sábado, 6 de julho de 2013

Louva-deus

Não se assuste, louva-deus


Há na sociedade uma parcela politicamente dândi, que se apraz em se deixar enganar. Talvez um direito dela, se o estrago político se contivesse aí, mas não é tão simples. Foi assim com Cóllor-caçador-de-marajá-Globo-de-Melo e talvez seja assim com Joaquim-Huck-Globo-Barbosa. Há semelhanças? Claro.

Vender honradez autoritária, seriedade conservadora e honestidade formalista nunca foi tarefa das mais difíceis para uma sociedade que se inebria com o luxo apenas no discurso; o chique imitado em bijuteria; e o respeito como travesti de formalismo, mas sobretudo se vê bem reacionária em gostos, proibições e patrulhamentos.

Dizer que "a sociedade não aprende" é pouco. Ela é soberana. Joaquim Barbosa virou "pop", além de confessadamente envaidecido com sua sabida intenção de voto da sociedade para presidente da República. Com sua portátil e enigmática síndrome de perseguição por "taras antropológicas", invariavelmente refogada pelo alho do autoritarismo, nítido para qualquer criança politizada, pode ser o requentamento de um Cóllor século 21 despiorado, no discurso austero e invariavelmente reativo.

A meninada, que não viveu esse Cóllor (em sua época áurea, não o desenxabido senador) e suas eleitoras sofridas de tesão na bacurinha quando ele fechava o punho (hoje ninguém mais votou nele, né mesmo? - o punho seria psicanaliticamente o pênis? provavelmente...), deve estudar um pouco dessa história-tragédia-vergonha que foi esse Brasil antigo da "semana passada".

Joaquim Barbosa parece estar inebriado com o sonho da candidatura. O Supremo ganha com sua saída? O Brasil perde com sua eleição? Que pena que Barbosa tenha sido mordido pela mosca azul.

Louva-deus, não fique espantada, salve-nos, em suas asinhas do sonho. JMA.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Começar a lutar




Caio Prado Jr. foi um historiador, autor de o que se pode chamar um dos 3 livros mais importantes do Brasil na área, intitulado Formação do Brasil contemporâneo, datado de 1942.
 
Concedeu uma entrevista em 1967, no auge da ditadura militar para um grupo de estudantes do grêmio da Faculdade de Filosofia da Usp. A entrevista está relatada na magnífica obra do jornalista Elio Gaspari, A ditadura escancarada, ps. 229-230. 
 
O renomado historiador que ficou 545 dias na prisão para somente depois disso ser absolvido pelo Supremo, já com 64 anos de idade foi acionado criminalmente pelo Ministério Público que se indignou com uma frase da entrevista. Duas passagens dessa entrevista merecem releitura na atualidade.

A primeira é a que Caio Prado responde, sobre o movimento estudantil poder manejar a revolução socialista. Diz o intelectual "Não acredito que os estudantes sejam os possíveis líderes da revolução, mas acho que têm condições de estimularem o proletariado urbano e rural para que iniciem sua luta. Agora, como guerrilheiros, não acredito."

Depois afirma: "Mesmo a luta armada tem uma porção de graus: vai desde o choque de rua até a guerra civil."

A segunda resposta, a que melindrou o MP a acioná-lo criminalmente é sobre que solução haveria para a situação. O famoso intelectual dispara: "Não devemos discutir a forma de luta, e sim começar a lutar...".

Em uma semana vemos a cúpula de 2 dos Poderes enrolada com passagens aéreas oficiais em aviões da Força Aérea, para familiares, noras, genros e amigas assistirem partida de futebol. Na mesma semana o olímpico Tribunal de Contas distribui 1 milhão de auxílio-comida a suas "autoridades" (e não só o Tcu, que fique bem claro). Isso não cessa e não vai cessar.

"O Brasil está matando o Brasil", fala a música do gênio Aldir Blanc, cantada acidamente por uma Elis inigualável. Mas essa matança dura 50 anos. Não é de agora. E esse povo não faz nada, apenas reclama, baixinho e educadamente, na fila do supermercado.

Estudar a luta armada no Brasil é um mero recorte histórico. Triste e cheio de agonia. Crédulos e operacionalmente maltrapilhos tentaram a revolução. No auge, havia mais militantes presos do que soltos, e estamos falando de 500 pessoas. Isso quando se cantava "90 milhões em ação...". Hoje a população é de 200.

