quinta-feira, 28 de março de 2013

Pec 99 entidades religiosas

Em homenagem ao Carlos Eduardo B. Nascimento: uma imagem  brazuca séria. Né verdade?


Atenção: fiz este textinho em cima da perna, sem qualquer reflexão profunda. Reservo-me o direito de mudar radicalmente de opinião se alguém menos cru que eu no tema me der argumentos menos piores que os meus.

O querido amigo Carlos Eduardo B. Nascimento, do meu Facebox, pede um comentário sobre a Pec 99, dum deputado de Goiás que inclui entidades religiosas de âmbito nacional entre as previstas na CR, art. 103, que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade no STF. Há algumas leituras aí.

O mundo jurídico é indissociável do mundo social. A religião por uma entidade verdadeiramente nacional (não essas denominações corporativas risíveis, interplanetárias, globais, mundiais, internacionais, multimundiais, como se a fé fosse exportável, negociável, uma commodity; daqui a pouco vai ter neguinho vendendo igreja “com” 40 mil fiéis, 300 mil fiéis etc. – ja deve ter, claro), é um fato.

Se um grande número de pessoas se reúne em torno de alguém que acorda um dia e “se” intitula apóstolo, santo, empossado, despachande, procurador, bispo de algum Deus, há o fato social aí de quererem (esses) isso. E se fundam uma associação, sem problema.

Não é isso que “afeta” a sistemática laica do Estado. O uso do fator Deus no preâmbulo da Constituição afeta (qual é a natureza jurídica de Deus aí?); o crucifixo em sala de audiência afeta; o mesmo fator Deus na nota de dinheiro emitida pelo Estado afeta; religiosos cínicos querendo tomar o poder estatal sempre com salários indecentes oficiais (de todos) pelo uso da religião, crença, fé, diabos, exorcismos, como essas tais “bancadas, ou desta ou daquela religião afeta.

Mas um bolsão de gente religiosa que efetivamente funda uma associação em nível nacional pode ter a legitimidade de discutir a validade duma lei. O problema será o instituto jurídico da pertinência temática. Que leis essas entidades (que jamais serão essas igrejas-empresas com nomes de multimundiais etc.) poderão discutir.

O que está em jogo aí seria a legitimidade que um antropólogo, por exemplo, veria. São entidades produzidas pelo tecido social. O caso é saber se são legítimas “para entrar” na CR, art. 103. Esta é outra investigação.

Enquanto a Europa se desreligiosiza: a ciência vem mostrando àquela sociedade que muitas verdades sagradas são pura invencionice e ilogicidades, por métodos objetivos, racionais e lógicos, e eles confiam no “conhecimento”, o Cone Sul se radicaliza, se fundamentaliza, se afunda em dogmas. Mas até esse baixo clero intelectual que é um delírio religioso é legítimo. É isso que querem? Então que tenham isso.


Vejo inúmeras tragédias sociais com a opção do atraso religioso. Mas até ela é “legítima”. E antes que algum “relativista” de plantão diga que “tudo é relativo” (ó, que decoberta!), declino meus parâmetros aí, para termos como "delírio, método objetivo, racionalidade, e atraso": Richard Dawkins, Carl Sagan, Nietzsche, Asimov e tantos outros. Está tudo nos livros deles.
O "primeiro" rombo visível na laicidade estatal é esse sujeito que odeia negros e gays (agora diz que ama né?) presidir a Comissão de DH na câmara. Patético. Mas a câmara dos deputados também né? Quem valida aquilo? Amor e beijo em todos. JMA.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Piada com direitos humanos


 
 



 Artigo publicado no jornal O DIA SP, semana de 27.3.2013

                 Assiste-se à estapafúrdia escolha de um desejosamente fundamentalista, sabidamente contrário aos direitos humanos para presidir o tema. Pelo menos na “Casa do Povo”, a câmara dos deputados. O problema não é mais a criatura, mas o seu criador. Quem o alugou como tampão de última hora. 

                O deputado que aceitou o oba-oba politiqueiro da presidência da Comissão praticamente não tem culpa. É um subproduto de um sistema diabólico de conchavos, domínios e feudos partidários que acaba parindo escolhas absurdas assim. Não tem o religioso profissional qualquer poder político de influir em uma escolha tão nevrálgica e representativa. “Ninguém” nunca tinha ouvido falar nesse deputado até seus desastres orais em xingar e justificar ódios e racismos. Agora, em ser usado nessa presidência da Comissão que até o presidente da câmara já não quer mais. 

