terça-feira, 23 de julho de 2013

Observatório Geral

 
 
 
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quarta-feira, 10 de julho de 2013

SP capital do crime?




 


Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana 11.7.13
 

Parece que o Brasil passou por uma reorganização interessante nas últimas décadas. O poder do dinheiro paulista, incomparável com qualquer outro estado brasileiro talvez tenha imposto um caldo cultural. Seria certo dizer que houve uma migração de modelo da "capital cultural", o Rio, para a "capital financeira", São Paulo? Viajo constantemente por todos os cantos do Brasil, e tento observar criticamente as sociedades. Parece que houve sim. Até no futebol São Paulo passou a se impor. O problema é que dinheiro parece atrair criminalidade.

São Paulo "exporta" diversas coisas positivas. Há um jornalismo paulistano orgulhoso e ufanista, não se critica, vendendo bem a cidade. Por todos, a rádio Cbn-São Paulo. Mas paralelamente há outra realidade batendo às portas dos moradores. O crime, a violência, as mortes e a brutalidade. Interagem aí três pontas: o Estado, a sociedade e os bandidos.

Toda discussão sobre criminalidade comporta dois discursos opostos: o conservador e o progressista. Ninguém "muda" de lado facilmente. Isso tem a ver com traços de personalidade, educação, cultura etc. Pessoas bem racionais aceitam coisas boas do lado oposto e coisas ruins do próprio lado. Mas parece que racionalidade anda meio fora de moda. Torcedor "fanático", por exemplo, é que "vale". Que triste que o radicalismo esteja triunfando.

Pelo lado conservador, buscam-se aumento das penas, redução de menoridade penal, tratamento mais severo com o bandido, construção de cadeiões e até pena de morte. É a chamada "direita penal". Isso até pode atender a um sentimento legítimo de vingança de quem, por exemplo, perdeu um ente querido. Não se ousa julgar a dor. Porém, esses fatores sensíveis nunca prestaram para reduzir a criminalidade. Em lugar nenhum do mundo. Se prestassem seria fácil. Países que conseguiram reduziram a criminalidade nunca utilizaram os modelos conservadores.

Não se trata de passar a mão na cabeça de bandido, mas de pensar em o que funciona ou não funciona numa sociedade. Negar estudos e a história pode ser uma vesguice dolosa. Ou, para alguns interessados em "obras" públicas de cadeiões, um cínico desejo lucrativo nas comissões. Sim, dinheiro.

No outro lado, no discurso não conservador e progressista, talvez haja mais dificuldade para implementar ideias. Exigem-se mudanças nas relações e manejos na sociedade. Por exemplo, nos planos de um bom atendimento estatal na educação, saúde, transporte, alimentação, coisa que num Brasil com seu Estado sabidamente desonesto nunca ocorreu. Na década de 1970 éramos 90 milhões. Hoje somos 200. O estouro em todos os lados do problema social era previsível. Parece que só o Estado e as "autoridades" não perceberam.

Há vinte anos, aproximadamente, circulou uma estatística que apavorava na época. Dizia: se você nunca foi assaltado, certamente conhece alguém da sua família diretamente ligado a você que já foi. Todo mundo se surpreendia. Atualmente, a cidade de São Paulo parece viver uma anestesia com o crime que, todavia, se ordinarizou. Uma estatística dessas atualmente certamente teria que considerar o próprio entrevistado. Algo como: imagino que você já tenha sido assaltado. E a banalização será certamente ouvir: - ué, vivemos numa cidade grande, e daí?

A sociedade se acostumou à cultura do roubo, do furto, do assalto, da violência como um ingrediente natural do tipo "viver em grande centro". Criam-se nomes para isso, desculpas. Teorizam: "é o preço de se viver em cidade grande". Mas esse preço é péssimo e inaceitável. Não se paga tal preço em alguns grandes centros do mundo. Nesses lugares, qualquer um anda com seus pertence e há educação e respeito pelas coisas do outro. Também há policiamento e atendimento estatal eficiente.

Chegou-se ao ponto absurdo, por aqui, de mochilas escolares e bolsas serem fabricadas com esconderijos contra ladrões. "Dicas" de como dirigir defensivamente não causam mais estranheza. Vendem-se bonecos infláveis, não para prazer sexual, mas para se fingir serem um acompanhante para condutoras sozinhas nas noites perigosíssimas de São Paulo. Arrastões mutilam um orgulho de São Paulo: sua gastronomia. Aqui é a cidade que mais blinda automóveis no mundo. Mais do que a Colômbia.

O problema não está no fato de a sociedade ter se neurotizado, mas no fato de ter se esquecido que a neurose foi incorporada ao modo de vida.

As ruas paulistanas, com os últimos movimentos de protestos, cobram o fim da corrupção. Mas raramente se vêem pessoas exigindo o fim ou a redução da criminalidade urbana. Para nossos filhos, idosos e nós mesmos. Há zero de demagogia com uma exigência assim. Há sim cobrança por retorno com impostos altíssimos. Já se percebeu que o Brasil tem muito dinheiro. Precisamos acabar com a ideia velhaca, e malandra, de que o bolo não dá para todo mundo. Tem gente levando tortas inteiras para casa e muitos milhões de necessitados sem nenhum farelo.

Essa criminalidade varejo que existe em São Paulo tornou o medo uma rotina. A empregada doméstica tem medo, o rico tem medo, a criança tem medo, o idoso tem medo, qualquer um tem medo.

Sempre se ensinou no Direito que se o problema da criminalidade fosse "pena" bastaria um único artigo agravador no Código Penal: "A partir de hoje, todas as penas serão duplicadas". Pronto, acabava a criminalidade. Pena alta, já se sabe, não tem fator intimidativo redutor da criminalidade. Infelizmente. Basta estudar para aprender isso. Nos últimos 30 anos, por exemplo, a pena para tráfico de drogas subiu avassaladoramente, em 3 reformas. E o que houve com este crime? Praticamente se transformou numa tragédia social, inclusive com o crack etc.

