Mensalão, vulgo ação penal 470
Com
o advento da revolução tecnológica tudo “precisa ser” sabido na hora,
consultável no instante do acontecimento e acessível em tempo real. O cientista
político Fareed Zakaria (O mundo pós-americano, p. 19) registra: “O
imediatismo das imagens e a intensidade do ciclo noticioso de 24 horas se
combinam para produzir uma hipérbole constante. Cada perturbação do tempo é a
‘tempestade do século’. Cada bomba que explode é a notícia de última hora.” Ao
mesmo tempo Zakaria adverte: “Parece que o mundo é muito perigoso. Mas não é”. Percebe-se
já aí uma sociedade da falsa impressão ou da notícia discutível vendida como
fato.
Esse
frenesi da informação acabou levando o sisudo Poder Judiciário brasileiro a noivar
com a mídia, moça serelepe e não muito confiável, quando criou sua TV justiça.
Haverá concurso público para maquiadores e cabeleireiros visando a dar uma tapa
na aparência dos novos astros das TVs estatais do país? Administrativistas
crédulos chamam as TVs estatais de “transparência” do poder público.
Jornalistas agradecidos, falam em novo mercado, ou seja, lucro. Diógenes, o
filósofo cínico, talvez dissesse vaidade. Cada um faça sua escolha.
Seja
o que for, a realidade mostra um novo modelo. De audiências judiciais
legalmente “públicas” em varas criminais às quais até estagiários precisam
esperar “autorização” de alguém sempre austero para assistir, chega-se à
televisionada sessão do Supremo, transmitida “democraticamente” em lanchonetes
de beira de estrada. Um salto “quântico” memorável. O boa praça e bonitão Lewandowski,
contou num colóquio na FGV que parou num posto de gasolina para abastecer o
carro e o frentista disparou: - eu conheço o senhor da televisão. São os novos
tempos.
O
fato é que o mensalão é nosso e ninguém tasca. Mesmo podendo representar uma
autêntica tragédia brasileira do uso sem-vergonha do dinheiro público. Tragédia
idêntica à dos supersalários das “autoridades”, com a mesma natureza:
“escondida”. O Supremo nos convidou a fazer parte do mensalão, com a TV. Autoriza-nos
a falar descerimoniosamente desse bbb jurídico. Se havia algum “pudor”,
até legal, em se comentar a atuação desse ou daquele ator no teatro judicial,
com o julgamento na TV as coisas se “democratizaram”. É o processo judicial que
se oferece à boca do povo.
Escrevi
no meu “Facebox” que o doce Gurgel, quase um vovô de pelúcia, ao citar Chico
Buarque em sua sustentação oral, tocou na poesia e no amor. Deve ter
desarrumado corações femininos intelectualizados por todos os cantos do país.
Em termos de sustentação oral poderia ter sido mais enfático, ou, muito mais.
Poderia beirar à revolta, ser-lhe-ia legítima se acredita no tudo que disse.
Seus modos módicos de compostura, falando baixo e sereno, mostram um homem
educado, incapaz de um barraco como esses que de vez em quando se veem por aí
com vaidosos. Gurgel é equilibrado. Se sua acusação é boa, isso é outra
história. Pelas versões defensivas, parece que não é.
As
defesas poderiam até usar a própria serenidade gurgeliana para tentar sugerir
que nem mesmo Gurgel está lá muito convencido de o que propôs. Mas as defesas
também parecem “comportadas”. Diante de negativas defensivas tão enfáticas e
contestes, talvez pudessem estar os advogados mais “combativos”. Marcio Thomaz
Bastos e Antonio Claudio Mariz de Oliveira brilharam em presencialidade cênica
e autoridade moral, coisa rara hoje em dia. Bastos chamou o episódico de “esse
furacão, marca de fantasia mensalão” e lancetou a acusação de “terrorística”.
Pena que de “transgressão” parou aí.
Uma
comparação vem imediatamente à mente quando se fala em sustentação oral: os
tribunais de júris. Ali o “pau quebra” de forma espetacular, ainda que nos
casos últimos famosos a “opinião publicada” tenha condenado por antecipação, a
ponto de advogados terem sido agredidos por populares que, insuflados, gritam
“justiça”, querendo dizer “justiçamento”, ou seja, linchamento. E isso de o pau
quebrar não quer dizer, em nada, vulgaridade, falta de educação, grosseria ou
perda de lógica jurídica. Tudo bem que poderão dizer que o teatro no Supremo é
diferente. Outros poderão dizer que se trata de “outro nível”. Talvez.
Julgamento é julgamento.
Desgraçadamente,
o que podem fazer advogados num caso em que parecem estar cumprindo um mero
protocolo de usar uma hora do Supremo e nada mais que isso? Um questionamento
sério aí será: “quanto” a sustentação oral altera o destino de um julgamento?
Se um advogado vai para um julgamento certo de que os votos dos juízes são para
condenação, ou por convencimento técnico ou por algum preconceito, e também
certo de que voto pronto não se muda, há uma situação dificílima. Nesta
situação a sustentação oral talvez precise ser mais inusitada do que
preocupadamente ortodoxa; precisa ser genial.