                Em uma análise mais fria, o sujeito poderia ser digno de pena, em relação à trituração política e pessoal que lhe impôs uma câmara ligada ao qualquer-um-serve-para-qualquer-coisa aqui. Exatamente como se deu com a escolha para esse cargo. Ele estava quieto em sua igreja do interior, rezando, fazendo milagres, curas e exorcismos na madrugada. Talvez tentando ser um Edir Macedo, o sonho de todos. 

                Aí a Câmara o atira aos leões da crítica social, da intelectualidade e da cultura, da mídia, da imprensa e da modernidade. É claro que o temente não tem como se defender dessa turma mentalmente “descolada”, artistas, comediantes, acadêmicos, pensadores, ativistas etc. Um grande saco de gatos agindo como carrascos sociais das escolhas estapafúrdias. 

                O problema é: como a câmara dos deputados não pensou nisso antes? Como se expôs, mais uma vez, à execração pública desse modo? Por que a câmara se especializou em atrair tantas críticas e desconfianças? Já não bastam os 50 salários por ano? Algum corretinho de plantão berrará: não são 50, são somente 15. É a mesma coisa. Fora o que não tem nome de salário. 

                Está faltando à câmara uma inteligência para mediar seus atos, suas ações e evitar essas colisões frontais com a sociedade. Alguém para dizer: não faça isso, isso exporá toda a classe política. Por outro lado, esse sonho é impossível. Ali ninguém se controla, ninguém manda em ninguém. Todo mundo é excelência e há inúmeras fogueiras de vaidade política acesas. 

                Um outro problema é que isso tudo é patrocinado pela sociedade. A mesma sociedade que precisa de atendimentos urgentes em Direitos Humanos. Mas, no caso brasileiro, admitindo-se a redução doméstica apenas por ilustração, o que são os tais Direitos Humanos? 

                Historicamente o Brasil vive um momento ligado a determinadas pautas e discussões críticas. Ciclistas nas ruas; relações homoafetivas; mudanças de sexo; liberdade da maconha; problema social do crack, todos os CRMs do país e mesmo o Conselho Federal de Medicina reconhecendo a validade do aborto e outras questões.  

                Se alguém, por exemplo, afirma que lugar de ciclista é em parque de diversões aos domingos está, apenas, na contramão da história atual. Nada mais que isso. Um ser pensante assim não pode representar a minoria, os ciclistas. Do mesmo jeito que se alguém declara que uma relação homoafetiva justifica o ódio e as agressões perpetradas contra os gays, como o atual presidente da Comissão de direitos humanos declarou, não tem a mínima condição e equilíbrio para ocupar o cargo.  

                Direitos Humanos continuam a ser uma hemorragia cultural no Brasil. Muita gente boa não consegue entender o que são (conceito) os Direitos Humanos. Figuras ilustres já propuseram, por exemplo, que a anistia fosse “bilateral”, como se tudo fosse “igual”. 

                Nem tudo é “comparável”, nem tudo é “a mesma coisa”. O assassinato cometido pelos nazistas na Segunda Guerra foi um assassinato “pior” que outros assassinatos. Há, sim, gradação nos crimes. Direitos Humanos são uma qualificação atribuída a um crime ou agressão praticados pelo Estado, pelo polo forte das relações em que há um desamparado, um hipossuficiente, uma minoria. Quem entende e defende que as minorias devem apanhar na rua porque provocam ódio com seu próprio jeito de ser não pode ocupar um cargo público de defesa de minorias. 

                O bandido mata e é uma tragédia. Mas isso se chama criminalidade. Já o Estado não pode matar ou agredir. A menos que o Estado se insira no conceito de uma entidade criminosa, o que é absurdo. Assim, seus responsáveis, ou “autoridades” como gostam de pensar, não podem agredir, discriminar, aceitar preconceitos em nome de um ou outro livro que acreditem ser sagrado. O Estado recebe dinheiro da sociedade não para matar ou violar, discriminar ou difundir preconceitos. Igrejas ou “denominações”, atividades privadas que são, financiadas por quem as aceita e quer, “podem” ter seus preconceitos contra minorias. Mas nunca o Estado. 

                A Comissão de Direitos Humanos da câmara dos deputados vai perder toda a “possibilidade” de pujança, força e representação. Seu presidente está condenado até por entidades religiosas e instituições globais como a Anistia Internacional. O retrocesso não é apenas “implicância”, é fato. Esta Comissão é para andar para frente, não para ser defendida de acusação de que está andando para trás.
 