Se Brasília passou a ser chamada, após décadas seguidas sendo confirmado, de "capital da corrupção", São Paulo não pode aceitar ser a "capital do crime". E não queremos que nenhum outro estado do país o seja. Os mesmos manifestantes "valentes" que passaram a exigir uma cidadania saudável, precisam incluir nas reivindicações a imediata redução da criminalidade. Avoquemos isso para a sociedade, já que o Estado é incompetente para resolver. Vamos berrar nas ruas e exigir atenção como nos países evoluídos. Já percebemos que funciona. Só assim as "autoridades" se mexem. E viva a democracia. Jean Menezes de Aguiar.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 6 de julho de 2013

Louva-deus

Não se assuste, louva-deus


Há na sociedade uma parcela politicamente dândi, que se apraz em se deixar enganar. Talvez um direito dela, se o estrago político se contivesse aí, mas não é tão simples. Foi assim com Cóllor-caçador-de-marajá-Globo-de-Melo e talvez seja assim com Joaquim-Huck-Globo-Barbosa. Há semelhanças? Claro.

Vender honradez autoritária, seriedade conservadora e honestidade formalista nunca foi tarefa das mais difíceis para uma sociedade que se inebria com o luxo apenas no discurso; o chique imitado em bijuteria; e o respeito como travesti de formalismo, mas sobretudo se vê bem reacionária em gostos, proibições e patrulhamentos.

Dizer que "a sociedade não aprende" é pouco. Ela é soberana. Joaquim Barbosa virou "pop", além de confessadamente envaidecido com sua sabida intenção de voto da sociedade para presidente da República. Com sua portátil e enigmática síndrome de perseguição por "taras antropológicas", invariavelmente refogada pelo alho do autoritarismo, nítido para qualquer criança politizada, pode ser o requentamento de um Cóllor século 21 despiorado, no discurso austero e invariavelmente reativo.

A meninada, que não viveu esse Cóllor (em sua época áurea, não o desenxabido senador) e suas eleitoras sofridas de tesão na bacurinha quando ele fechava o punho (hoje ninguém mais votou nele, né mesmo? - o punho seria psicanaliticamente o pênis? provavelmente...), deve estudar um pouco dessa história-tragédia-vergonha que foi esse Brasil antigo da "semana passada".

Joaquim Barbosa parece estar inebriado com o sonho da candidatura. O Supremo ganha com sua saída? O Brasil perde com sua eleição? Que pena que Barbosa tenha sido mordido pela mosca azul.

Louva-deus, não fique espantada, salve-nos, em suas asinhas do sonho. JMA.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Começar a lutar




Caio Prado Jr. foi um historiador, autor de o que se pode chamar um dos 3 livros mais importantes do Brasil na área, intitulado Formação do Brasil contemporâneo, datado de 1942.
 
Concedeu uma entrevista em 1967, no auge da ditadura militar para um grupo de estudantes do grêmio da Faculdade de Filosofia da Usp. A entrevista está relatada na magnífica obra do jornalista Elio Gaspari, A ditadura escancarada, ps. 229-230. 
 
O renomado historiador que ficou 545 dias na prisão para somente depois disso ser absolvido pelo Supremo, já com 64 anos de idade foi acionado criminalmente pelo Ministério Público que se indignou com uma frase da entrevista. Duas passagens dessa entrevista merecem releitura na atualidade.

A primeira é a que Caio Prado responde, sobre o movimento estudantil poder manejar a revolução socialista. Diz o intelectual "Não acredito que os estudantes sejam os possíveis líderes da revolução, mas acho que têm condições de estimularem o proletariado urbano e rural para que iniciem sua luta. Agora, como guerrilheiros, não acredito."

Depois afirma: "Mesmo a luta armada tem uma porção de graus: vai desde o choque de rua até a guerra civil."

A segunda resposta, a que melindrou o MP a acioná-lo criminalmente é sobre que solução haveria para a situação. O famoso intelectual dispara: "Não devemos discutir a forma de luta, e sim começar a lutar...".

Em uma semana vemos a cúpula de 2 dos Poderes enrolada com passagens aéreas oficiais em aviões da Força Aérea, para familiares, noras, genros e amigas assistirem partida de futebol. Na mesma semana o olímpico Tribunal de Contas distribui 1 milhão de auxílio-comida a suas "autoridades" (e não só o Tcu, que fique bem claro). Isso não cessa e não vai cessar.

"O Brasil está matando o Brasil", fala a música do gênio Aldir Blanc, cantada acidamente por uma Elis inigualável. Mas essa matança dura 50 anos. Não é de agora. E esse povo não faz nada, apenas reclama, baixinho e educadamente, na fila do supermercado.

Estudar a luta armada no Brasil é um mero recorte histórico. Triste e cheio de agonia. Crédulos e operacionalmente maltrapilhos tentaram a revolução. No auge, havia mais militantes presos do que soltos, e estamos falando de 500 pessoas. Isso quando se cantava "90 milhões em ação...". Hoje a população é de 200.

Essa elite política (que mata o Brasil há 50 anos) ri das "ruas". Zomba dos movimentos atuais. Seus salários de 40, 50 mil reais são vitalícios. Suas pensões, nos mesmos valores, transmitem-se a herdeiros, filhas etc. Essa elite desse sistema jurídico brasileiro aposta todas as fichas que daqui a 2 ou 3 meses "zerou"; as ruas serão uma referência histórica. Ou uma lembrança de um "Inverno brasileiro de 2013". Essa elite tem estudiosos a seu prol que lhes dá pelo menos informação histórica.
 
Se a luta armada foi massacrada, se a "guerrilha" do Araguaia foi massacrada, bastou o Governo querer, os movimentos das ruas podem ser. Para essa elite, há um "incomodozinho" maior na atualidade chamada Internet.

O que se viu nas ruas, agora há pouco, foi um cânone de revolução. Um cântico de sonho. Uma forma de revolta. Talvez, pessoas que assistiram aos 500 da luta armada do Golpe de 64 e lá, nos seus respeitosos e amedrontados silêncios, torciam para que aqueles garotos com nomes falsos vencessem, mas eram massacrados um a um por um Estado desde aquela época desonesto e infame, tenham chegado às lágrimas agora, de emoção, vendo um povo tatear a resistência. Experimentar a revolta coletiva. "Começar a lutar" como ensina Caio Prado, ou querer ser um "guerrilheiro", palavra que assusta a tantos que foram educados a temer o Estado.

Estudiosos e sonhadores do Brasil, artistas e poetas dos sonhos de uma país bom para todos,  estão chegando ao seu tempo sem ver o Brasil melhorar. Foi assim com Florestan, Darcy, Paulo Francis, Milton Santos, Millôr, Celso Furtado e tantos outros.
 
