiar.


“Criacionismo” na escola e violação infantil.



Criança e o seu direito ao conhecimento.

Criança deve estudar. Estudo envolve conhecimento. O conhecimento que é fornecido para a criança em todas as escolas do mundo envolve socialidade e ciência, aferível por métodos próprios que garantem o trinômio verdadeevidência - certeza.

Método é como o conhecimento será manejado, tanto no seu descobrimento quanto na sua transmissão que imprime lógica e garantia ao conhecimento. O processo de lógica e garantia no conhecimento é resultante de demonstração – o conhecimento precisa ser demonstrável objetivamente por si só (H2O é um fato que pode ser percebido em laboratório); também é resultante de repetição (procedimentos objetivos conseguem repetir aquele conhecimento); também a experimentação (o conhecimento é testável por qualquer um, não requerendo qualidades subjetivas especiais, dom, intuição ou crenças).

Crianças em todos os lugares do planeta vão à escola aprender disciplinas que obedecem aos mesmos métodos que, todavia, são mundiais, seja na história, na geografia, na matemática, na física, na química, na biologia etc., afinal a ciência é um processo de cumulação de saber metódico. O que orienta o conhecimento científico é o método.

No estudo do método, na metodologia científica, há 4 níveis de conhecimento, empírico, científico, filosófico e teológico. Alguém ensinar a outrem a refogar arroz sem adição de óleo, é uma forma de transmissão de conhecimento vulgar, válido e existente. Já a ciência vai mais além, se preocupa com detalhes, medidas e exatidão quantificada e qualificada, sendo o método mais importante do que com a descoberta em si, ou seja, será o método objetivo utilizado que qualificará o conhecimento como científico. Por terceiro, a filosofia que tem o mesmo rigor que a ciência, mas utilizando outro objeto de investigação, as realidades mediatas, imperceptíveis aos sentidos que não podem ser experimentáveis. Por quarto e último, conforme ensinam Cervo, Bervian e Silva (Metodologia científica) o conhecimento teológico “aceita explicações de alguém que já tenha desvendado o mistério”, ou alega que desvendou e se acredita nessa alegação, o que exige uma atitude subjetiva da pessoa de querer aceitar a explicação. Essa vontade de aceitação é conhecida por fé diante, então, do conhecimento “revelado”.

Escola, no mundo todo, é um lugar e uma ambiência em que impera e sempre imperou o conhecimento científico, e não crenças em santos, deuses, entidades e mitos em geral, seja o nome que for, Buda, Deus, Alá, Jesus, Maomé, Oxalá e qualquer outra divindade, força etc. Não se ensina 2 + 2 a uma criança fazendo-a “crer” que o resultado seja 4, mas utilizando uma compreensão objetiva, racional, demonstrável e essencialmente lógica. Qualquer criança não neural ou mentalmente lesada consegue ver, entender, perceber e testar que 2+2=4, com palitinhos, pedras, botões etc. Não se trata de “acreditar”.

Charles Darwin é um fato.

A Evolução, estudo capitaneado por Darwin deixou de ser uma mera teoria para se firmar em toda (!) a biologia como um fato incontestado – não há um biólogo sério no mundo que negue a evolução, conforme Richard Dawkins e Ernst Mayr. Mas um tema tem preocupado os estudiosos: o ensino do “criacionismo”, em escolas religiosamente fundamentalistas, em substituição à Evolução.

O criacionismo simpesmente nega, como se pudesse, todos os avanços, descobertas e confirmações da Evolução. A Evolução sofreu da própria ciência contestação por longos 80 anos após Darwin, até cessarem os argumentos contrários, calando toda e qualquer crítica quanto à sua existência e confirmação. Por isso deixou de ser uma “teoria” e se tornou um “fato”. Enquanto isso, religiosos radicais, os fundamentalistas religiosos, mantém-se no criacionismo por pura crença religiosa, sem qualquer início ou base científicos sérios, considerando o homem um produto de Deus. Que desenvolvam seus credos por seus medos, temores e mitos na fase adulta será um problema de cada um, mas querer impor isso às crianças será uma questão de interesse público, no sentido de ensinar algo sabido e cientificamente errado a quem precisa “aprender” conceitos não oriundos de uma ou outra crença, mas do conhecimento científico.

Alguns conceitos precisam ser previamente explicados. Tomando-se como base o livro A goleada de Darwin, do biólogo brasileiro, pós-doutor por Harvard, Sandro de Souza, há:

“Teísmo” – a crença na existência de um ou mais deuses.
“Ateísmo” – ausência dessa crença.
“Deísmo” – crença numa força maior, não religiosa.
“Agnosticismo” – não se pode prova a existência de Deus, mas também não o rejeita.

Em contraposição à Evolução que em termos de existência, consistência e não questionamento se mantém um fato unânime na biologia, há nada menos que dez organizações que inventaram explicações criacionistas para a origem do homem, cada uma pipocando para um lado teórico maluco, como hérnias descontroladas, todas elas de origem americana.

