quarta-feira, 20 de junho de 2012

Arrastão nutricional



Artigo publicado no Jornal O DIA SP em 21.6.12

                Paulistanos sempre se gabaram de não ter arrastão. Diziam que o Rio era perigoso porque “tinha arrastão”. Nesta época em que o setor cultural mais importante da pauliceia lindamente desvairada, os restaurantes, se vê “arrastado” precisamente por bandidos armados, o Rio de Janeiro parece se tornar o sonho de consumo de alguns. Lá cessaram os arrastões, há anos.

                Os ex-famosos arrastões no Rio eram diferente, talvez bucólicos. Claro que a imprensa sempre vendeu jornal em cima de um pânico muito bem fabricadinho. Mas os praianos não estavam nem aí, a praia nunca esvaziou. Até porque carioca vai para praia com 2 coisas: sandália havaiana e uma nota de dez enfiada na sunga. No Rio os arrastões não envolviam armas, mas hordas. Eram os arrastões do tempo bom, tempo nublado não gerava arrastão, nem noite. A prática era exigente: necessitava de sol. O carioca passou a negociar com o arrastão: ficava sentado no lugar com as crianças, calmamente olhando os desavisados correrem. Os ladrões roubavam o que havia para roubar, não havia outra ameaça ou violência embutida.

                Mas se Nova Iorque é um must, em relação à grandeza dos acontecimentos, São Paulo é um mustinho. Do mesmo jeito que a bolsa de valores migrou para a capital brasileira do dinheiro, os arrastões também vieram para a cidade da garoa. Se os arrastões cariocas faziam mal à diversão; os paulistas fazem mal à digestão. Finalmente a bandidagem descobriu os restaurantes. Bingo Lucro garantido. Já há socialite sentando, literalmente, em cima de celulares. Outras, pensando em escondê-los em lugares bem mais secretos: criatividade-penitenciárias, é, “lá” mesmo.

                A inventiva da bandidagem, reconheça-se, é interessante. São Paulo construiu um verdadeiro shopping de restaurantes a céu aberto “para” seus assaltantes. E tudo muito bem seguro. Um assaltante de 16 anos com uma pistola 380 na mão congela meia dúzia de “seguranças”, aqueles de restaurante com indefectíveis ternos pretos que só assustam namoradinhos de patricinhas. São Paulo, bela e quatrocentona, quem diria, acabaria arrastada igual sua irmã-pobre carioca.

                A contabilidade do arrasto paulista revela vitoriosos 19 assaltos, numa média de 3 por mês, nos últimos tempos. Não mataram ninguém até agora e que se reze para que ninguém morra. Que “os mano” paulistanos copiem os colegas cariocas e só busquem bens materiais e nada mais e jamais machuquem alguém.

                As câmeras de filmar, o grande blefe da tecnologia de ponta, em pleno século 21, insistem na qualidade de pior que há. Deve haver policial especializado em decodificar imagens ruins porque aquele quase quadro a quadro que filmam é de lascar.

                Na ponta do resultado, os poderosos e incomparáveis restaurantes paulistanos já registraram queda de 20% no faturamento, segundo a federação de hotéis e restaurantes. Isso já impôs, sem dúvida, uma nova cultura de frequência. Horários mais cedo, novos hábitos como deixar relógios e joias em casa até o prato poderá mudar. Assaltantes podem fazer um curso básico de gastronomia por correspondência e aprender que quem come lagosta é rico e quem pede abobrinha com carne seca é pobre. Claro que essa regra esconde segredos e inversões inconfessos, mas tudo bem.

                Até o genial Bar Balcão, reduto de jornalistas e intelectuais sofreu um sacode. Aí a bandidagem errou. A vingança da classe pensante pode ser “maligna”. Um estudo teórico psicanalítico de porquê o rapaz caiu no crime, concluindo desde uma rejeição à mãe que lhe amamentou menos que irmão, até um complexo de inferioridade por ter sido cerceado em seu “espaço” pela sociedade burguesa. Seria uma vingança e tanto; e viva Freud.

                Poder-se-ia dizer que em uma coisa os “jovens” (é assim que se fala não é?) estariam calculando mal; burros, feios e mal alimentados como são essa bandidagem brasileira. Restaurantes não têm mais  caixa registradora fazendo o som que o maestro Edson Frederico levou para a Globo: plim plim, para se ouvir toda vez que anúncios vão render dinheiro. Pois é, restaurante não tem mais “féria”, ali. Só tíquetes azuis do Cielo que não é o nadador, mas o cartão de crédito.

                Então fica combinado que o assalto não é mesmo aos restaurantes, mas aos clientes. Pois bem, e aí os clientes estão diante de um duplo assalto. Primeiro o da conta. Um casal com vinho comum num restaurante bom em Sampa, mais o estacionamento “básico” de 30 reais, deixa fácil mais de trezentas pratas no estabelecimento. Agora com o segundo assalto poderá deixar também cartões, documentos, relógios, celulares, automóvel, saúde, tranquilidade e até a vida.

                A política esquerdista de desarmamento tem sua funcionalidade, mas para quem está no crime é uma ótima garantia de uma sociedade-ovelha, obediente e idiotizada. O ciúme das autoridades pelo direito de usar armas e a ideia de que somente qualquer um do Estado consegue aprender a usá-las, ao mesmo tempo que considerando todo o restante da população débil porque sem competência para aprender, é vesgo. A jovem ou o jovem com vinte e poucos anos de idade que passam num concurso de juiz ou promotor ganham, como um passe de mágica, um porte de arma de presente, como se soubessem alguma coisa de andar armado. Estes o Estado não “implica”. Mas um experiente e equilibrado cidadão que deseje obter um porte de arma, a lei é severíssima, num farisaísmo próprio dos imbecis.

                A Gloriosa está em xeque. Mas tudo não pode cair nas costas da prestativa PM, sabe-se disso. Ela obedece a pautas políticas, muitas vezes cínicas de “gestores” da segurança que “pensam” a cidade como se vê, precisamente, no filme-realidade Tropa de Elite. Caberá à sociedade exigir segurança. Mas como muitos usuários de restaurantes já anunciaram que terão um segundo celular para o ladrão, pode ser que tudo acabe em pizza. Tomar de assalto um restaurante está sendo um ótimo e lucrativo negócio para esses aí. Rápido, sem baixo risco e com inúmeros bens obtidos. Claro que um dia essa casa pode cair, mas até lá, muitos dissabores foram vividos. É gato e rato, sabe-se disso. Mas o rato não pode vencer. Jean Menezes de Aguiar