O poderoso Oscar
Comecei este artigo em
6.12.2012, numa escala de voo para Palmas, Tocantins. Estava sem jornal, mas
confio no público que voa de SP para Brasília. É um povo importante, com roupas
importantes, conversas importantes até o último segundo da decolagem no celular,
quando não tentam continuar nelas. Além disso, levam jornais. Sim, esse povo
leva jornal. Também confio que este mesmo povo passa os olhos pelos jornais e o
despreza na primeira baldeação.
O jornal pode ser uma mera referência de assuntos do dia a dia; pode
ser uma leitura agradável; ou pode ser um suporte psicanalítico de se ter algo
nas mãos enquanto se voa. Como o livro, aquele instrumento do saber composto de
folhas que dispensa energia, saiu de moda, o mais imediatista é o jornal.
Pousou o avião na poderosa BSB e minha previsão não falhou: havia dezenas de
jornais chiquemente abandonados nas poltronas do avião. O jornal, para muitos,
é aquele amor prostituto: dura apenas até o saciar-se, depois vai para o lixo.
Havia nos jornalões do dia,
cadernos inteiros dedicados à morte Oscar Niemeyer ocorrida na véspera. Aí o
motivo do nome do texto. Oscar, um nome que muitos brasileiros aprenderam a
ouvir e sentir doçura, mesmo quem não se ligava ao comunismo ou ao ateísmo como
ele. Oscar era assim, misto de inteligência, arte e doçura em pessoa.
Três são as referências que me vêm à cabeça quando penso no nome Oscar.
A primeira é Niemeyer, o gênio arquitetônico do Brasil ao lado de outros, por
exemplo Chico Buarque & Tom Jobim, que uma juventude atual não sabe quem
são. A vida tem seu nexo, parece que reservou alguns gênios apenas para alguns
admiradores, sem preconceito. Ela oferece de tudo, cada um pega o que quiser.
Os gênios vivem ali, públicos, mas apenas uns poucos conseguirão
decifrá-los. Outro dia um moço do interior do país disse que Chico não é um bom
cantor “porque é rouco”. Então tá. Deve ser um “bom moço”. Chico faria uma
música para ele, algo como “Sem compromisso”, de Geraldo Pereira e N.
Trigueiro, sucesso de um Chico doce. Oscar era um gênio assim, doce e amado,
mesmo quando criticado. Além de ter sua competência mundialmente reconhecida.
Os gênios são assim, um puxa o outro e assim vai.
A segunda referência do nome Oscar é o prêmio de cinema, o Oscar,
aqui paroxítono e com erre mineiro, ou caipira, arrastado. Este mesmo prêmio
que passou a ser cult falar mal dele. Críticos o detraem, dão de ombros,
ignoram-no de modo blasé, mas na festa fazem fila para conseguir um
ingresso. Ainda se mede o valor de um filme pelos Oscars que obteve. Ou
melhor ainda, pelas indicações, meras indicações. E não apenas uma medida
comercial. O prêmio não pode ser tão desprezível assim. Há uma intelectuatite
querendo desmerecer o prêmio, mas ele esbanja poder e singularidade. Viva o Oscar.
A terceira referência é absolutamente impactante. É um gato, sim um
mero gato (felis silvestris catus). Mas este é totalmente especial e
impressionante. Ele presta um tipo de “serviço médico”, que nenhum ser humano
ou especialista consegue prestar. Sua foto saiu publicada no renomado New
England Journal of Medicine e Oscar também está referido no livro do
biólogo Frans de Waal, A era da empatia, ps. 108 e 330.
O gato Oscar, nascido em 2005, vive numa clínica geriátrica em
Providence, Rhode Island, o menor estado dos Estados Unidos. A clínica cuida de
pacientes com Alzheimer, Parkinson e outras doenças. Oscar simplesmente indica
aos médicos qual paciente irá morrer nos próximos dias. Já identificou dezenas
de casos com precisão. Perambula livre pelos corredores do hospital, entra e
sai em todos os leitos. Mas quando pressente que a morte de alguém está
próxima, por questão de um ou dois dias, aconchega-se junto ao paciente
delicadamente e não sai até que o falecimento se dê. Nunca errou.
O geriatra David Dosa que narrou o caso em A Day in the life of
Oscar the cat, afirmou “Sua mera presença junto ao leito é vista pelos
médicos e enfermeiros como um indicador quase absoluto da morte iminente, o que
permite que os membros da equipe avisem as famílias a tempo. Oscar já
permaneceu junto de pacientes que, não fosse pela presença dele, teriam morrido
sozinho.”
Talvez das três referências, a do gato Oscar seja a mais “alvissareira”
para um filosofar neste ano de 2013. Não por se supor qualquer morte próxima,
mas pelo fato de se saber que a vida é finita. Niemeyer aos 100 anos reclamou
que “a vida é uma merda porque nascemos condenados à morte”. E não adiantam as
teorias místicas que criam céus e infinitos de desenho animado. Em 2013 não
temos mais Niemeyer para conceber genialidades. Esta pode ser a grande lição
para que aproveitemos melhor e com mais doçura a vida que temos e a que ainda
temos.
Há quem goste de fingir que a morte é um mero rito de passagem. Se isso
lhe faz feliz, tudo bem. Mas há quem não consiga fingir que o filho se foi e
sabe direitinho que nunca mais o terá. O cinema já filmou muito a vida, a morte
e as perdas que ocorrem nas famílias. O cinema tem muito a ensinar. Por meio
dele se aprende a viver melhor com exemplos sábios filmados por verdadeiros
gênios.
Os três elementos do artigo de hoje talvez tenham pouco entre si,
talvez tenham muito. Niemeyer venceu a vida comum, aquela que costuma acabar
por volta dos 80 anos ou 90 anos, isso já com alguma sorte. O gato Oscar em sua
triste ou feliz sina de perceber a morte humana, oferece momentos reais e
finais de vida a parentes de quem está indo embora. E o cinema nos ajuda a
pensar sobre tudo isso junto, com valores outros, de outras pessoas.
O tal do “saber viver”, cada vez mais, com mais e mais informações e
conhecimento científico sobre a vida, exigirá das pessoas uma sabedoria doce
para tornar a vida mais fácil. Fora daí estará o bruto, o insensível, o
ignorante e o que não consegue se encantar com o singelo. Precisamos de um 2013
com menos “problemas”, menos invejas, menos disputas, menos lucros e menos
vencedores. Precisamos de mais amizades e de mais poesias. Mesmo a estranha
poesia feita por um gato que talvez não saiba a importância que tem para
algumas pessoas. Feliz e verdadeiro 2013 para todos.
Jean Menezes de Aguiar