quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A irreverência assusta. Mas por quê?

[palavrão. neoescravidão salárica. homem-chorinho. homem-rock. "cocô com alcacuz". Nietzsche.]


Por que a irreverência assusta. E assusta a quem? E o que é irreverência? Em primeiro, assusta, sai do padrãozinho, sai do comum, sai do ordeiro, do domesticado, do obediente e do cumpridor de normas, inclusive a de não falar “errado” (= falar merda). A irreverência sai fora desses padrões. O palavrão como superproduto da irreverência é um brasão diplomador do irreverente. Óbvio que não só ele, e ele às vezes se torna até algo bobo, quando não sinérgico a uma poesia episódica que o explique, ou comova. Não que o irreverente “tenha” que falar palavrão, não que ele “faça força” para falar transgressivamente, mas porque se lhe é natural a fala livre, liberta de argolas de aço no pensamento e na fruição do léxico. Assim, há quem ache que o palavrão não é “de bom tom” (viva Calcanhoto com a música Senhas), não é coisa de gente “educada”, como se educação pudesse ser ligada à estética da palavra dita, ou a uma semântica. É claro que se intromete aí o preconceito. Do nada, aparece a coisa do preconceito fazendo presença.
Depois, já fica fácil supor “quem” se assusta, ora, os assustáveis. Nessa sociedade atual, quebradiça e mundo-corporativada (a neoescravidão salárica), parece que muita gente “quer” ser assustável. Homens grandes, velhos de guerra, se assustam com frases e palavras ditas (coisas que jamais os estupraria, mas os caras se assustam). É meio patético ver um marmanjo (ou uma marmanja! Que fique muito bem claro!) se assustando com... palavras. Mas, gosto não se discute, quer viver “em sustinhos”, siga em frente. Opção de cada um. Talvez seja a comparação entre o homem-chorinho e o homen-rock, lembrando que há chorinhos suntuosos e rocks miseráveis.
Quanto à irreverência em si, jamais pode ser “calculada”. Não se tolera o “que faz força para ser irreverente”. Esse sujeito é um saco, é o famoso “metido a...”. E tem mais, irreverência sem conteúdo também é uma tragédia, meio parecida com o que Habermas sugere, citando que o amigo Marcuse classificaria os trejeitos da geração berlinense: “cocô com alcaçuz” (Era das transições). A filosofia sempre estudou a transgressão, infinitamente,  antes mesmo de Erasmo com sua “loucura” famosa (Elogio); passando por Baudelaire (Ges. Schriften) conceituando o chatismo do “dândi” (ô gentinha provinciana que frequenta desfiles de moda fantasiada para aparecer, entre faniquitos e surtos histéricos), e Nietzsche, delicioso e absoluto em A gaia ciência, falando que “foram os espíritos fortes e os espíritos malignos, os mais fortes e os mais malignos, que obrigaram a natureza a fazer mais progressos...”. A irreverência a se respeitar não é a da aparência, mas aquela que se fecha o olho e simplesmente ouve o discurso, e há discurso, há conteúdo, há intelectualidade. Esteja com que roupa, indumentária, fantasia ou adereço estiver. O conteúdo, esse é o segredo. Nada mais que ele. Jean Menezes de Aguiar.

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