quinta-feira, 8 de março de 2012

“Por que” os casais brigam?

Cama realmente não é para isso, mas para carinhos, mimos, brincadeiras, jogos, comidinhas e amor

Por que pessoas se desentendem? Esta parece ser uma questão interessante para uma reflexão filosófica simples. Visando a compor algum menu para uma consultoria ou gestão de pessoas no âmbito familiar em geral, uma estrutura base da análise teria que passar por: I. o atrito; II. a possibilidade do atrito; III. as pessoas mais suscetíveis ao atrito; IV. as relações mais suscetíveis ao atrito; e V. pistas para soluções e resolvimentos.

I. O atrito é uma fricção no entendimento da relação, uma faísca ou um desastre completo que pode desde arranhar a relação até explodi-la. O atrito deve ser visto por pessoas inteligentes como um risco para a relação. Tecnicamente risco representa algo potencialmente ruim. Essa visão precisa estar consciente para que não se queira “correr o risco” do atrito. Evitar [inteligentemente!] o atrito é sinal de inteligência. Os inteligentes farão de tudo para não inaugurar o atrito. Não é difícil o atrito se agigantar e causar danos na relação. O atrito pode começar de uma implicância histórica – alguma terceira pessoa ou ciúme já sedimentado que se agravou no momento –, ou já ter início como uma verdadeira bomba, uma traição flagrada, por exemplo. O exemplo da traição é bastante primário e vulgar, sabe-se, mas se presta meramente a título de visão concreta. Atritos há com educação de filhos, relação com amigos, valores e visões de mundo etc. O filme Eles não usam Black tie mostra o triste atrito ideológico, gravíssimo, entre pai e filho.

O primeiro que há que se cuidar, nos momentos iniciais do atrito é sua própria dimensão. Casais inteligentes devem estar conscientes que estão diante de um atrito leve, que seja, por exemplo, e que não vão “permitir” que ele se agrave. Essa conduta preventiva, tanto quanto possível, será ótima para que atritos leves nunca virem problemas graves ou tabus consolidados, daqueles que não se pode mais tocar no assunto. Já o atrito que nasce nas condições de uma crise séria estabelecida merece toda a atenção visando a que ele não frature totalmente a relação. Isso tem que ver com Negociação: é um olhar para o outro e dizer:– sabemos que isso é besteira, não vamos permitir que cresça. Ou então é o “para tudo e vamos ver o que se pode fazer para manter isso no tamanho mínimo”. Pessoas inteligentes terão um olhar máximo para a relação, e um mínimo mínima para o atrito. Farão de tudo para salvá-la, se ela for salvável.

II. A possibilidade do atrito tem que ver com o tipo da relação em combinação com o tipo das pessoas. Abre-se uma quadra aí. Relação boa com pessoas boas; relação boa com pessoas ruins; relação ruim com pessoas boas; e relação ruim com pessoas ruins. “Relação boa” seria aquela minimamente apta a gerar felicidade duradoura ou por grandes espaços de tempo, com calmaria, harmonia, entendimento e amor, ainda que com desentendimentos normais. “Relação ruim” seria aquela que não consegue deslanchar, vive aos percalços, com problemas constantes, dúvidas, desconfianças, medos, inseguranças, ciúmes crônicos, brigas e interrupções.  “Pessoas boas” são as que lidam com as outras de boa-fé, coração aberto, aderidas, prontas para ajudar e compreender os erros do outro. “Pessoas ruins” são essencialmente os medíocres, os desconfiados, os que guardam coisas para soltar como efeito diferido, os que premeditam reações, os que acham que vingança é um prato e que se pode comê-lo até frio. Explicados rapidamente as relações e os sujeitos, passa-se à tal quadra.

Assim, 1) relação boa com pessoas boas gera baixa possibilidade de atrito. É o melhor desenho que há para uma vida a dois. 2) Relação boa com pessoas ruins, parece não ser possível, mas é, não apenas porque medíocres se atraem, mas porque se uma relação gera entendimento ainda que “esquisito entendimento” ela é uma relação boa para os esquisitos, e dane-se o mundo. 3) Relação ruim com pessoas boas talvez seja a pior, a crise do desentendimento e da desinteligência esteja causando malefícios e as pessoas que são boas não conseguindo sair desse lodo. E por fim 4) relações ruins com pessoas ruins, esta parece não prestar em sentido nenhum, nem para os próprios envolvidos, é aquela relação que nasce errado, existe errada, no sentido de crises constantes, términos constantes, vinganças constantes etc. Há relações mais aptas a possibilitar atritos, essas são as mais delicadas e requerem mais cuidado.

III. Pessoas mais suscetíveis ao atrito não “descobriram” a beleza que é uma vida construidamente equilibrada, calma, serena e harmoniosa. Isso não é fácil e na teoria é sempre muito simples, bastam as palavras corretas. Parece que a opção pela inteligência e pela lógica é a mais concreta e real, envolvendo conversas francas e zeradas em termos de tabu. E ninguém melhor do que o outro para conhecer o parceiro. A arma mais poderosa será a abertura, a não cerimônia, o não tabu, a democracia na relação, a certeza de valores e opiniões iguais, desde que fundamentadas e com alguma lógica, o respeito e o carinho na aceitação da sugestão ou opinião do outro. O inverso desse tipo de personalidade desenhará as pessoas mais suscetíveis ao atrito, com um perfil autoritário, impermeável, com reservas, segredos, dificuldades de diálogos fazendo com que a relação tenha um viés inclusive ditatorial.