Antigamente havia a força. Hoje há o cinismo. Pela força os resistentes eram abatidos. Pelo cinismo os menos favorecidos são vitimados pelo degredo social da falta de assistência a uma vida digna. Às vezes fica difícil saber qual é o pior.

As manifestações de rua podem quebrar a letargia do sono drogado, um sono que escondia o sonho e a felicidade. Mas poderia parecer infame falar que alguém que passa necessidade consiga dormir esse sono histórico. Essa pessoa apenas se ajeita. Como se insistisse no direito de viver, num país em que o Estado se blinda, se ultrarremunera e se transforma com a certeza de décadas de impunidade oficial a si. Tudo contra o povo pacato, trabalhador e historicamente enfraquecido. Jean Menezes de Aguiar.

 

 

 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O futuro do direito do trabalho





 
Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 4.7.13
 
 
                Toda relação jurídica processual é composta por dois polos: autor e réu. Há um direito que regula os chamados polos fracos, com princípios próprios. Este direito representa uma conquista das sociedades. Com essas conquistas o próprio direito e as sociedades evoluíram. Polos fracos estão nos direitos do cidadão frente ao Estado; no locatário frente ao locador; no consumidor frente ao fabricante; no idoso frente ao adulto; no economicamente hipossuficiente frente ao “rico”; no deficiente frente ao eficiente; e no trabalhador frente ao patrão.

Genericamente, toda e qualquer hipossuficiência é “compensada” no Direito. Percebe-se que compensar o lado fraco ou vulnerável é o mais lógico. Conservadores reclamam dessa lógica querendo “direitos iguais”. Mas igualdade no direito recebe um tônus científico irrefutável: igualdade substancial, que é a verdadeira igualdade. Traduz-se na fórmula: “tratar desigualmente os desiguais”.

A Constituição de 1988 foi considerada Cidadã também por este aspecto. Compensou, de alguma maneira favorecendo, os hipossuficientes e discriminados em geral. Do pobre ao índio. Tornou o racismo um crime imprescritível e outras pautas.

A justiça do trabalho sempre teve mais olhos para o empregado. Percebe-se que isso deve ser assim. Se alguém precisa de maior atenção não será o empregador, a empresa, o polo forte da relação. Também, esse padrão lógico de relativa proteção ao polo fraco não é invenção brasileira, mas universal.

Ocorre que modernas empresas passaram a inovar, ainda mais, em mecanismos de relativa fraude para não reconhecer “relações de emprego”. Já há muito que a justiça do trabalho cuida da “relação de trabalho” como um todo, à qual a relação de emprego é uma espécie. Na relação de emprego, ou vulgarmente chamado vínculo de emprego, incidem os direitos trabalhistas, como férias e seu um terço a mais, 13º salário, abono natalino, fundo de garantia etc.

Aí o malabarismo de grande parte do chamado mundo corporativo em tentar disfarçar o contrato de trabalho, para descaracterizar a relação de emprego. Muitos empregados acreditam que quando assinam um documento para a empresa, por exemplo, reduzindo direitos, não podem mais discutir, porque afinal tudo foi “assinado”. Não é raro, assim, escolas forçarem professores a “pedirem” redução de carga horária. Também empresas alterarem a contratação de um empregado, tornando-o diretor e com isso não pagar os direitos trabalhistas.

Todo documento que o trabalhador assina cujo conteúdo seja contrário a si, na relação de emprego, seja um pedido, uma transação ou um acordo, costuma não valer na justiça do trabalho. Esta é a regra. Pelo “princípio da primazia da realidade” vale o que efetivamente houve na relação de emprego e não o que possa estar “escrito”. É o que se chama de “contrato realidade”.

Os juízes conhecem as tentativas de fraude contra o trabalhador. Mesmo os chamados Trct, termo de rescisão de contrato de trabalho. Muito trabalhador demitido assina o Trct dando quitação e “acredita” que não pode discutir mais. Em alguns casos o que recebe é absurdamente menos de o que tinha direito a receber.

O art. 62 da CLT cuida de gerentes, diretores e chefes de departamento. Em alguns desses casos a situação fica crítica. Executivos seniores acabam não sabendo, precisamente, se têm ou não direito frente à empresa. Não é o salário alto que afasta a existência da relação de emprego. É a falta de certos requisitos.

A CLT, no art. 3º é precisa. Se houver pessoa física prestando serviço não eventual a empregador sob dependência deste, mediante salário, há relação de emprego. Aí estão todos os requisitos para a configuração da relação.

Será que o futuro do direito do trabalho é a sua “flexibilização” no sentido de que empresas possam ter em seus quadros empregados sem a garantia de relação de emprego? Pela ótica de um mundo mais “ágil”, como alguns gostam de imaginar, isso geraria mais empregos, mais contratações. Mas a história mostra que pela ótica do trabalhador, esse “liberalismo” trabalhista geraria mais distância, ainda, entre ele, como mero agente de produção de riqueza, e o dono da riqueza. Ambos os lados têm sua lógica. De novo, duas análises se entrechocam.

A primeira, uma análise mais sociológica do mundo atual que passou a exigir maior competitividade. Quando se pensam nos produtos chineses, por exemplo, a um custo muito baixo, as empresas ocidentais ensaiam malabarismos em redução de custos e despesas, para reduzir preço final. A margem de lucro se atrofia e falir se torna uma realidade mais fácil. Este é um modelo “ditado” por um ator – chinês e similares – que muitos chegam a acusar de trabalho escravo ou coisa parecida.

A segunda análise é a de que a Constituição de 88, no caso brasileiro, foi totalmente protetiva de uma cidadania trabalhadora. Esse fenômeno não é apenas brasileiro. Os quatro pilares da ordem econômica alemã, por uma lei de 8/6/1967, por exemplo, são a concorrência no mercado interno; concorrência no mercado externo;  estabilidade da moeda; e pleno emprego. O pleno emprego não é apenas numérico, mas qualitativo. Querem-se garantias e estabilidades mínimas para uma vida harmônica e saudável em sociedade.

Parece que juízes trabalhistas brasileiros da atualidade vivem bem o “humanismo” típico do direito do trabalho, influenciado por autores que ajudaram a construir e sedimentar garantias trabalhistas históricas, desde o pós-Guerra. Mas a pressão e a potência do mundo corporativo é avassaladora. Às vezes os sinais são de manutenção de um bom garantismo ao trabalhador. Às vezes teme-se por excessiva flexibilização nas relações. O papel do legislador será crucial para um visão a longo prazo neste século 21. Jean Menezes de Aguiar.