Essa elite política (que mata o Brasil há 50 anos) ri das "ruas". Zomba dos movimentos atuais. Seus salários de 40, 50 mil reais são vitalícios. Suas pensões, nos mesmos valores, transmitem-se a herdeiros, filhas etc. Essa elite desse sistema jurídico brasileiro aposta todas as fichas que daqui a 2 ou 3 meses "zerou"; as ruas serão uma referência histórica. Ou uma lembrança de um "Inverno brasileiro de 2013". Essa elite tem estudiosos a seu prol que lhes dá pelo menos informação histórica.
 
Se a luta armada foi massacrada, se a "guerrilha" do Araguaia foi massacrada, bastou o Governo querer, os movimentos das ruas podem ser. Para essa elite, há um "incomodozinho" maior na atualidade chamada Internet.

O que se viu nas ruas, agora há pouco, foi um cânone de revolução. Um cântico de sonho. Uma forma de revolta. Talvez, pessoas que assistiram aos 500 da luta armada do Golpe de 64 e lá, nos seus respeitosos e amedrontados silêncios, torciam para que aqueles garotos com nomes falsos vencessem, mas eram massacrados um a um por um Estado desde aquela época desonesto e infame, tenham chegado às lágrimas agora, de emoção, vendo um povo tatear a resistência. Experimentar a revolta coletiva. "Começar a lutar" como ensina Caio Prado, ou querer ser um "guerrilheiro", palavra que assusta a tantos que foram educados a temer o Estado.

Estudiosos e sonhadores do Brasil, artistas e poetas dos sonhos de uma país bom para todos,  estão chegando ao seu tempo sem ver o Brasil melhorar. Foi assim com Florestan, Darcy, Paulo Francis, Milton Santos, Millôr, Celso Furtado e tantos outros.
 
Antigamente havia a força. Hoje há o cinismo. Pela força os resistentes eram abatidos. Pelo cinismo os menos favorecidos são vitimados pelo degredo social da falta de assistência a uma vida digna. Às vezes fica difícil saber qual é o pior.

As manifestações de rua podem quebrar a letargia do sono drogado, um sono que escondia o sonho e a felicidade. Mas poderia parecer infame falar que alguém que passa necessidade consiga dormir esse sono histórico. Essa pessoa apenas se ajeita. Como se insistisse no direito de viver, num país em que o Estado se blinda, se ultrarremunera e se transforma com a certeza de décadas de impunidade oficial a si. Tudo contra o povo pacato, trabalhador e historicamente enfraquecido. Jean Menezes de Aguiar.

 

 

 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O futuro do direito do trabalho





 
Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 4.7.13
 
 
                Toda relação jurídica processual é composta por dois polos: autor e réu. Há um direito que regula os chamados polos fracos, com princípios próprios. Este direito representa uma conquista das sociedades. Com essas conquistas o próprio direito e as sociedades evoluíram. Polos fracos estão nos direitos do cidadão frente ao Estado; no locatário frente ao locador; no consumidor frente ao fabricante; no idoso frente ao adulto; no economicamente hipossuficiente frente ao “rico”; no deficiente frente ao eficiente; e no trabalhador frente ao patrão.

Genericamente, toda e qualquer hipossuficiência é “compensada” no Direito. Percebe-se que compensar o lado fraco ou vulnerável é o mais lógico. Conservadores reclamam dessa lógica querendo “direitos iguais”. Mas igualdade no direito recebe um tônus científico irrefutável: igualdade substancial, que é a verdadeira igualdade. Traduz-se na fórmula: “tratar desigualmente os desiguais”.

A Constituição de 1988 foi considerada Cidadã também por este aspecto. Compensou, de alguma maneira favorecendo, os hipossuficientes e discriminados em geral. Do pobre ao índio. Tornou o racismo um crime imprescritível e outras pautas.

A justiça do trabalho sempre teve mais olhos para o empregado. Percebe-se que isso deve ser assim. Se alguém precisa de maior atenção não será o empregador, a empresa, o polo forte da relação. Também, esse padrão lógico de relativa proteção ao polo fraco não é invenção brasileira, mas universal.

