quarta-feira, 24 de abril de 2013

Pais e filhos



 
Artigo publicado no Jornal O DIA SP - semana de 25.abr.13
 

                Filhos não são criados “para os pais”. Ou não deveriam ser. Pais têm que admitir e compreender a existência de choques de ideias. Às vezes desconcertantes e em diversas áreas cruciais. Mas isto não é tão simples assim, ainda que muitos pais digam que “discordâncias” sejam naturais. Da boca para fora é fácil. Vivenciar conflitos ideológicos e de gerações é bem mais complicado.

                Até que ponto os pais “sabem” o que é melhor para o filho? É muito comum pais afirmarem, ou imporem isso, às vezes autoritariamente, apenas porque viveram mais tempo. O “saber mais” sempre escondeu a barganha do poder. De pais para filhos, é comumente utilizado, o jargão, em nome de uma suposta maior maturidade. Em muitos casos e assuntos ela até existe. Mas em outros não. Veem-se, por exemplo, alguns pais vivendo tragédias e tormentos pessoais, em absoluta falta de bom senso e sabedoria para administrar a própria vida.

                Sabe-se que a vida “perfeita” não existe. A maturidade acabada também não. Todo conselho admite questionamento. O fato é que nem todos os pais são geniais; equilibrados; sensíveis; e mesmo verdadeiramente amorosos com os filhos. Assim como também há filhos iguais.

                Em relações difíceis há sempre um tipo de conserto muito válido para ambos os lados que é o infalível amor declarado. Declarar amor vale para qualquer erro ou indelicadeza. Do filho para o pai ou no sentido inverso. Expressamente, cara a cara, além de ser um grandioso presente, é o remédio mais poderoso que existe. Isso não quer dizer que alguém possa “trair” o outro alegando amor.

                Pessoas calhordas traem a confiança do outro, mentindo, dissimulando para depois alegar amor e tentar disfarçar o que praticou. Esta hipótese sequer é considerada aqui. Pessoas ruins há, em qualquer lugar, sejam pais ou filhos.

Há também o farisaísmo das falsas preocupações. Em nome delas, muitas vezes, o que se busca é a manutenção de poder. Pais que invadem a liberdade e a autonomia de filhos, quando suas intenções são desmascaradas, alegam a “sagrada” preocupação de pai ou de mãe. Para alguém minimamente inteligente, não cola. Desrespeito não pode ser chamado de preocupação. Violar direitos não tem nada que ver com preocupação. Relações densas em amor e confiança não precisam violar, são conversadas.

                Liberdades de filhos, no curso de seu amadurecimento, na idade pré-adulta, são invariavelmente tomadas, conquistadas. Isso parece estranho, mas toda liberdade aí deverá ser um direito na vida adulta que se aproxima. Pessoas colecionam direitos, “mesmo” jovens. Isso é bem fundamentado em Rudolf Von Ihering, na obra A luta pelo direito. Ali se aprende que todo direito, na história do mundo, foi e é tomado, nunca cedido gratuitamente, pela “bondade” de algum patrão, pai, gestor ou Estado.

Filhos, mais ou menos ali pelos 16 anos de idade, iniciam ou agudizam um processo de “resistência” lógica, mais fundamentada, aos comandos e desejos dos pais. Quando os pais são inteligentes em buscar o diálogo, conseguem explicar, e convencer, com lúcidos fundamentos e razões, que alguns “nãos” são honestos e necessários. Essa inteligência paterna, em muitos casos, “vence” o adolescente que se torna um admirador dos pais. Percebe, o filho, que deve viver contenções e cuidados normais postos pelos pais. Este diálogo é troca e amor.

                Em relações saudáveis há “nãos” naturais ditos aos filhos. São impostos e manejados durante toda a infância de uma forma ao mesmo tempo firme e inteligente. Nestes casos, no futuro, a previsão é de ausência de problemas. Mas isso não quer dizer o conceito frufru da moda em educação que é o tal do “limite”. Essa palavra passou a ser a grande mentira em razão da falta de autoridade, conceito jamais confundível com autoritarismo. Pais que precisam repetir 5 ou 18 vezes um “não” a um filho para depois ainda concordar dizendo que “é somente esta vez”, devem ter uma relação familiar bem quebradiça. Até no amor.

                O filho que aprende a confiar na inteligência e diálogo com os pais, tê-los como referência ou mesmo ídolos de equilíbrio e sensatez, terá muito mais receptividade em ouvir um “não”. Saberá que este “não” certamente será inteligente e dosimetrado. Em uma relação sadia assim, o choque de ideias ou de gerações será sensivelmente menor e mais harmonioso. Filhos entenderão. Pais também.

                Choque de ideias tem que ver com direitos, imposições e vontades. Na medida em que o jovem avalia que pode fazer certas coisas, considera isso um direito seu. Assim, beber além da conta, voltar tarde da boate, fazer sexo, fumar maconha etc. Famílias que não conversam, não negociam pelo diálogo podem enfrentar alguns desastres ou surpresas. Conversar aí, não é exercer “controle”, mas essencialmente conhecer o filho a fundo. E conhecer passa por não se surpreender com novos valores e comportamentos.

Choque de ideias também pode se ligar a divergências políticas, religiosas, morais e de comportamento em geral. Há formas autoritárias de educação, suavemente disfarçadas. Por exemplo, a que impõe uma religião ou um modelo de voto político ao filho. Essas escolhas são óbvios traços de personalidade de cada um. Jamais deveriam ser fruto de ingerência externa à personalidade. Filósofos famosos ensinam que não há bebê cristão ou bebê muçulmano. Isto é uma invenção familiar oriunda do autoritarismo. Do mesmo jeito que não há bebê petista, direitista ou comunista.

 Pais precisam analisar “quanto” negarão de personalidade ao filho impondo pequenas ou grandes invasões em sua estrutura de ser pessoa plena. Educar não é moldar, adestrar ou calar a criatividade, a crítica, a irresignação e a genialidade de alguém. Também não é querer fazer um filho à imitação dos pais, ainda que naturalmente isso possa ocorrer em certa medida. A família brasileira é essencialmente conservadora e isso jamais pode ser entendido como um elogio. Os preconceitos precisam do conservadorismo como ingrediente primeiro.

Até certa idade são os filhos que precisam entender os pais. Só que o futuro não “pertence” aos pais, mas aos filhos. Aí serão os pais que precisarão entender os filhos. Dá-se essa troca. Um filho psicologicamente forte, bem informado e com padrões morais e éticos firmes parece ser o mínimo para que a vida lhe sorria. Aí pode estar um conceito interessante de educação inteligente e forte. Jean Menezes de Aguiar.