               

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Redes sociais e democracia




Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 27.6.13

                Será que o conceito de “democracia” mudará com a comunicação on line entre as pessoas? Será que o conceito de “Estado” resistirá a esta democracia instantânea e não fiscalizada? Talvez os últimos acontecimentos mostrem que conceitos estabilizados podem ser revirados. Quando gestores do Estado, e até estudiosos se veem sem saber explicar, pode estar aí a mudança. Padrões verticais comuns de autoridade podem não mais regular a situação.

                Há conceitos que, estudados a fundo, veem-se paradoxais. Um deles é “democracia”, que as ruas reivindicam como patrimônio social. O professor da universidade de Yale Michael Denning (A cultura na era dos três mundos, p. 231), mostra que “A ironia do Estado democrático foi que a extensão da cidadania se obteve com uma desvalorização da esfera política e uma restrição dos poderes do público.” Cita a cientista política Ellen Meiksins Wood: “Foram os vencedores antidemocráticos nos Estados Unidos que deram ao mundo moderno sua definição de democracia, uma definição na qual a diluição do poder popular é um ingrediente essencial.”

                Uma coisa são as ruas, ninguém discute legitimidade. Outra é o “para quê” da reação. O Estado brasileiro democrático há décadas acumulou um déficit social cavalar em desrespeito ao povo. Também em corrupção generalizada de seus gestores oficiais. Outra face do problema é como “converter” a reação popular em um sentido revisional do conceito de democracia ou mesmo de Estado. Se é que a reação popular chega a ter essa força. Seria a neorrevolução.

                As manifestações surpreenderam, mas o Brasil não é a Espanha. Não há uma cultura com protestos aqui. Manifestações ocuparam as manchetes do noticiário por questões diversas. Por serem efetivamente uma revolta popular. Por serem uma novidade. Por permitirem uma cobertura instantânea mundial do jornalismo. Por sacudirem a Copa. E, por venderem jornal e revista.

                Há sinais na sociedade. Quando um governo da esquerda “erra” é prontamente considerado de direita. Até por próprios direitistas. É como se quisessem a esquerda num purismo revolucionário. Ou utópico. É a forma de a direita tornar a esquerda intangível. É uma zombaria inoculada no conceito, como um vírus a lhe comer o pulmão. Funciona para desavisados que acabam negando a diferença de esquerda e direita. Ou cínicos, que vendem o modelo em consultorias. Darcy Ribeiro criticava quem achava que a direita era “burra”. Respondia: - não é, contrata ótimas cabeças da esquerda com altos salários.

                Estado democrático, parlamentar com voto universal, é um conceito ainda jovem. O professor emérito de Yale Robert Dahl (Sobre a democracia, p. 3) afirma que é um produto do século 20. Consolidou-se só após a 2ª Guerra. Mesmo com toda a pujança social envolvida, o Estado democrático é invariavelmente chamado de burguês. Mas a burguesia, reconheça-se, foi uma de suas essências. Barrington Moore (1966) mostra que sem a burguesia não há democracia. Isso acabou sendo explicado mais tarde com a formação das classes trabalhadoras, o grande motor propulsor da democracia. O problema das sociedades latino-americanas, por exemplo, foi a pequena massa de classe trabalhadora.

                “As elites capitalistas não são partidárias da democracia”, demonstra Denning (p. 288). A rua pode ser burguesa. Mas também pode não ser. Quando não é, o caldo engrossa, o sonho não para com uma simples promessa. Dilma prometeu bonito ao Movimento na reunião de panos quentes. Não convenceu.

                Toda essa estrutura conceitual recebeu, agora, um novo ingrediente: as redes sociais. Não havia nada parecido no doce pós-Guerra de sonho comunista. A classe trabalhadora ainda é necessária para “fundar” uma democracia? Ou a “classe de internautas”, seja isso o que for, resolve a fatura? A gestação das democracias pelas classes trabalhadoras foi lenta e gradual. Já internautas, todos nós, queremos decisões para amanhã de manhã. Viva a pressa do século 21.

                No caso do Brasil, internautas são, por exemplo, o avesso do Senado Federal, a entidade que “combina rapapés de salão com desaforos de botequim” (Roberto Pompeu de Toledo, in Iná E. Castro, Geografia e política, p. 156). São o povo, de bermuda e tênis; crianças e velhos nos sofás de casa. São a classe trabalhadora nas ruas. Internautas não são mais uma elite do computador, somos todos nós. Isso mudou o cenário; tornou as análises assimétricas.

                 As ruas têm legitimidade para gritar, mas talvez não saibam criar conceitos. Quem se importa? Quando Dilma convoca o Movimento do Passe Livre para conversar, a garotada se entreolha e vive o “e agora?” Os movimentos populares, no 2º momento, nem lutam tanto pela implementação de um objetivo, mas, infelizmente, pela própria sobrevivência em si. Isso já vem desde a esquerda armada do Brasil. Daqui há 2 ou 3 anos o MPL porá 100 mil nas ruas? Tomara. A própria imprensa conservadora se incumbe de não mais repercutir.

                Internet requer rótulos “novos”. Repare-se a obsolescência dos Caras pintadas e da própria Une. O PT, ao lado da Solidariedade na Polônia, dos sindicatos de negros do Cosatu na África do Sul e das greves sul-coreanas, conforme Denning, representou um marco da esquerda no mundo no sentido da transição para a democracia. No caso do Brasil, não soube se livrar das práticas corrupcionais da velha direita. Não sofreu uma fiscalização das entidades burguesamente concebidas para fiscalizar e auditar, que só agora gritam por investigar. Piada. Nem fiscalização da sociedade.

                Redes sociais são o novo. Se o papel aceita qualquer coisa, dizem os contratualistas, as ruas aceitam extremistas lunáticos, fundamentalistas religiosos e terroristas urbanos. Mesmo esses, num caso como o Brasil, são difíceis de “julgar”. Baderneiros, arruaceiros, dirão uns com ódio rácico. Talvez doentes sociais por indignação acumulada, diriam cientistas sociais.


