quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Mensalão, o bbb jurídico


Mensalão, vulgo ação penal 470


                Com o advento da revolução tecnológica tudo “precisa ser” sabido na hora, consultável no instante do acontecimento e acessível em tempo real. O cientista político Fareed Zakaria (O mundo pós-americano, p. 19) registra: “O imediatismo das imagens e a intensidade do ciclo noticioso de 24 horas se combinam para produzir uma hipérbole constante. Cada perturbação do tempo é a ‘tempestade do século’. Cada bomba que explode é a notícia de última hora.” Ao mesmo tempo Zakaria adverte: “Parece que o mundo é muito perigoso. Mas não é”. Percebe-se já aí uma sociedade da falsa impressão ou da notícia discutível vendida como fato.

                Esse frenesi da informação acabou levando o sisudo Poder Judiciário brasileiro a noivar com a mídia, moça serelepe e não muito confiável, quando criou sua TV justiça. Haverá concurso público para maquiadores e cabeleireiros visando a dar uma tapa na aparência dos novos astros das TVs estatais do país? Administrativistas crédulos chamam as TVs estatais de “transparência” do poder público. Jornalistas agradecidos, falam em novo mercado, ou seja, lucro. Diógenes, o filósofo cínico, talvez dissesse vaidade. Cada um faça sua escolha.

                Seja o que for, a realidade mostra um novo modelo. De audiências judiciais legalmente “públicas” em varas criminais às quais até estagiários precisam esperar “autorização” de alguém sempre austero para assistir, chega-se à televisionada sessão do Supremo, transmitida “democraticamente” em lanchonetes de beira de estrada. Um salto “quântico” memorável. O boa praça e bonitão Lewandowski, contou num colóquio na FGV que parou num posto de gasolina para abastecer o carro e o frentista disparou: - eu conheço o senhor da televisão. São os novos tempos.

                O fato é que o mensalão é nosso e ninguém tasca. Mesmo podendo representar uma autêntica tragédia brasileira do uso sem-vergonha do dinheiro público. Tragédia idêntica à dos supersalários das “autoridades”, com a mesma natureza: “escondida”. O Supremo nos convidou a fazer parte do mensalão, com a TV. Autoriza-nos a falar descerimoniosamente desse bbb jurídico. Se havia algum “pudor”, até legal, em se comentar a atuação desse ou daquele ator no teatro judicial, com o julgamento na TV as coisas se “democratizaram”. É o processo judicial que se oferece à boca do povo.

                Escrevi no meu “Facebox” que o doce Gurgel, quase um vovô de pelúcia, ao citar Chico Buarque em sua sustentação oral, tocou na poesia e no amor. Deve ter desarrumado corações femininos intelectualizados por todos os cantos do país. Em termos de sustentação oral poderia ter sido mais enfático, ou, muito mais. Poderia beirar à revolta, ser-lhe-ia legítima se acredita no tudo que disse. Seus modos módicos de compostura, falando baixo e sereno, mostram um homem educado, incapaz de um barraco como esses que de vez em quando se veem por aí com vaidosos. Gurgel é equilibrado. Se sua acusação é boa, isso é outra história. Pelas versões defensivas, parece que não é.

               As defesas poderiam até usar a própria serenidade gurgeliana para tentar sugerir que nem mesmo Gurgel está lá muito convencido de o que propôs. Mas as defesas também parecem “comportadas”. Diante de negativas defensivas tão enfáticas e contestes, talvez pudessem estar os advogados mais “combativos”. Marcio Thomaz Bastos e Antonio Claudio Mariz de Oliveira brilharam em presencialidade cênica e autoridade moral, coisa rara hoje em dia. Bastos chamou o episódico de “esse furacão, marca de fantasia mensalão” e lancetou a acusação de “terrorística”. Pena que de “transgressão” parou aí.

                Uma comparação vem imediatamente à mente quando se fala em sustentação oral: os tribunais de júris. Ali o “pau quebra” de forma espetacular, ainda que nos casos últimos famosos a “opinião publicada” tenha condenado por antecipação, a ponto de advogados terem sido agredidos por populares que, insuflados, gritam “justiça”, querendo dizer “justiçamento”, ou seja, linchamento. E isso de o pau quebrar não quer dizer, em nada, vulgaridade, falta de educação, grosseria ou perda de lógica jurídica. Tudo bem que poderão dizer que o teatro no Supremo é diferente. Outros poderão dizer que se trata de “outro nível”. Talvez. Julgamento é julgamento.

                Desgraçadamente, o que podem fazer advogados num caso em que parecem estar cumprindo um mero protocolo de usar uma hora do Supremo e nada mais que isso? Um questionamento sério aí será: “quanto” a sustentação oral altera o destino de um julgamento? Se um advogado vai para um julgamento certo de que os votos dos juízes são para condenação, ou por convencimento técnico ou por algum preconceito, e também certo de que voto pronto não se muda, há uma situação dificílima. Nesta situação a sustentação oral talvez precise ser mais inusitada do que preocupadamente ortodoxa; precisa ser genial.

                Por outro lado, está escancarado que a imprensa condenou os réus do mensalão. Jânio de Freitas, esta semana, em artigo da Folha escreveu sobre o tema. Mas aí, se a prova dos autos for como a defesa diz que é, pífia ou até inexistente, uma absolvição do Supremo “cairia mal” para ele. Quem seria incinerado seria o próprio Supremo. Neste caso, a sustentação oral dos advogados se mostra vital, para demonstrar à população e à imprensa que o caso não é como a imprensa “achava” que ele era. Por que se fala tanto da imprensa? Porque ela avocou a gerência de informação do caso, e mais que isso: também a gerência da interpretação do caso. Com essa gestão emitiu dezenas ou centenas de primeiras páginas em veículos milionários no país. Tudo com juízo de valor próprio.

                Ocorre que um julgamento se dá pelo que está nos autos. Há um brocardo que diz: o que não está nos autos não está no mundo. Algumas manobras processuais normais, para profissionais em qualquer processo, muitas vezes, ganham contornos de extravagância na imprensa. É diferente, por exemplo, a juíza Carmem Lúcia sair antes de terminar a sustentação oral da defesa e prometer que assistirá no dia seguinte ao vídeo. Aí há uma situação completamente estranha.

                O mensalão pode ser um marco sociológico no direito brasileiro com essa ultra-mega exposição de um processo penal no qual a vida de pessoas nada virtuais está envolvida e interferências estranhas não deveriam gerar tanta impactação “popular”. Principalmente antes de uma sentença. Ou, ao contrário, poderá ser um marco para mostrar que de agora em diante alguns julgamentos contarão com essa possibilidade midiática do tipo novelinha-bbb. Talvez os cursos jurídicos inovem, ensinando iluminação, maquiagem e presença de cena. Só o tempo dirá. Jean Menezes de Aguiar