Há
uma famosa “direita penal”. Grandes estudiosos do direito como Nilo Batista, já
mostraram as faces e as máscaras dessa corrente. Se há uma modernidade e um
atraso; um progresso e um conservadorismo, a direita penal sempre representou o
atraso. Para criminalidade pensam em presídios, em vez de educação. Para
estupros, pensam que a mulher provoca ou se insinua e por isso tem culpa. Para
violência do tipo Carandiru, querem violência e não inteligência. Para drogas e
seus doentes, querem punição, em vez de tratamento e educação. Sobre a pena de
morte, nem precisa dizer que se derretem a favor.
Ditadores,
conservadores e reacionários em geral sempre se refestelaram nas categorias
icônicas da direita penal. Ora sob uma desculpa, ora sob outra. O direito
mundial caminhou em direção a uma melhor garantização da pessoa humana.
Proteção, educação, reabilitação, atenção e considerações compuseram todas as
constituições dos países avançados. Mas quando não se resolve uma questão
social pela educação o atalho mais cínico e fácil a governantes imediatistas é
construir prisões e agravar as penas do sistema jurídico.
Fui
aluno de Alyrio Cavallieri, hoje com 92 anos, chamado de “O anjo protetor das
crianças” pelo Jornal do Brasil. Com esse internacionalmente conhecido jurista
especializado em direito do menor se aprendia que a menoridade deveria ser
aumentada e não reduzida. Era um espanto, mas o ensinamento era totalmente
sedutor e lógico, no sentido de que um jovem com 19 anos, por exemplo, ainda pode
ser reeducado e consertado. E é verdade. Mas talvez no Brasil do consumo e da
crise ética, o mero passar do tempo corroeu alguns sonhos e teorias. A
brutalidade bateu às portas e vitimou maciçamente. Mata-se pelo tênis, pelo
dinheiro dos próprios pais, pelo ciúme da namoradinha. Inventou-se a morte sem
motivo, vácua, ou a morte por diversão.
Esse
despudor ganhou status de educação criminosa. O ótimo filme Notícias de uma
guerra particular, de João Moreira Salles e Kátia Lund, documentário sobre
o tráfico no Rio, mostra a infância pré-perdida. Meninos de 9, 10 anos de idade
iniciados no manejo de matar.
Recente
pesquisa de um letárgico Senado Federal que praticamente nada produz, mostra
89% da população a favor de se reduzir a menoridade penal. Mas tudo fica muito na
classificação do “achismo”, da “achologia” e dos “achólogos”, palavras do mesmo
Cavallieri. Nessa pesquisa feita “por telefone” (imagine só), 20% dos entrevistados
querem a prisão das pessoas de qualquer idade. 16% acham que a maioridade penal
deve começar aos 12 anos. 18% pensam que deveria começar aos 14 anos. E 35%
opinaram que 16 anos é a idade limite para a menoridade penal. Só 7% concordam
com a atual regra, da maioridade penal a partir dos 18 anos.
Percentuais
impressionantes. 20% aceitam que a criança de 8 anos de idade, por exemplo,
deve ir para a cadeia. Outros 16% querem uma criança de 12 anos presa. Isso é
uma forma de “consumismo”, achar que cadeia resolve. Dane-se a educação, o
importante é cadeia. Políticos paulistas têm pensado assim e São Paulo, só
neste ano, já perdeu quase 80 policiais assassinados.
Há
um critério cientificamente equivocado que muitos usam para querer reduzir a
menoridade. É o chamado “critério do discernimento”: dizer que o jovem de 16
anos de idade “pode” ir para a cadeia porque sabe o que está fazendo. “Saber” o
de 15 anos de 11 meses também saberá identicamente. Vê-se que o critério do discernimento
é imprestável. Por outro lado, há novidades na sociedade como um todo. Talvez “conceitos”
tenham mudado através dos tempos. Conceitos como “educação de rua”, “ética”,
“respeito”, “maturidade”, “nível de informação”, “acesso ilimitado a
informações”, “convivência em harmonia”, “obter vantagem em tudo” etc.
Se
esses conceitos puderem ter influência direta na “formação” de um jovem, talvez
a menoridade possa ser reduzida. A revolução tecnológica, a informação etc.
podem ser responsáveis a que um garoto de 16 anos da atualidade seja
incomparável a um igual, 80 anos atrás. Mas como se chegar a uma idade “certa”
para a menoridade penal? Não há essa resposta na ciência exata. O direito
utiliza um critério inteligente chamado “política legislativa”. Por esse
critério, o sistema legal escolhe uma idade e ponto final. Escolheu 18 anos no
Brasil e pronto. Isso gera segurança jurídica. Por esta mesma lógica (não pelo
discernimento!) pode-se construir que talvez uma redução na atualidade, para 16
anos, que seja, pela coincidência com o voto, possa ser “razoável”.
Mas
todo cuidado com essa conjetura é necessário. Há sanhas pelo cadeísmo, pelo
penitenciarismo, pelo punitivismo, pelo reducionismo da menoridade. A
Constituição da República de 1988 tem como mote central a dignidade da pessoa
humana. Dizer que as vítimas de crimes não têm direitos humanos é, tecnicamente,
das afirmações mais boçais que há. Quem quer pensar assim não merece atenção,
porque os direitos humanos são para todos indistintamente, inclusive para os
assassinos e criminosos em geral que a sociedade de bem não quer soltos, com
toda razão.
Desgraçadamente
falta isenção e estudo para o tema entre leigos, sem se falar que a sociedade,
se puder, lincha, pratica o justiçamento. Perguntar a uma pessoa de bem qual é
a menoridade “correta” é o mesmo que perguntar qual é a melhor anestesia para
uma cirurgia de apêndice a um motorista de táxi. A diferença é que o direito é
falsamente “apreendido” por qualquer um da rua. E aí, todo mundo opina, sabe,
afirma e “acha”.
Cidades
como São Paulo e Rio de Janeiro podem encabeçar algum movimento científico sobre
a redução da menoridade. Por outro lado, essas 2 cidades não são o retrato
antropológico do Brasil, ainda que 80% da mídia e da opinião “publicada” possam
estar aí. Tomar o Brasil apenas por essas 2 cidades pode ser um grande erro. A
menoridade protegida até os 18 anos parece começar a fazer água. O problema é
se arrombar o furo e não se considerar os diversos povos existentes no país,
conforme dizia o mestre Darcy Ribeiro. Isso tudo sem falar na vedação
constitucional de mudança chamada cláusula pétrea. Há um nó górdio aí. Jean Menezes de Aguiar