A internet talvez não “crie” um novo conceito de democracia. Mas comparar internautas globais àquelas classes trabalhadoras pode ser alvissareiro. Foram essas classes que criaram o Estado democrático moderno. Moderno até aqui. Moderno até as redes sociais. E daqui para frente? Só as ruas dirão. Dobre a esquina e escolha qual movimento quer se engajar. Nos vemos às 17 na Av. Paulista. Bora. Jean Menezes de Aguiar.

terça-feira, 25 de junho de 2013

JB, Renan, Dilma e turma.

Por que o desespero?


25.6.13. Joaquim Barbosa deu entrevista coletiva formal à imprensa (e também informal, quase que palanqueal). 

JB falou, valorativamente, de reformas de cúpula, história do Brasil, elites, reforma política, povo brasileiro, sistema de governo, eleição, voto distrital, movimentos populares e até negação de sua candidatura a presidente da República. Só faltou falar de sexo.

Mas qual seria a “natureza jurídica” dessa entrevista, digamos descolada e ao mesmo tempo quase um pronunciamento em “horário nacional” do chefe de um dos Poderes?

É papel do presidente "do Supremo" essas “entrevistas”? Ou isso é coisa do Novo Supremo, o Supremo Pop?

Em tempo. Toda vez que um homem público brasileiro jurou que não se candidataria, a história mostrou o contrário. Parece que "negar" é o primeiro passo para alguém se dizer eleitoralmente vivo, vivíssimo. 

JB disse que a estatística que envolve o seu nome trata apenas de "parcelas da sociedade". Será que ele sugeriu fizessem uma "total"? E se fosse uma estatística total, ele se candidataria? 

Do outro lado da praça, depois do coreto e da bandeira, um novo Renan Calheiros. Resolveu dar tudo ao povo, inclusive mais de o que Dilma prometeu. Chegou até ao "passe livre". Pronto, agora sim. Os presidentes dos Poderes aderem em tudo às ruas. É o Renan-Love.

Bastam "as ruas" ouvir isso e pedirem tudo. Tudo será de graça, que beleza. Será melhor que a Noruega. Os salários e aposentadorias deles todos, sempre acima do teto constitucional, isso as ruas vão mexer? Ou deixa quieto?

As promessas oficiais estão lindas com o novo Renan. Será namorada nova ou apenas o poder das ruas? 

Mas quem acredita?

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A proposta de Dilma




Uma semana de manifestações nas ruas e Dilma puxou o tapete de todos, radicalizou. Ninguém esperava. Fez uma proposta visceral, nada mais nada menos que uma Constituinte. Como se fosse faticamente possível. Ou simples.

O caso é que Dilma pôs em xeque toda a oposição que, como toda oposição, se vê obrigada a considerar tudo errado do outro lado e terá que dizer "não". Aécio perdeu a fala. O Psdb está atônito. Com isso Dilma se põe, verdadeira ou cinicamente, ao lado do povo e quem contestar estará contra. Lula não faria isso, estima-se. Falaria em futebol e sairia pela tangente. Mas Dilma é outro temperamento.

As barbas podem ir para o molho. A coisa pode ficar "interessante". O nome disso? Política. Dilma se cutucada espana. Aí está o exemplo concreto. Com esse discurso ela poderia ir para as ruas. Quase.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Violência e futuro nas manifestações

                                                                      Jean Menezes de Aguiar

A questão da violência por parte de vândalos integrantes da sociedade é um outro capítulo. Não há duas sociedades, uma de ordeiros e uma de agressivos. Todos pertencem à mesma sociedade. Daqui a pouco começará uma desconfiança sobre o futuro das manifestações. Se ela ultrapassar o ápice e começar a cair pode representar um desastre histórico gravíssimo para o país no sentido de a sociedade não acreditar mais na sociedade, em termos de manifestações, reivindicações e protestos. Apenas uma pauta deveria existir, não de matéria, mas de tempo. Vamos protestar durante todo o ano de 2013, ou até o final do mês. Isso pode representar estoque de munição social. Políticos e “autoridades” estão esperando a poeira baixar. Ela não pode baixar. Contra este cinismo da omissão das “autoridades” regado a uísque 18 anos nos “palácios” virão reações mais violentas e talvez em maior número.

Os protestos atuais não são as velhas “correntes” de dinheiro que inflamaram e depois se percebeu que tudo era um logro. Não há logro no conteúdo das reivindicações, há justiça aos nacos traduzida pela revolta popular, pelo repúdio e asco a políticos, “autoridades” e partidos políticos. Partidos começam a querer se infiltrar a força nos movimentos. Será um estupro. Este espaço não lhes pertence. Todos os partidos aí são espúrios e mal-vindos. Políticos são safados (quem contesta?), e suas “juventudes partidárias” ideologicamente lobotomizadas – os tais meninos e meninas com bandeiras do Pt, Psdb, Pstu, Psol, Dem, Psc e outras coisas péssimas iguais – que não representam mais nada a não ser os próprios interesses financeiros, também são, quando não são extremamente violentas.

Se “revolta” era coisa de baderneiros, o conceito se renova com 99% da população em estado pacífico. Mas ainda é pouco. Ideólogos dos movimentos precisam conversar e dar um mínimo rumo a esta força popular. Todos dependemos dela para um país melhor. Parabéns a todos. Se perdermos esta chance, pode não haver outra. O cansaço pode tomar conta por uma geração, como se deu no pós-Collor, aquela única vergonha nacional a sofrer impedimento. Não podemos deixar isso parar. Ou morrer.


Brasil ame-o e mude-o.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Acorda governo

                                                                         Jean Menezes de Aguiar

 Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 20.6.13


                Como “ler” o povo? Esta equação nunca teve resposta exata na ciência, até porque as ciências da área não são exatas. Observadores qualificados vêm tateando interpretações plausíveis. Buscam respostas para os protestos no país. O protesto está mais que vivo, parecendo se replicar. O assunto não é mais o aumento de preço dos ônibus. Reacionários, conservadores e autoritários de plantão dirão, em sanha “ordeira” que o movimento é baderna. Não é. O fato é que o povo parece ter acordado. Se não o povo, grande parte dele. A ponto de mobilizar a imprensa nacional e mundial.

O protesto não foi um momento; está sendo um processo. Coisas bem diferentes. É como se a sociedade descobrisse que é mais forte que a polícia, aí o primeiro degrau. A coisa do “povo unido” foi testada. Não pela primeira vez, pouco importa, mas o sabor da vitória está crescendo. De novo, há o ingrediente da internet que torna fácil reunir a “galera”. Se os manifestantes “descobrirem” que são também mais forte que o Estado, podem querer “tomá-lo”. O nome disso? Um velho nome em desuso: “revolução”. Claro que nada é tão simples assim. Mas o país está sacudido e governantes perderam o sono. Muito bom isso.

