Artigo publicado no Jornal O DIA SP - semana de 25.abr.13
Filhos não são criados “para os
pais”. Ou não deveriam ser. Pais têm que admitir e compreender a existência de
choques de ideias. Às vezes desconcertantes e em diversas áreas cruciais. Mas
isto não é tão simples assim, ainda que muitos pais digam que “discordâncias”
sejam naturais. Da boca para fora é fácil. Vivenciar conflitos ideológicos e de
gerações é bem mais complicado.
Até que ponto os pais “sabem” o
que é melhor para o filho? É muito comum pais afirmarem, ou imporem isso, às
vezes autoritariamente, apenas porque viveram mais tempo. O “saber mais” sempre
escondeu a barganha do poder. De pais para filhos, é comumente utilizado, o
jargão, em nome de uma suposta maior maturidade. Em muitos casos e assuntos ela
até existe. Mas em outros não. Veem-se, por exemplo, alguns pais vivendo
tragédias e tormentos pessoais, em absoluta falta de bom senso e sabedoria para
administrar a própria vida.
Sabe-se
que a vida “perfeita” não existe. A maturidade acabada também não. Todo
conselho admite questionamento. O fato é que nem todos os pais são geniais;
equilibrados; sensíveis; e mesmo verdadeiramente amorosos com os filhos. Assim
como também há filhos iguais.
Em relações difíceis há sempre
um tipo de conserto muito válido para ambos os lados que é o infalível amor
declarado. Declarar amor vale para qualquer erro ou indelicadeza. Do filho para
o pai ou no sentido inverso. Expressamente, cara a cara, além de ser um
grandioso presente, é o remédio mais poderoso que existe. Isso não quer dizer
que alguém possa “trair” o outro alegando amor.
Pessoas calhordas traem a
confiança do outro, mentindo, dissimulando para depois alegar amor e tentar
disfarçar o que praticou. Esta hipótese sequer é considerada aqui. Pessoas
ruins há, em qualquer lugar, sejam pais ou filhos.
Há também o farisaísmo das falsas preocupações. Em
nome delas, muitas vezes, o que se busca é a manutenção de poder. Pais que
invadem a liberdade e a autonomia de filhos, quando suas intenções são
desmascaradas, alegam a “sagrada” preocupação de pai ou de mãe. Para alguém
minimamente inteligente, não cola. Desrespeito não pode ser chamado de
preocupação. Violar direitos não tem nada que ver com preocupação. Relações
densas em amor e confiança não precisam violar, são conversadas.
Liberdades de filhos, no curso
de seu amadurecimento, na idade pré-adulta, são invariavelmente tomadas,
conquistadas. Isso parece estranho, mas toda liberdade aí deverá ser um direito
na vida adulta que se aproxima. Pessoas colecionam direitos, “mesmo” jovens. Isso
é bem fundamentado em Rudolf Von Ihering, na obra A luta pelo direito.
Ali se aprende que todo direito, na história do mundo, foi e é tomado, nunca
cedido gratuitamente, pela “bondade” de algum patrão, pai, gestor ou Estado.
Filhos, mais ou menos ali pelos 16 anos de idade,
iniciam ou agudizam um processo de “resistência” lógica, mais fundamentada, aos
comandos e desejos dos pais. Quando os pais são inteligentes em buscar o
diálogo, conseguem explicar, e convencer, com lúcidos fundamentos e razões, que
alguns “nãos” são honestos e necessários. Essa inteligência paterna, em muitos
casos, “vence” o adolescente que se torna um admirador dos pais. Percebe, o
filho, que deve viver contenções e cuidados normais postos pelos pais. Este
diálogo é troca e amor.
Em relações saudáveis há “nãos”
naturais ditos aos filhos. São impostos e manejados durante toda a infância de
uma forma ao mesmo tempo firme e inteligente. Nestes casos, no futuro, a
previsão é de ausência de problemas. Mas isso não quer dizer o conceito frufru
da moda em educação que é o tal do “limite”. Essa palavra passou a ser a grande
mentira em razão da falta de autoridade, conceito jamais confundível com
autoritarismo. Pais que precisam repetir 5 ou 18 vezes um “não” a um filho para
depois ainda concordar dizendo que “é somente esta vez”, devem ter uma relação
familiar bem quebradiça. Até no amor.
O filho que aprende a confiar na
inteligência e diálogo com os pais, tê-los como referência ou mesmo ídolos de
equilíbrio e sensatez, terá muito mais receptividade em ouvir um “não”. Saberá
que este “não” certamente será inteligente e dosimetrado. Em uma relação sadia
assim, o choque de ideias ou de gerações será sensivelmente menor e mais
harmonioso. Filhos entenderão. Pais também.
Choque de ideias tem que ver com
direitos, imposições e vontades. Na medida em que o jovem avalia que pode fazer
certas coisas, considera isso um direito seu. Assim, beber além da conta,
voltar tarde da boate, fazer sexo, fumar maconha etc. Famílias que não
conversam, não negociam pelo diálogo podem enfrentar alguns desastres ou
surpresas. Conversar aí, não é exercer “controle”, mas essencialmente conhecer
o filho a fundo. E conhecer passa por não se surpreender com novos valores e
comportamentos.
Choque de ideias também pode se ligar a divergências
políticas, religiosas, morais e de comportamento em geral. Há formas
autoritárias de educação, suavemente disfarçadas. Por exemplo, a que impõe uma
religião ou um modelo de voto político ao filho. Essas escolhas são óbvios
traços de personalidade de cada um. Jamais deveriam ser fruto de ingerência
externa à personalidade. Filósofos famosos ensinam que não há bebê cristão ou
bebê muçulmano. Isto é uma invenção familiar oriunda do autoritarismo. Do mesmo
jeito que não há bebê petista, direitista ou comunista.
Pais precisam
analisar “quanto” negarão de personalidade ao filho impondo pequenas ou grandes
invasões em sua estrutura de ser pessoa plena. Educar não é moldar, adestrar ou
calar a criatividade, a crítica, a irresignação e a genialidade de alguém.
Também não é querer fazer um filho à imitação dos pais, ainda que naturalmente
isso possa ocorrer em certa medida. A família brasileira é essencialmente
conservadora e isso jamais pode ser entendido como um elogio. Os preconceitos precisam
do conservadorismo como ingrediente primeiro.
Até certa idade são os filhos que precisam entender os
pais. Só que o futuro não “pertence” aos pais, mas aos filhos. Aí serão os pais
que precisarão entender os filhos. Dá-se essa troca. Um filho psicologicamente
forte, bem informado e com padrões morais e éticos firmes parece ser o mínimo
para que a vida lhe sorria. Aí pode estar um conceito interessante de educação
inteligente e forte. Jean Menezes de
Aguiar.