                  O excesso de politicagem e conchavo que permeia a política brasileira, e muita gente acha isso “saudável”, ou “normal”, acaba gerando este cenário: uma câmara dos deputados e mesmo a classe política, salvo raríssimas exceções, totalmente desrespeitadas por deméritos próprios. Tudo bem que “somos” a câmara, esses monstros são nossos, nos pertencem, saem das nossas entranhas. Mas estamos horrorizados com a qualidade de veneno que produzem. Por favor, reduzam a picaretagem. Jean Menezes de Aguiar.

 


segunda-feira, 25 de março de 2013

As duas visões


 

 
 
1

Duas são, para mim, as mais importantes teorizações filosóficas existentes, na atualidade. A primeira está em O discurso filosófico da modernidade, de Jürgen Habermas, no capítulo O conteúdo normativo da modernidade, p. 467 e seguintes. A segunda em Cultura e democracia – o discurso competente e outras falas, de Marilena Chaui, no capítulo Ética, violência e política, p. 340 e seguintes.

Habermas finalmente relativiza a “relativização” que se instaurou um tanto quanto ditatorialmente com um certo “metadiscurso” filosófico acerca da modernidade e o que lhe diga respeito. Questiona, utilizando como paradigmas, expressamente, a dialética negativa, a genealogia e a desconstrução. Inclua-se aí um de seus professores diretos, Adorno. 

Reclama que esse novo discurso nem é ciência, nem filosofia. Nem é moral, nem é literatura ou arte, nem um novo padrão jurídico. Assimétricos a seus próis, exigem autoritariamente uma compreensão acrítica, patrulhando o que discrepe da pura e simples aceitação. Não se refere expressamente, nem o precisaria, mas um modelo esgarçado, talvez o grande marco, pode ser Sokal e Bricmont, em Imposturas intelectuais.

Fala em “simbiose de incompatibilidades”, perda de segurança nos “critérios institucionalizados do falibilismo” e o jogo sujo de que se permitem recorrer a um argumento apelativo final: “que o oponente entendeu mal o sentido do jogo de linguagem no seu todo, que em seu modo de responder cometeu um erro categorial”.

O cipoal de ideias, ismos, teorias, e visões de mundo outras, que já dura pouco mais de um século – por todos e o mais antigo referido, a Genealogia –, mutilou a cabeça de muita gente que se sentiu na “obrigação” de acompanhar pautas disformes de interpretação do mundo e da sociedade, aceitando a desconexidade auto-culpativa por não poder entendê-la razoavelmente a não ser com uma boa dose de LSD filosófico. Habermas é música aos ouvidos nesse segmento e nós, simples mortais que tanto nos maravilhamos com um Michel Serres diurno, em Entrevistas do Le Monde, e nos punimos tanto pela insuficiência intelectual com um Michel Serres noturno, em Os cinco sentidos – filosofia dos corpos misturados, só podemos comemorar.

 

2

A segunda grande lição está em Marilena Chaui. A pensadora desenha o farisaísmo do discurso piegas, do discurso violento, do discurso patrulhador e, por que não, da simbiose de todos eles, do discurso canalha quando se veem invocações de “ética” e de “retorno à ética”, num sabor totalmente neoliberal e protegido por uma violência tácita, clivando a própria ética para admiti-la segmentarizadamente em porções exclusivistas – ética política, ética familiar, ética profissional –, sem o liame da universalidade, podendo-se supor inclusive, a partir daí, a não-ética no segmento não previamente nominado ou “escolhido”. Esta alienação não é totalmente imperceptível, mas é cômoda, a partir de uma sociedade também fragmentada.

A podridão da ideologia ética exigirá a violência para poder se firmar como linimento. Aqui Chaui invoca Alain Badiou (Sur le mal), no sentido de que enquanto a ética encarnará o bem, a ideologia da ética será a imagem do mal que precisará da imagem do mal para ser o não-mal. Aí surgem o piegas, o passivo reativo totalmente falso próprio das religiões manejantes do Diabo e outras estapafurdices e boçalidades, o que hasteia a bandeira da compaixão e da indignação para, por culpa invocada, teatralizar sua benemerência portátil e ética a preço de liquidação.

De novo, é sempre reconfortante encontrar e reler temáticas insuspeitas e superiores como essas apresentadas por Habermas e Chaui. Jean Menezes de Aguiar.