                O filósofo com a cabeça na guilhotina, na França, dispara: “Ó carrasco, de onde vem o seu poder sobre mim, se todo poder emana do povo?” O caso é que no Brasil, os governos e suas “autoridades”, há décadas, são carrascos do povo. Vitalícios ou perpétuos. Remunerados como reis num país historicamente humilde. Com evolução patrimonial pessoal jamais fiscalizada. Frequentadores de coquetéis nababescos em “palácios”. Com meses, no plural, de férias legais (e imorais) por ano. Com poder de aumentar os próprios salários. E muita, muita impunidade. São também filhos e netos beneficiados, herdando e sucedendo cargos e postos. Ou pelo voto ou por concursos arranjados.

                Roberto Romano, professor de ética da Unicamp, ensina que o Brasil vive uma “autocracia”, um modelo imposto pelo Estado e seus agentes à sociedade. Mas a falência do modelo mostra os caninos, com cáries. A questão passa exatamente por isso: de um lado “autoridades” inatingíveis e chafurdando na corrupção, do outro o “mero cidadão”. Não houve diálogo na imposição desse desenho autocrático.

                Se a sociedade “perceber” o custo social desse Estado desonesto, somado ao custo social das “escolhas” que ele faz, por exemplo com o gasto de bilhões de reais na Copa, tudo comparado à míngua em atendimento público, pode, sim, haver rompimentos sistêmicos graves.

                Talvez os protestos tenham uma resposta paradoxalmente complexa e simples. A náusea social. O não aguentar mais do povo brasileiro para com o modelo institucionalmente corrupto do Estado. Fica clara a erupção de uma revolta do povo sofrido há décadas que percebe que poderia ter condições sociais infinitamente melhores. Saúde, transporte, educação, segurança e felicidade social poderiam pertencer ordinariamente aos lares brasileiros. Não há isso por um problema única e exclusivamente de gestão. Ou melhor, má gestão, aliada à endêmica e antropológica corrupção oficial. A desculpa da falta de dinheiro não convence mais ninguém.

                Com a internet o mundo ficou menor. Sabe-se aqui que na Noruega há bicicletas para todo mundo. Sabe-se aqui que na França os pontos de ônibus têm hora e minuto de chegada do coletivo, e ele chega. Sabe-se aqui que deputados em diversos países têm um sala-e-dois-quartos para viver. Se não quiser, dane-se. Ou chore. Se as comparações não servem como um modelo para “imitação”, servem como inspiração. Se não são esses modelos precisamente, há inúmeros outros.

                Quanto à atuação da polícia nos protestos, é um caso à parte. A autonomia da polícia, percebeu-se, é zero. Ou ela atende a uma ordem direta de um secretário de segurança autoritário de baixar o sarrafo, como cumpre cegamente e baixou; ou atende a uma ordem de um governador também autoritário que percebeu a besteira na gestão e determina, então, uma leniência promíscua, e ela também cumpre. Vira a polícia chuchu, insossa e omissa, além de errada. Mais uma vez a polícia foi usada, em SP na primeira manifestação, como o ex-delegado carioca Hélio Luz se referiu no maravilhoso documentário Notícias de uma guerra particular: um mero e típico instrumento de repressão a favor das elites.

                O fato de não haver uma direção nem uma pauta definida nos protestos foi percebida por não poucos observadores como uma deficiência. Mas exatamente isso pode ser o que de mais legítimo há. Considere-se a frustração que foi o último grande sonho nacional, a Constituição de 1988, em termos de efetivar o tal “país do futuro” como país do presente. Some-se isso à corrupção e à impunidade. O resultado pode ter começado com estes protestos. Nas ruas. Esta semana.

                Poderá ser fogo de palha? Poderá. Já se cantou que bastava um jogo de domingo no Maracanã para que o povo esquecesse a ditadura e as dificuldades. Mas o certo é que muita coisa mudou. Aí está a esperança.

                Pelo lado do Estado, viram-se “autoridades” visivelmente contrariadas, porque em xeque com sua gestão desmoralizada, experimentando um cinismo prêt-à-porter. Tentando demonstrar “gostar” das manifestações. Dilma, num segundo momento orientada por Lula, ensaiou capitalizar sobre a situação. O Psdb profetizou que quem fizer isso sofrerá um sinistro “preço de retorno”. Todos quiseram tirar casquinha. O fato é que políticos não sabem viver sem pensar nos próprios umbigos e currais eleitorais. Não fazem pelo país e pela sociedade. A reeleição é um crack eleitoral. Até Feliciano aproveitou e aprovou sua “cura gay” na comissão de direitos humanos.

                Pelo lado dos manifestantes, pacíficos e poderosos, a nota é 9,9. Parece não haver outra. Vem sendo tudo espetacular. Pelo menos no plano numérico. Se vinte imbecis, vagabundos, ou criminosos, em uma passeata de 200 mil manifestantes têm força física para incendiar automóveis e quebrar portões, atraindo uma imprensa que, percebe-se, adora um fogaréu na noite, é parcela ínfima. Isso borra o movimento e exporta essas imagens para o mundo. Mas o saldo no país é inegavelmente positivo. Nem apenas porque diversas prefeituras e governos já começaram a baixar tarifas, de pressinha. Mas a própria conscientização democrática de se manifestar.

                Há um hiato abissal entre o legítimo anseio da população, o desejo social, e a obrigação de atendimento público pelo Estado. Vive-se um neocoronelismo urbano atualmente mais agudizado pelo recrudescimento de um “estamento burocrático”, nas palavras de Raymundo Faoro. O Estado, historicamente, só cuidou bem “dos seus”. Afora a raia miúda de funcionários públicos, invariavelmente também explorada, os escalões de mando e gestão sempre zombaram de quem lhes paga, o povo.


Praticamente toda a sociedade parece ter desenvolvido uma ojeriza uniforme por políticos, e não só estes. Nada que ver com anarquia. Os protestos podem mostrar que é o povo que manda. Tomara que seja assim. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Mulher?


