Jean Menezes de Aguiar
Artigo publicado no Jornal O DIA SP, semana de 16.5.2013
Três passagens. A primeira, o filósofo
Charles Baudelaire, referindo-se a um magistrado francês: “Um homem muito
famoso que também era um grande imbecil, coisas que, ao que parece, combinam
muito bem entre si.” (O poema do haxixe,
p. 25). A segunda do escritor Isaac Asimov: “As únicas coisas capazes de
agradar de 25 a 50 milhões de pessoas são aquelas que evitam, cautelosamente, a
menor possibilidade de ofensa. Resulta daí uma papa insossa, não porque ela
agrade, mas porque não corre o risco de desagradar.” (Antologia, 1, p. 199). A terceira, do pensador Darcy Ribeiro: “A
escola brasileira é a escola da mentira: o professor finge que ensina, e o
aluno finque que aprende.” (Somos todos
culpados, Eric Nepomuceno, p. 125).
Quem é irônico aí?
Quem é exato e preciso? Quem é absurdo? Quem é “desrespeitoso”? Dê as frases a
pessoas intelectualmente diversas e terá respostas díspares. Conservadores e
autoritários, se não souberem se tratar de pessoas geniais, trarão seus
preconceitos e destilarão veneno, dizendo-se “indignados” ou alegando que há aí
o tal do “desrespeito”. Numa outra ponta, intelectuais e “descolados” poderão
sorrir com uma expressão de quem acaba de provar um quitute maravilhoso, e
querer saber mais sobre as citações.
Um dos grandes problemas do discurso, não é
como ele é fabricado por seu proprietário, muitas vezes com ótimas intenções e
sinceridade. Mas como ele é recebido pelo interlocutor, muitas vezes encharcado
de mediocridade e preconceito. Aí não há quem se salve.
Ironia costuma ser
confundida com desrespeito, ofensa ou até agressão. Pessoas “simples” têm
direito de confundir qualquer conceito. Mas em época de politicamente correto
(“chatissimamente correto”, conforme o filósofo Luiz Felipe Pondé), a ironia
que não é jamais um subproduto da burrice, em alguns casos é uma arte fina, se
transformou, para chatos em posição de sentido, um perigo, uma ameaça, algo a
ser banido das relações.
Na Wikipédia se
lê: “A ironia é um instrumento
de literatura ou de retórica que consiste em dizer o contrário daquilo que se
pensa, deixando entender uma distância intencional entre aquilo que dizemos e
aquilo que realmente pensamos. Na Literatura, a ironia é a arte de zombar de
alguém ou de alguma coisa, com vista a obter uma reação do leitor, ouvinte ou
interlocutor.” O problema já
começa com o verbo que se tornou um verdadeiro tabu nesse mundo do bullying mental: “zombar”.
Há pessoas que não aguentam brincadeiras.
Ainda que “numa boa”, sem ódios e rancores. Irritam-se ou se admoestam. Veem-se
“desrespeitadas”. Estas costumam agir como fiscais públicas da molecagem mental
saudável, a ironia. Em uma sociedade cada vez mais formalista e autoritária o
patrulhamento da brincadeira ou da ironia se tornou uma neurose.
Ironiza-se um objeto de análise, uma teoria,
um conceito, uma sociedade, e não apenas alguém especificamente. Mas mesmo
assim, sempre há um chato de plantão para se dizer “ofendido”. É o “bater no
peito” e querer puxar para si, de forma ilegítima, um sentimento alheio.
O problema da ironia não está nela em si. Mas
na assunção sensível de quem “quer se sentir” ironizado. Ou pior. Fala-se – e
prova-se –, como Baudelaire, que alguém é “imbecil”. Pronto, o problema já
deixou de ser uma eventual ironia ou mesmo a imbecilidade existente. Mas o
“falar”, e mais, condena-se quem “usou” a palavra “imbecil”. O genial Ernest Hemingway já disparava: “Você tem que ser
irônico desde a hora em que sai da cama.”
Deve-se saber se a ironia é sobre um “valor” de
alguém, por exemplo seu time de futebol, ou se é propriamente sobre o outro, a
pessoa em si. Por exemplo, ironizar “o time” de futebol de alguém pode não ser,
perfeitamente, ironizar “esse alguém”. Mas todo mundo sabe que ironizar time de
futebol “pode”, não dá “problema”. No máximo ouve-se de volta uma brincadeira.
Fora os fanáticos, resolveu-se que brincar com o time dos outros “pode”. Já com
a fé, religião, algum deus, mito ou crença que a pessoa tenha, a brincadeira
parece ser proibida.
Já discuti
o tema da ironia sob outras óticas, aqui na Coluna. No meu Blog podem ser
vistas as matérias que foram publicadas, “Ofendíveis” e “Falar em tese no
Facebook é tabu?”. Mas a vala é sempre a mesma. Há quem “queira” confundir
ironia com desrespeito, arrogância e até agressividade. Tudo bem que o confuso
confunda tudo. Mas a sociedade brasileira parece caminhar a passos largos para
não tolerar mais brincadeiras e ironias, o que é uma pena mental. Depois que a
intolerância virou moda, está difícil brincar.
O problema não
para aí. Pessoas são afastadas de rodas e grupos por serem irônicas. É claro
que um irônico qualquer diria, entre gargalhadas: “– bem feito, quem mandou se meter com
imbecis?”. Tudo bem, mas há situações em que até um mínimo de jocosidade
“agride” a esses que querem se magoar.
A ironia não é um
subproduto da burrice, da baixeza, da vileza ou mesmo da agressão. Somente
pessoas medianamente inteligentes, para falar o mínimo, conseguem ser irônicas.
Talvez Voltaire, o grande filósofo, tenha sido o irônico por excelência, ante os
selvagens de uma França então burrificada que o prendeu por duas vezes e gerou
sua fuga do país.
Do mesmo modo que
há diferenças entre piada e comédia; entre bagunça e humor; há diferenças entre
ofensa e ironia. A ofensa talvez nem raramente se justifique. A ironia pode ter
inúmeras valias, pode ser sutil, conceito tão difícil que alguns filósofos
negam existir, pois que se percebido perdeu a sutileza. Pode ser aliada a uma
graça verdadeira que descontraia o ambiente. Pode ser totalmente ácida e nevrálgica
como algo mereça.
A ironia entre
amigos e pessoas que se sabem de bem jamais deveria ser tachada como algo ruim
ou nefasto. Ela é apenas uma ironia e a pessoa irônica tem que aceitar o troco.
O problema parece estar em mentes e corações que querem vê-la como algo
negativo. Para esses, nem suco de laranja lima resolve. Viva o limão e paz nos
corações. Jean Menezes de Aguiar.