Ocorre que modernas empresas passaram a inovar, ainda mais, em mecanismos de relativa fraude para não reconhecer “relações de emprego”. Já há muito que a justiça do trabalho cuida da “relação de trabalho” como um todo, à qual a relação de emprego é uma espécie. Na relação de emprego, ou vulgarmente chamado vínculo de emprego, incidem os direitos trabalhistas, como férias e seu um terço a mais, 13º salário, abono natalino, fundo de garantia etc.

Aí o malabarismo de grande parte do chamado mundo corporativo em tentar disfarçar o contrato de trabalho, para descaracterizar a relação de emprego. Muitos empregados acreditam que quando assinam um documento para a empresa, por exemplo, reduzindo direitos, não podem mais discutir, porque afinal tudo foi “assinado”. Não é raro, assim, escolas forçarem professores a “pedirem” redução de carga horária. Também empresas alterarem a contratação de um empregado, tornando-o diretor e com isso não pagar os direitos trabalhistas.

Todo documento que o trabalhador assina cujo conteúdo seja contrário a si, na relação de emprego, seja um pedido, uma transação ou um acordo, costuma não valer na justiça do trabalho. Esta é a regra. Pelo “princípio da primazia da realidade” vale o que efetivamente houve na relação de emprego e não o que possa estar “escrito”. É o que se chama de “contrato realidade”.

Os juízes conhecem as tentativas de fraude contra o trabalhador. Mesmo os chamados Trct, termo de rescisão de contrato de trabalho. Muito trabalhador demitido assina o Trct dando quitação e “acredita” que não pode discutir mais. Em alguns casos o que recebe é absurdamente menos de o que tinha direito a receber.

O art. 62 da CLT cuida de gerentes, diretores e chefes de departamento. Em alguns desses casos a situação fica crítica. Executivos seniores acabam não sabendo, precisamente, se têm ou não direito frente à empresa. Não é o salário alto que afasta a existência da relação de emprego. É a falta de certos requisitos.

A CLT, no art. 3º é precisa. Se houver pessoa física prestando serviço não eventual a empregador sob dependência deste, mediante salário, há relação de emprego. Aí estão todos os requisitos para a configuração da relação.

Será que o futuro do direito do trabalho é a sua “flexibilização” no sentido de que empresas possam ter em seus quadros empregados sem a garantia de relação de emprego? Pela ótica de um mundo mais “ágil”, como alguns gostam de imaginar, isso geraria mais empregos, mais contratações. Mas a história mostra que pela ótica do trabalhador, esse “liberalismo” trabalhista geraria mais distância, ainda, entre ele, como mero agente de produção de riqueza, e o dono da riqueza. Ambos os lados têm sua lógica. De novo, duas análises se entrechocam.

A primeira, uma análise mais sociológica do mundo atual que passou a exigir maior competitividade. Quando se pensam nos produtos chineses, por exemplo, a um custo muito baixo, as empresas ocidentais ensaiam malabarismos em redução de custos e despesas, para reduzir preço final. A margem de lucro se atrofia e falir se torna uma realidade mais fácil. Este é um modelo “ditado” por um ator – chinês e similares – que muitos chegam a acusar de trabalho escravo ou coisa parecida.

A segunda análise é a de que a Constituição de 88, no caso brasileiro, foi totalmente protetiva de uma cidadania trabalhadora. Esse fenômeno não é apenas brasileiro. Os quatro pilares da ordem econômica alemã, por uma lei de 8/6/1967, por exemplo, são a concorrência no mercado interno; concorrência no mercado externo;  estabilidade da moeda; e pleno emprego. O pleno emprego não é apenas numérico, mas qualitativo. Querem-se garantias e estabilidades mínimas para uma vida harmônica e saudável em sociedade.

Parece que juízes trabalhistas brasileiros da atualidade vivem bem o “humanismo” típico do direito do trabalho, influenciado por autores que ajudaram a construir e sedimentar garantias trabalhistas históricas, desde o pós-Guerra. Mas a pressão e a potência do mundo corporativo é avassaladora. Às vezes os sinais são de manutenção de um bom garantismo ao trabalhador. Às vezes teme-se por excessiva flexibilização nas relações. O papel do legislador será crucial para um visão a longo prazo neste século 21. Jean Menezes de Aguiar.