                                                                        Jean Menezes de Aguiar 

 Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 13.6.13

                A matéria de hoje é sobre o melhor do mundo, de novo, a mulher. Carlinhos Cachoeira, o banqueiro, que o diga. Sim, banqueiro, palavra sinônima de bicheiro, é a mesma coisa. Esta semana Carlinhos desafiou o governador de Goiás para um duelo, porque sua belíssima teria sido desrespeitada. Viva Andressa, que espetáculo. É claro que o governador não encarou. Sobre Cachoeira, passou-se a desconfiar que atrás daquele coração mafioso há um homem sensível. Desses que faz poesia em guardanapo de restaurante. Bingo. Andressa que se cuide. A mulherada do Brasil se encantou com Cachoeira, a versão real do “esse cara sou eu”.

A interrogação no título se refere à dúvida que certos elogios e “reconhecimentos” feitos à mulher despertam. Se são verdadeiros ou escondem uma ponta de machismo e tentativa de superioridade por parte de certos (muitos) homens. Também se refere à reação que algumas mulheres, as “poderosas”, têm quando desconfiam de um machismo camuflado. A mulher forte é um espetáculo. Isso mesmo, considerando-se que há homens e mulheres fortes e fracos. Já os conceitos de força e fraqueza são uma discussão relativa e infinita.

  Um exemplo simples de mulher forte seria aquela que, ao ouvir um desaforo masculino, “nem” responde, gargalha, verdadeiramente alto, e imprime uma desmoralização no ofensor. Pela segurança, pela superioridade pessoal. Essas são as temidas. Embates intelectuais com as portadoras de útero e amamentadoras em potencial têm uma psicobiologia diferente. Dois homens disputando qualquer coisa sabem que no fim último podem resolver na tapa. Já com a mulher não é assim. Isso refina o embate, sensibilizando-o.

É por isso que muitos homens simplesmente “não aguentam” discutir com a mulher. Mas também é por isso que algumas mulheres se valem disso para desacatar, às vezes deliciosamente, um marmanjo.

Passaram a existir, em sociedades como a brasileira, novas maneiras de se relacionar com grupos desfavorecidos e discriminados. São novos modos no tratamento social para com o Outro. Às vezes modos mentirosos e cínicos. Muita gente “descolada” passou a se dizer salvadora do planeta, da humanidade, do oxigênio etc. Alguns desses, com um baseado de 20 centímetros na boca, mas tudo bem.

Na lista de discriminados, a mulher conseguiu ter a preferência. Seu lobby natural venceu índios, nordestinos, sem-terra, negros etc. Venceu até os gays. A força feminina atualmente quase que não precisa mais se afirmar. Sua igualdade compensadora ao homem se entranhou na cultura de modo orgânico. Passou a ser até “bacana” defender a mulher.

 Reconhecer o valor da mulher, continua pontuando. Ora verdadeiramente, ora cinicamente. Continua fazendo do homem um sensível, um “fofo”, como muitas gostam de falar. E muito marmanjo aprendeu que ser sensível garante a posição e, claro, gera proveito. O problema é quando o tratamento correto é apenas estético, de boca para fora. Ou se mostra como um biombo para disfarçar alguma personalidade perversa. Daqueles que se travestem (ops) como alguns representantes de direitos humanos por aí.

A mulher, por seu turno, se beneficia de todo esse mimo e gentileza masculina. Gentileza, até “interesseira”, mas tudo bem. À mulher é sempre confortante o carinho. Mas ela precisa desconfiar do discurso. Por trás de nomes, títulos, compensações e agrados públicos pode haver uma intenção machista, calhorda. Um intuito camuflado de “bater o ponto” com o politicamente correto.

Será que a mulher precisa ser reconhecida “pelo homem”? Como se fosse uma outorga? Como um chefe que reconhece um inferior? Para muitos homens, “no fundo”, é assim.

Li um texto atribuído a Pedro Bial (pois é, quem mandou?) esta semana. Bial deve ser para inúmeras beldades um “fofo”. Bonito, rico, da Globo, gentil etc., tudo bem. Mas o pequeno texto de oito linhas poderia ser usado por uma feminista no sentido de que Bial teria deixado a mulher à deriva, à “escolha” de um lobo mau. Como se não tivesse vontade própria. Bial recomenda que o homem vá lá e “passe a mão nos cabelos dela” e questiona: “Agora, eu te pergunto: tem dado valor? Muitos invejam você e estão só de olho, esperando seu primeiro vacilo para atacar. E aí, amigo, vai esperar vê-la nos braços de outro?”

Um dos traços da mulher, se é que se pode comparar, é ser bem menos volúvel que o homem. Mulheres não costumam mudar de galho simplesmente porque não foram acarinhadas. A paciência da mulher com o desamor parece ser muito maior que a do homem. Elas costumam dar inúmeros sinais ao longo de um tempo muito razoável, longo, de que estão infelizes. A mulher sonha; o homem consuma. Esta diferença também parece ser bem clara. E mulheres adoram homens que sonham junto. Aí um dos segredos.

Mulheres têm coisas chatas, estão longe de ser perfeitas. Buzinam mais no trânsito; não dão a vez em cruzamentos; são complicadas em filas – ficam empurrando quem está na frente –. Mas mulher continua sendo a melhor coisa do mundo. Se a mulher é uma leoa na defesa da prole, o homem é um rinoceronte na defesa de sua leoa. Se o ciúme feminino é ácido e corrosivo para o homem; o ciúme masculino é mortal ao próprio homem. Alguns fatores se equiparam, percebe-se, apenas com características diferentes.

Também não se pode confundir a tal mulher “poderosa”, que supostamente se basta, com o prazer que qualquer mulher terá em ver seu companheiro lhe defendo. O feminismo conquistou coisas muito boas. Mas nada supera a harmonia do casal, seja ela qual for. No fundo, quem sabe o que é bom para o casal é o próprio casal. Mulher? Ainda não inventaram nada melhor. Jean Menezes de Aguiar.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pela liberdade do tripé


                                 Jean Menezes de Aguiar (celular)


Artigo publicado nos Jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 6.6.13

                Há coisas que, juro por deus, parecem totalmente ilógicas. Aliás, a possibilidade de os humanos produzirem coisas ilógicas parece mesmo ser ilimitada.

