Artigo publicado no Jornal O DIA SP em 21.6.12
Paulistanos sempre se gabaram de
não ter arrastão. Diziam que o Rio era perigoso porque “tinha arrastão”. Nesta
época em que o setor cultural mais importante da pauliceia lindamente desvairada,
os restaurantes, se vê “arrastado” precisamente por bandidos armados, o Rio de
Janeiro parece se tornar o sonho de consumo de alguns. Lá cessaram os
arrastões, há anos.
Os ex-famosos arrastões no Rio
eram diferente, talvez bucólicos. Claro que a imprensa sempre vendeu jornal em
cima de um pânico muito bem fabricadinho. Mas os praianos não estavam nem aí, a
praia nunca esvaziou. Até porque carioca vai para praia com 2 coisas: sandália
havaiana e uma nota de dez enfiada na sunga. No Rio os arrastões não envolviam
armas, mas hordas. Eram os arrastões do tempo bom, tempo nublado não gerava
arrastão, nem noite. A prática era exigente: necessitava de sol. O carioca
passou a negociar com o arrastão: ficava sentado no lugar com as crianças,
calmamente olhando os desavisados correrem. Os ladrões roubavam o que havia
para roubar, não havia outra ameaça ou violência embutida.
Mas se Nova Iorque é um must,
em relação à grandeza dos acontecimentos, São Paulo é um mustinho. Do
mesmo jeito que a bolsa de valores migrou para a capital brasileira do
dinheiro, os arrastões também vieram para a cidade da garoa. Se os arrastões
cariocas faziam mal à diversão; os paulistas fazem mal à digestão. Finalmente a
bandidagem descobriu os restaurantes. Bingo Lucro garantido. Já há socialite
sentando, literalmente, em cima de celulares. Outras, pensando em escondê-los em
lugares bem mais secretos: criatividade-penitenciárias, é, “lá” mesmo.
A inventiva da bandidagem,
reconheça-se, é interessante. São Paulo construiu um verdadeiro shopping
de restaurantes a céu aberto “para” seus assaltantes. E tudo muito bem seguro.
Um assaltante de 16 anos com uma pistola 380 na mão congela meia dúzia de
“seguranças”, aqueles de restaurante com indefectíveis ternos pretos que só
assustam namoradinhos de patricinhas. São Paulo, bela e quatrocentona, quem
diria, acabaria arrastada igual sua irmã-pobre carioca.
A contabilidade do arrasto
paulista revela vitoriosos 19 assaltos, numa média de 3 por mês, nos últimos
tempos. Não mataram ninguém até agora e que se reze para que ninguém morra. Que
“os mano” paulistanos copiem os colegas cariocas e só busquem bens materiais e
nada mais e jamais machuquem alguém.
As câmeras de filmar, o grande
blefe da tecnologia de ponta, em pleno século 21, insistem na qualidade de pior
que há. Deve haver policial especializado em decodificar imagens ruins porque
aquele quase quadro a quadro que filmam é de lascar.
Na ponta do resultado, os
poderosos e incomparáveis restaurantes paulistanos já registraram queda de 20%
no faturamento, segundo a federação de hotéis e restaurantes. Isso já impôs,
sem dúvida, uma nova cultura de frequência. Horários mais cedo, novos hábitos
como deixar relógios e joias em casa até o prato poderá mudar. Assaltantes
podem fazer um curso básico de gastronomia por correspondência e aprender que
quem come lagosta é rico e quem pede abobrinha com carne seca é pobre. Claro
que essa regra esconde segredos e inversões inconfessos, mas tudo bem.
Até o genial Bar Balcão, reduto
de jornalistas e intelectuais sofreu um sacode. Aí a bandidagem errou. A vingança
da classe pensante pode ser “maligna”. Um estudo teórico psicanalítico de porquê
o rapaz caiu no crime, concluindo desde uma rejeição à mãe que lhe amamentou
menos que irmão, até um complexo de inferioridade por ter sido cerceado em seu
“espaço” pela sociedade burguesa. Seria uma vingança e tanto; e viva Freud.
Poder-se-ia dizer que em uma
coisa os “jovens” (é assim que se fala não é?) estariam calculando mal; burros,
feios e mal alimentados como são essa bandidagem brasileira. Restaurantes não
têm mais caixa registradora fazendo o
som que o maestro Edson Frederico levou para a Globo: plim plim, para se
ouvir toda vez que anúncios vão render dinheiro. Pois é, restaurante não tem
mais “féria”, ali. Só tíquetes azuis do Cielo que não é o nadador, mas o cartão
de crédito.
Então fica combinado que o
assalto não é mesmo aos restaurantes, mas aos clientes. Pois bem, e aí os
clientes estão diante de um duplo assalto. Primeiro o da conta. Um casal com
vinho comum num restaurante bom em Sampa, mais o estacionamento “básico” de 30
reais, deixa fácil mais de trezentas pratas no estabelecimento. Agora com o
segundo assalto poderá deixar também cartões, documentos, relógios, celulares,
automóvel, saúde, tranquilidade e até a vida.
A política esquerdista de
desarmamento tem sua funcionalidade, mas para quem está no crime é uma ótima
garantia de uma sociedade-ovelha, obediente e idiotizada. O ciúme das
autoridades pelo direito de usar armas e a ideia de que somente qualquer um do
Estado consegue aprender a usá-las, ao mesmo tempo que considerando todo o
restante da população débil porque sem competência para aprender, é vesgo. A
jovem ou o jovem com vinte e poucos anos de idade que passam num concurso de
juiz ou promotor ganham, como um passe de mágica, um porte de arma de presente,
como se soubessem alguma coisa de andar armado. Estes o Estado não “implica”.
Mas um experiente e equilibrado cidadão que deseje obter um porte de arma, a
lei é severíssima, num farisaísmo próprio dos imbecis.
A Gloriosa está em xeque. Mas
tudo não pode cair nas costas da prestativa PM, sabe-se disso. Ela obedece a
pautas políticas, muitas vezes cínicas de “gestores” da segurança que “pensam”
a cidade como se vê, precisamente, no filme-realidade Tropa de Elite. Caberá à
sociedade exigir segurança. Mas como muitos usuários de restaurantes já
anunciaram que terão um segundo celular para o ladrão, pode ser que tudo acabe
em pizza. Tomar de assalto um restaurante está sendo um ótimo e lucrativo
negócio para esses aí. Rápido, sem baixo risco e com inúmeros bens obtidos.
Claro que um dia essa casa pode cair, mas até lá, muitos dissabores foram
vividos. É gato e rato, sabe-se disso. Mas o rato não pode vencer. Jean Menezes de Aguiar