O preconceito envolve o
objeto e o olhar. É sobre o objeto que o olhar repousa. Se o objeto é doente e
a leitura revela a doença, não há preconceito, mas relação simétrica da leitura
que apenas acompanha, conhece e identifica uma doença existente. Mas se o
objeto é são e a leitura continua doente pode ter havido preconceito, como pode
ter havido apenas um equívoco. Objetos sãos podem disparar equívocos e
preconceitos. Haverá equívocos quando a produção da leitura se dê em deformação,
oriunda da 1) falta de conhecimento - a ignorância -; ou 2) truculência na
análise - a imbecilidade-. Já o preconceito poderá ser 1) desejado e
consciente - quando se nutre e se mantém a leitura preconceituosa sobre um
objeto-; bem como 2) imperceptível para o próprio agente - quando a leitura é
fruto de uma má formação cultural, educacional, social etc.
Nalguns casos o
preconceito chega a consubstanciar uma crença, uma ideologia ou um corpo
homogêneo e sistêmico de visão de mundo do agente que comporá feições potencialmente
genéricas sobre a própria personalidade como 1) conservador ou retrógrado; 2)
machista; 3) radical; 4) autoritário; 5) formalista e outras. É interessante
que cada uma dessas visões representam gêneros abertos de traços
personalísticos que recepcionam subgêneros, espécies e subespécies de
preconceitos. Assim, por exemplo, o gênero conservador deverá primar, na esfera
familiar pelo casamento virgem da filha; na política por um modelo autoritário de
direita ou contrário a direitos humanos; nas artes, um padrão que coíba o que
possa ser classificado por indecente, imoral, mundano, como se a arte fosse
contível.
A análise exauriente
afasta tanto o radicalismo quanto o preconceito. Ela não se compraz apenas com
o pictórico, o superficial ou o aparente. A busca pela ilimitude do
aprofundamento na identificação de o que possa ser o objeto é uma garantia
metodológica de que o agente não lida nem com o radicalismo - uma forma de
parar a análise somente no ponto da leitura doente por agravamento que se quer,
mas sem exauriência -, nem com o preconceito - uma forma de não permitir o
aprofundamento na leitura, mantendo-a superficial, quando se atinge um atalho
cognitivo para se pular a uma ilha conceitual que abrevia o sentido da coisa,
exatamente aí o preconceito.
O avesso do preconceito
não é a permissividade, a anarquia, a desordem ou a deficiência na análise. Não
garante não ser preconceito quem acha que tudo pode e de qualquer jeito; que
uma visão anárquica esgarçada da autoridade é a correta; que a ausência de uma
ordem sistêmica é a garantidora da liberdade de pensar; e que a análise ametódica
é a correta. O não preconceito não tem que ver com insuficiência de forma, de
análise, de método e de quantidade de cultura (padrões sociais) que saiba
separar o certo do errado, o bom do mau, ainda que isso possa ser bastante
relativo. Em condições e padrões sociais considerados normais, ninguém aceitará
valores como incesto, pena de morte, pedofilia, abortamento a partir do 3º mês
de gravidez e outros núcleos duros aceitos por uma grande maioria lúcida da
sociedade ocidental e evoluída. Assim, será totalmente falaciosa, por exemplo,
a pecha de preconceituoso a quem defender a proibição da pedofilia ou do
incesto. Elas têm que continuar proibidas. Há núcleos certos e errados, e a
defesa do certo e condenação do errado não têm nada que ver com preconceito.
Anular essas fronteiras nem é liberdade, nem modernidade, nem garantia de não
preconceito, apenas afetação a um sistema cultural que se quer não afetável.
Como a pecha do preconceito é perigosa e pode gerar um tumor autóctone na personalidade,
uma imanência viral que pode acompanhar o agente, será uma baixa esperteza
apontar alguém como preconceituoso quando ele efetivamente não seja. Ao mesmo
tempo que a falácia desse método será facilmente percebida.
O preconceito é
invariavelmente autoritário, além do que um formalista, porquanto não adepto da
análise exauriente. Tanto o agente autoritário deverá ser um preconceituoso e formalista;
como um preconceituoso deverá ser um autoritário e formalista; quanto um
formalista deverá ser um preconceituoso e autoritário. O fluxo de forças nessa
tríade - preconceituoso, autoritário e formalista - parece ser bastante nítido
e intenso.
O preconceituoso nega a
exauriência geradora do deslumbramento. O autoritário constroi sua própria ilha
que não o liga ao continente. O formalista nega o método libertador e
nitidamente empaca. Nos 3 casos há estanqueização forçada de um melhor tônus
cognoscitivo. Se o preconceituoso baba preconceito, o autoritário e o
formalista suam, o que dá no mesmo. Os três requerem cuidados especiais no
trato social, no manejo diário, na simples convivência. São pessoas perigosas e
difíceis. Invariavelmente escondem invejas e mediocridades bastante nítidas.
Muitas vezes maquilam suas perversidades e problemas com fundamentalismos
religiosos e outros disfarces de invocação com o sobrenatural para invocar uma
bondade cristã totalmente mentirosa ao observador atento. O preconceituoso, o
autoritário e o formalista só são confiáveis até o ponto em que suas ideias
possam não ser confrontadas, discutidas ou afastadas. É por isso que
intelectuais, cientistas e pensadores famosos optam por não entrar em embates
públicos com essa gente. A honestidade não é a tônica ou o manejo das
conversas, mas um ponto escondido preconcebido que será revelado, como um xeque
mate, em qualquer esquina do diálogo. Um xeque mate imbecil, sabe-se, mas para
o energúmeno inventar uma imbecilidade assim deve ser algo genial. É uma gente
a se manter sob vigilância eterna, ou longe. E esse cuidado à saúde mental não
tem nada que ver com preconceito. Jean Menezes de Aguiar.