IV. As relações mais suscetíveis ao atrito seriam aquelas às quais há causas amordaçadas que não são nunca dialogadas, debatidas e efetivamente resolvidas. A atitude às vezes suave de pôr uma pedra em cima é, em muitos casos, das mais mentirosas que há e no menu da mentira há uma infinidade delas ligadas à tipologia da relação. Em muitas relações há um polo visivelmente forte ou concentrador, com mando e autoridade, e um polo fraco no sentido nítido da subserviência. Quando a relação obedece a este desenho a mentira passa a compor o manejo do polo fraco para coisas as mais comesinhas. O paradoxal é que o polo forte será enganado o tempo todo, mas esse tônus que poderia ser o de vingança para o polo fraco, acaba não gerando harmonia ou uma relação essencialmente feliz. A obediência e o autoritarismo deveriam ser estranhos a uma relação a dois.

V. No item de pistas para soluções não há “dicas”. Manejos e atuações ligados à verdade, ao carinho, à vontade de se dar bem com o outro parecem ser o essencial aí. Pedi a amigos do Facebox que opinassem sobre o tema e colhi algumas coisas valiosas que comento rapidamente. A ADRIANA SALETE aponta que motivos para o desentendimento seriam pessoas se amarem demais e pessoas não se amarem mais. O segundo é perfeito, mas o primeiro não dá para deixar passar. O amor demais parece não ser causa de problemas. Isso não pode ser confundido com uma pessoa “afogar” a outra, querer exercer uma posse descomunal, já que todos praticamos posse normal com o ciúme por exemplo. De toda sorte é muito bem lembrada a situação desse “amar demais”. A ELCIRA SILVA vai apontar a divergência de opinião, a falta de informação e a intolerância. Dos três, os dois últimos são bastante nítidos. É claro que divergência de opinião chega a ser até saudável; pode ser uma fonte de briga, mas deve se cuidar para que não seja, afinal divergir em opiniões é comum. Mas a intolerância é, efetivamente, um problema grave e sério, ligado à ignorância comissiva, à agressividade, àquele tipo de “pessoa ruim” do início do texto. O intolerante é um horror. A CLAUDIA SITHA aponta a falta de amizade para compreensão e com outras “colaboradoras” faz críticas às mulheres no sentido de implicar com coisinhas miúdas e querer sempre discutir a relação, mostrando que o homem é mais prático. Faz crítica lúcida à mulher dizendo que ela exige ser mimada o tempo todo, o que parece ser verdade em muitos casos dessa sociedade atual. Mas a amizade lembrada é das coisas mais valiosas numa relação. A amizade é como uma “outra” relação que precisa ser mantida paralelamente, para servir de combustível e de linimento quando algo vai mal. A amizade parece ser a pedra de toque das relações. A DIANA NACUR aponta ótima visão: a vontade de um ter razão e não ceder ao outro. Em pessoas “autoritárias” como, por exemplo os advogados, para não ir a outros tipos de gente, essa observação é muito lúcida.  A razão se liga ao conhecimento no sentido de uma exibição dele. Quem tem mais conhecimento, tem razão. Essa equação muitas vezes defeituosa é imposta por um polo da relação mais intelectual ou pretensamente intelectual que pretende vencer divisões internas na relação pelo domínio da razão. O JORGE LUIZ SIMÃO fala que uma relação a dois precisa de liderança e que a divisão pode gerar o divórcio. Aí estão dois conceitos difíceis de se trabalhar na atualidade. Liderança é um fator modal na empresa ou numa igreja (conforme ele diz) em que se presume quantidades dicotômicas de conhecimento e saber. Tanto na empresa como na igreja há seguidores e obedientes. Na estrutura da relação moderna essas conformações ficam mais difíceis, ainda que inúmeras famílias sul-americanas (e não só estas!) se pautem por esse modelo. A CRISTINA DORNELLES fala em narcisismo, um efeito social que parece estar aguçado na atualidade, ou hiperaguçado. O ver a si próprio e não ver o outro com gentileza e carinho será fonte eterna de desavenças. Uma estrutura narcísica existente no casal é sempre algo muito nítido e problemático quando se fala em desavenças e parece que a pós-modernidade vem enaltecendo a egolatria e o consumismo nas relações de uma maneira desmesurada.

Essas foram as participações importantes e todas elas super valiosas para esse texto. Deixo aqui um grande beijo para todos em geral e o meu muito obrigado. Gostei muito de fazer um texto com opiniões interativas, esse foi o primeiro. Sempre num texto assim há inúmeras imperfeições, há coisas que passamos batido, há simplismos e superficialidades. Outro dia um amigo me advertiu de que parecia que eu ficava querendo exaurir os temas. É exatamente isso, ainda que jamais se consiga. Faz lembrar Salvador Dali ao ensinar que não devemos temer a perfeição, não vamos conseguir alcançá-la mesmo. Mais um beijo geral nos meus amigos e o meu muito obrigado. Jean Menezes de Aguiar.

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