sábado, 3 de março de 2012

Todo mundo é isento nas análises?

O lindo e amado Gaston Bachelard, pai da epistemologia e fazedor de tantas cabeças pelo mundo


Uma ova! Todo mundo diz que é, jura, garante, promete, afirma, faz cara de sisudo, mas não é mesmo. Isenção é treino, hábito, costume e muito estudo. Isenção é exercício filosófico. E adianta-se logo, isenção absoluta nunca existiu. O racionalismo, o positivismo, o objetivismo, o cartesianismo nunca concluíram a promessa da isenção absoluta. Aprende-se na antropologia que homem é naturalmente um poço de impressionamentos, valores, conceitos concebidos e preconcebidos, olhares, leituras, interpretações, sentimentalismos etc. Mas isso não afasta a “possibilidade” da isenção ou de no mínimo alguma e ótima isenção.

A filosofia parece ser o repositório central dos ensinamentos à isenção. E dentro dela, a metodologia científica será sua rainha. As passagens são inúmeras, e todas elas didáticas. Dominique Folscheid e Jean-Jacques Wunenburger, na obra Metodologia filosófica, já no prefácio ensinam que a filosofia desde sempre foi uma “atividade do espírito que pede que suspendamos as opiniões imediatas, que nos mantenhamos afastados das discussões espontâneas, na medida em que estas só nos remetem a nossos preconceitos e a nossas crenças irrefletidas.” O problema é que somente uma parcela muito pequena da sociedade “vive” sob essa diretriz então pessoal do rigor com a atividade do espírito. Mas há que se reconhecer que encontrar um desses assim, é um gozo intelectual.

Todo mundo “tem” opinião sobre tudo. Mas a “opinião” na filosofia sempre foi considerada como um nada imprestável. Gaston Bachelard, no livro A formação do espírito científico, p. 18, ensina que “A ciência opõe-se absolutamente à opinião... A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessidades em conhecimento...  Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser superado”. Também Isabelle Stengers, na obra Quem tem medo da ciência?, p. 127, dispara: “A razão científica avança quando diz não à opinião.”

É claro que a vida “em” ciência ou filosofia pode ser considerada como diferente da vida popular, social, prazerosa, familiar, amistal, de ruas e bares, onde a emoção, o amor e a alegria deveriam imperar. Mas também é claro que alguns fundamentos, apenas alguns do asco da ciência e da filosofia à opinião, poderiam ser pensados por muitos, não no sentido do cerceamento da opinião, mas apenas num maior cuidado, frente à loucura e delírio que assola a muitos que “opinam” sobre tudo e qualquer coisa com ares de autoridade, numa perda de isenção e equilíbrio de gargalhar. Algo bastante próprio dos imbecis, mesmo que "titulados".

Além da opinião, a isenção trabalha naturalmente com a possibilidade do erro. O erro é das coisas mais valiosas que há porque dá a certeza de que o lugar ou a teoria que se supunham ser certos, agora sabem-se errados. Isso é avanço e progresso. Algumas passagens ilustram a imprestabilidade do erro:

“A ciência progride corrigindo os seus erros, não faz segredo do que ainda não compreende.” [(DAWKINS, Richard. Desvendando o arco-íris: ciência, ilusão e encantamento. São Paulo: Companhia das letras, 2000 p. 54). (Zoólogo).]

“É verdade que os cientistas, mais do que, digamos, os advogados, os médicos ou os políticos, ganham prestígio entre os seus pares ao admitir publicamente os seus erros”. (DAWKINS, Richard. Op. cit., p. 54.)

 “A ciência prospera com seus erros, eliminando-os um a um.” [SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Cia das letras, 1996, p. 36 (astrônomo).]

“O problema do erro nos parece mais importante que o problema da verdade; ou melhor, só encontramos uma solução possível para o problema da verdade quando afastamos erros cada vez mais refinados.” [BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. (Químico – tese de doutorado, 1928)


Por fim, no estudo da isenção, além da opinião e do erro, há o subjetivismo. Pensamentos encharcados de subjetivismos, experiências pessoais, percepções podem valer como leituras, por exemplo na antropologia, mas há que se ter o maior cuidado com esses “impressionamentos”.

No estudo da teoria dos quanta, feito por Karl Popper, é encontrada uma relação derivativa ilógica entre subjetividade e objetividade, ainda que estudiosos e fundadores da teoria das probabilidades, Jacob Bernoulli e Siméon Denis Poisson, o tenham defendido. É por isso que Popper dispara: “Durante muito tempo pensou-se (e há ainda muitos matemáticos e físicos eminentes que o pensam) que podemos partir de um sistema de premissas probabilísticas interpretado subjectivamente e deduzir dessas premissas subjectivistas conclusões estatísticas objectivas. Trata-se, porém de uma asneira lógica grave.” (POPPER, Karl R. A teoria dos quanta e o cisma na física – pós-escrito à lógica da descoberta científica. Vol. III. Lisboa: Dom Quixote, 1989, p. 80.

Toda essa tralha teórica e o itinerário feito a partir dela visa a alguma construção de que a isenção ao mesmo tempo que é uma falácia, como diria Paul Feyerabend, é uma busca que se deve ter. Mas isso requer espírito científico. Opinar, berrar, falar, discutir tolamente é muito "fácil". Mas sopesar pacientemente valores, conceitos e objetos de análise é que se ensina na metodologia científica, ainda que muitos de nossos alunos a vejam como insuportável, numa desejância consumista própria da sociedade da pressa, do consumo e do gozo, só ele. Preocupa-me a minha comunidade no velho Orkut com quase 4 mil pessoas chamada Metodologia Científica, agora que tudo é Facebox, o que faço com ela? Se alguém tiver uma “opinião” legal será muito bem vinda. Jean Menezes de Aguiar.

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