1) CRIACIONISTAS DA TERRA PLANA – em patético contraste com estudos geológicos e fotográficos, acreditam esses lunáticos que a Terra é um plano, numa interpretação literal e primária da Bíblia. Em 2008 a tal Sociedade da Terra Plana ainda conseguia ter 12 mil membros;

2) GEOCENTRISTAS – a Terra é redonda mas discordam, em  afronta a estudos astronômicos e físicos, do modelo heliocêntrico do nosso sistema solar, são a The Criation Science Association for Mid-America;

3) CRIACIONISTAS DA TERRA JOVEM, para esses boçais não adiantam os estudos sobre a Terra, eles querem que ela tenha ínfimos 10 mil anos, sendo que todo material orgânico e inorgânico teria sido criado em 6 dias. O complexo e preciso sistema de “datação” aceito incontestavelmente pela ciência, que prova a estultice dessa crença imbecil de nada adianta para esses aí: seu fundamentalismo é separatista e preconceituoso, não aceitam sequer discutir o tema;

4) CRIACIONISTAS DA TERRA ANTIGA – esses são mais “razoáveis”, aceitam as demonstradas evidências geológicas da existência da Terra em termos de 7 bilhões de anos mas acreditam que um Deus lá atrás criou tudo, é a American Scientific Affiliation;

5) CRIACIONISTAS DA RESTITUIÇÃO – teria havido grande espaço temporal entre o Gênesis 1 e o 2, assim Deus teria recriado o mundo; está no livro Mysteris of the Ages, de Herbert Armstrong;

6) CRIACIONISTAS DIA/ERA – para esses “criativos” aí, cada dia da criação foi uma verdadeira era. Deus, para esses tontos devia ser muito moroso, com uma era por dia.

7) CRIACIONISTAS PROGRESSISTAS – aceitam a física, mas rejeitam a biologia mesmo com todas as comprovações e, claro, a Evolução. Teimosia é assim mesmo, fiel e imutável;

8) CRIACIONISTAS DO “DESIGN INTELIGENTE” – dizem que é implausível a complexidade da biologia a partir de fenômenos aleatórios, daí para um Deus é apenas um mergulho. Mitos e inexplicações sempre atraíram quem nunca quis estudar muito, é um atalho fácil.

9) CRIACIONISMO EVOLUTIVO – aceitam um pouquinho a ciência, mas uma  que possam ligar à Bíblia, a principal obra é Evolutionary creacionism: torah solves the problem of missing links, de Susan Schneider, outro bando de lunáticos que nega conquistas insuspeitas da ciência, mas cinicamente a usam, não por reconhecer seu valor, mas para “usar” a força da ciência em seus credos e crenças.

10) EVOLUÇÃO TEÍSTICA – Deus teria criado as formas vivas por meio da evolução, esses aí aceitam a Evolução, mas fazendo partir tudo de Deus. É a Igreja Católica com seus inúmeros padres cientificamente formados com mestrados e doutorados que, no item da Evolução, a que melhor se mostra inteligente e arejada mesmo mantendo sua crença. Seu principal pensador foi o teólogo Teillard de Chardin, com o livro The phenomenon of man.


Qualquer criança que vá ao zoológico fica admirada com a semelhança que o chimpanzé apresenta com os humanos, em termos de olhares, comportamentos, hábitos e gesticulações. Espontaneamente a criança se vira para o pai sem saber o que seja Evolução ou criacionismo e, neste momento, indaga que os macacos são impressionantemente “iguais” a nós. Neste momento a ciência “estimula” essa visão natural e óbvia da criança, enquanto que o criacionismo a “decepa”, sem o mínimo de fundamento sério, tudo atrelado a crenças e mitos, introduzindo na criança como que uma cepa viral de ignorância que proíbe a sua visão institiva, óbvia e correta da semelhança entre os primatas e o homem.

Diversas visões naturais outras serão também estimuladas pela ciência ou, contrariamente, amputadas pelo fundamentalismo religioso e seu preconceito. Daqui a pouco alguém decretará que será pecado levar criança para ver chimpanzé no zoológico, para não se estimular esse tipo de questionamento.

Adultos não deveriam fazer isso com suas crianças, mesmo sendo seus filhos. O fundamentalismo radical não deveriam querer anular o conhecimento científico. O adulto é livre para escolher o que bem entende, como leva e administra sua vida, que religião ou igreja se filie. Mas não deveria obrigar a criança a aprender coisas que são efetivamente erradas. Querer que H2O não seja água por crença ou mito é forçar a barra. Essa covardia contra crianças não deveria existir. Jean Menezes de Aguiar.


 Uma rápida discussão sobre criacionismo e Evolução pode ser vista em http://profs.if.uff.br/tjpp/blog/entradas/criacionismo-na-europa#comment_270353c2cc56f26abb1acaf064b8977b