                Certos lugares “deixam” você tirar fotos, à vontade. Mas não a máquina num tripé. Não estranhe, é isso mesmo que você acaba de ler. E há mais, essa não é uma invenção brasileira. Ao contrário, nós imitamos isso dos Estados Unidos. E também não só lá. Como imitar faz muito sucesso pelas terras do continente sul-americano, continuamos com esse desejo louco de ser o outro.

                A referência à proibição ao uso do tripé está na espetacular coleção de Scott Kelby, Fotografia digital na prática, vol. 1, p. 172. Em linguagem descontraída e brincalhona o autor chega quase que a zombar da proibição oferecendo uma “saída”, digamos, cartesiana ou positivista, para os que interpretam tudo ao pé da letra.

                Lê-se no livro: “O truque do monopé. Atualmente, vários locais fechados simplesmente não permitem armar um tripé (por exemplo, tente armar um tripé em algum lugar como a Grand Central Station. Você pode contar os segundos antes da chegada dos seguranças). Mas, eis a parte esquisita: embora muitos lugares imponham uma política estrita em relação a tripés, tais locais não têm uma diretiva para monopés (versão de tripé de uma única perna, muito utilizado na fotografia esportiva com lentes de longo alcance. Embora não sejam tão estáveis quanto um bom tripé, os monopés são bem mais estáveis do que segurar a câmera com  a mão). Então, o truque é este: se reclamarem do uso de um monopé, você sempre poderá dizer: ‘veja, isso não é um tripé’. Esse tipo de comentário costuma acalmar os seguranças... Meu palpite é que ninguém o incomodará.” (p. 172).

                Parece surreal, mas é assim. A coisa é globalizada. A explicação? É que com tripé a fotografia “pode” ser para uso profissional, leia-se comercial. E aí, ou querem um jabá, uma beirada no lucro, dinheiro para autorizarem, chamado pomposamente de participação nos direitos comerciais e/ou autorais, ou apenas são autoritários e querem exercer o gozo e a delícia do poder.

                Imaginando-se um local privado, particular, o proprietário pode querer inventar regras para exposição e captação de imagens. Mas a coisa ficará crítica quando se pensa em um local público, com natureza jurídica de “res publica”, ou seja coisa do povo, daí a palavra república (em latim “re, res, rei, rem”, prefixos que querem dizer “coisa”).

                Ou seja, fotografar pode, com a máquina na mão ou, imagine-se, com um monopé. A implicância é com o tripé. Autores como Kelby, citado, têm outra explicação ainda. Dizem que a diferença entre um fotógrafo amador e um profissional é o uso do tripé. Em muitos casos sim, por exemplo, para fotos de paisagens e estúdio. Mas o fotojornalismo e a fotografia de esportes, por exemplo, o máximo que se pensa, em muitos casos, é um monopé.

                Nos esportes, por exemplo, uma quadra de basquete ou de volei, o tripé próximo ao jogo poderia ser uma fonte de acidentes com atletas. Este tipo de explicação é lógica e razoável. Mas o “ciúme” com a imagem “com tripé”, até porque sem tripé todo mundo capta nos celulares e maquininhas, parece mesmo bem esquisito. Isso quando não chega ao arbítrio, à ilegalidade.

                Durmam com este barulho. O ex-prefeito de São Paulo, por ocasião da Virada Cultural, tentou proibir o uso de tripé ... nas ruas. Deve ter achado que o solo urbano lhe pertencia. Uma tal “secretaria municipal de segurança urbana” (eles adoram inventar instâncias oficiais) em  concerto com a subsecretaria da Sé baixou alguma coisa – portaria, parecer, imposição, ordem, sabe-se lá o quê, “regulando” o uso do tripé em “solo público” paulista. Tomou uma saraivada de desaforos e ridicularizações nas redes sociais e de pressinha voltou atrás. Mas espera: não é Virada Cultural? Qual o problema de as imagens serem captadas? Ou será que é porque a segurança do povo é sabidamente falha e os esfaqueamentos, roubos e assassinatos seriam registrados? Pois é.

                Toda ditadura, na história, implicou com a imprensa livre e as diversas formas de captação de imagem, som e registros em geral. Mas arte e cultura é uma exorbitância.

                Embarcando outro dia no aeroporto de Confins, Belo Horizonte, com um casal de professores da FGV, a sirene do raio xis apitou para o amigo que certamente possuía moedas no bolso. Almir, um grande gozador e chefe aposentado da Secretaria da Receita Federal sorriu e levou a coisa na brincadeira. Voltou várias vezes, mas o apito do raio xis não parava. Daí, prontamente saquei a máquina para fotografá-lo, quando ele iniciava o procedimento de quase ficar nu: tirar cinto e suspensório. Fui advertido energicamente pela moça da Infraero. Eu estava cometendo um ilícito. Fotos eram proibidas. Mas por que?  Resposta sentencial: “norma da Infraero”. (Infraero tem norma?)

                Proibir. Proibir é uma sanha onírica que assola chefes, diretores, superintendentes, “autoridades” e adoradores de “autoridades”. Proibir é orgásmico. Não tente usar a razão contra a proibição. Perderá. É óbvio que eu “questionei” o porquê da proibição. A “moça” disse que se eu insistisse ela chamaria o “supervisor”. Eu queria que ela chamasse a polícia federal, mundial ou interplanetária. Veio somente o supervisor. Ele não era autoritário, era triste. Talvez percebesse o patético que era a ordem. Ou pior, a “crença” da moça na ordem. Mas não podemos pedir que ela “questione” a ordem. Isso é coisa de subversivos e marginais. Neste mundo corporativo sem Nietzsche, coisa de terroristas.

                Criou-se o imbróglio fotográfico. Eu queria o Almir pelado. Bem, fotograficamente apenas. Não consegui porque “liberaram” o professor com a deliciosa confusão. Nessa escala, se eu armasse um tripé seria algemado pelo delegado da Infraero. Ou o equivalente em ordenações e controles.

                Mas qual é a natureza jurídica da Infraero? Ah, deixemos essa chatice para lá. Saúde e paz para a moça que “crê” na ordem.

Em tempo, em outra viajem armei um tripé numa área totalmente vazia e quase esquecida do aeroporto de Congonhas para fotografar pousos e aterrisagens. Veio um funcionário da Infraerro, ops, Infraero, e com toda gentileza me advertiu que sem tripé pode. Mas com tripé não pode.  Sabe o que mais, deve haver algo de sexual ou fálico com a implicância do tripé. Só pode ser. Jean Menezes de Aguiar.