sábado, 9 de março de 2013

Liberdade para os casais


O amor
Artigo publicado no jornal O DIA, semana de 7.3.2013
 
O tema não é novo, mas continua a comportar questionamentos interessantes. Há, continuadamente, uma carga bastante forte de preconceito social com questões que envolvem relacionamento de duas pessoas que se gostam e resolvem ficar juntas. O preconceito é velho de guerra, mas parece se renovar, inacreditavelmente, em sua trincheira de luta.
Antigamente havia um “normal”, pelo menos nos países conservadores, em termos de um roteiro evolutivo da relação. Namoro, noivado e casamento. Repare-se que, até paradoxalmente, a língua inglesa não conhece muito bem a terminologia “noivado”. Utilizam-se, por lá, diversas formas gramaticais “querendo dizer” noivado. A palavra “fiancé”, por exemplo, tem origem francesa.
Considere-se um conceito: união séria entre duas pessoas pelo vínculo do amor ou atração pessoal, com a finalidade de constituição de família, no mínimo ambos que ali já se encontram, sob parâmetros jurídicos e certos valores sociais. De o que se trata esta união? Analisado este conteúdo aí, sem nominá-lo, fica honestamente impossível dizer, com “perfeição”, que se trata de um casamento; uma união estável; ou “mesmo” uma relação de duas pessoas homossexuais.
Fatores como duas pessoas, vínculo de amor, finalidade familiar, parâmetros jurídicos e comprometimento de valores são comuns ou que podem ser perfeitamente comuns a qualquer relação entre duas pessoas. A lei variará em relação a conceitos de família, parâmetros jurídicos e valores sociais. Mas ela, no tema e em todo mundo, vive atualmente sua maior crise e revisão. Estima-se, por exemplo, que a própria Igreja Católica acabe com o celibato. Parecem não caber mais, no mundo, ou verem-se efetivamente atrofiados, interferências e comandos externos, legais ou heterônomos à vida dos casais.
Essa nítida evolução não quer dizer que a sociedade e a lei não imponham marcos divisórios conceituais nítidos. Mas uma grande questão, socialmente evolutiva se nos impõe: o mundo caminha para a redução desses marcos “organizatórios”, em relação à convivência de duas pessoas, ou para o agravamento deles? Responder com honestidade histórica a esse questionamento bastante metodológico é de total importância. Parece não haver dúvida que o mundo discute atualmente como reduzir marcos, barreiras e proibições. Não ampliá-los.
Se um imaginário “vetor metodologico do progresso” puder ser traçado obedecendo à simples evolução histórica do mundo, o seu caminhar, ver-se-á que a sociedade progride para a redução dos marcos divisórios, classificatórios e separatistas. Foi assim, por exemplo, com filhos adotivos, espúrios, naturais, ilegítimos, biológicos etc. Essas classificações tendem a cair.
As relações amorosas, sexuais, íntimas, de convívio de duas pessoas cada vez mais passam a dizer respeito a elas e somente a elas. Em direito chamar-se-á isso de ampliação da autonomia da vontade. Tem-se uma retração do Estado na vida privada das pessoas e uma ampliação de o que cada um que sabe de si, quer para si.
Ou será que o mundo caminha para criminalização das relações que muitos ainda consideram espúrias, proibidas, indecentes, imorais ou ilegais? O correto enquadramento histórico dessa principiologia é muito revelador. Alguém verdadeiramente honesto e não preconceituoso que seja contrário a uma dessas formas “novas” de relação, ao perceber que toda a evolução social do mundo há em sentido contrário ao seu modo de ver, deveria apenas “se” repensar. Nada mais que isso.
Talvez essa visão macro da evolução histórica e social seja o ponto metodológico mais grave para que posições sejam, sim, mudadas. Vulgarmente seria: sou eu e meu umbigo mental que estamos certo e todos os países estes errados; ou todos os países que caminham juntos nessa evolução representam uma modernidade saudável? A humildade em se ver possivelmente errado em relação a uma grande onda mundial, não tem que ver com qualquer padrão de imitação, macaqueamento, importação de valores do chamado primeiro mundo.
Entre casamento e união estável sempre houve valas profundas. Expressas e assumidas, ou hipócritas e disfarçadas. Mas entre homem e mulher também. Somente em 1988, por exemplo, o machismo legal no Brasil acabou. O homem era o “chefe da sociedade conjugal”, o “cabeça do casal”, designava por vontade sua onde seria o “lar conjugal” etc. Certas igualdades são muito recentes. A igualdade que se percebe em xeque agora é a das relações. Liberdade para os casais. Mesmo que contrários ao que queiramos ou entendamos por “correto”.
Quando a Argentina sai à frente e aceita o casamento de homossexuais ela apenas encampa uma evolução que há no mundo ou caminha na contramão da história? O recurso às questões metodológicas é um poderoso auxiliar na percepção de como uma grande parte da sociedade mundial, por exemplo, o Ocidente, “pensa”.
Talvez o grande ponto de toda questão ligada às relações entre pessoas que se amam esteja centrado na discussão da autonomia de vontade. Porque eu acho, com minha arrogância portátil, que uma dada relação é promíscua, quero que haja uma lei proibindo-a. Esse pensamento é velhaco e já foi desmontado ao longo da história, inclusive com pessoas conservadoras sendo flagradas com suas “taras” e “defeitos” a esses próprios modos de pensar.
Jamais se tratará de um vale tudo, de uma Sodoma e Gomorra, de uma promiscuidade social em que possa existir uma família com 3 maridos e 2 mulheres. O problema poderá ser se uma célula assim se vir feliz e se aceitar. E aí sociedade? Quanto é correto “se intrometer” na vida relacional de um casal? Quanto a pessoa, a sociedade e o Estado podem fazê-lo? É exatamente esse quanto que vem sendo reduzido seguidamente. Conservadores querem requentar essa intromissão. Mas a sociedade com sua sabedoria que ninguém rouba parece já ter dado um basta a isso. O resto é só assistir de camarote. Felicidade a todos os casaizinhos e casaizões. E que o amor vença. Jean Menezes de Aguiar.

Torcida que mata


No caso, antropofagia.
Artigo publicado no jornal O DIA, fev. 2013 
Um dos traços do consumismo é exacerbar sentidos e sentimentos, inclusive apressando-os. Há que se emagrecer em 8 dias. Deixar de ser careca em 25. Aprender inglês em 1 mês. Cursar o segundo grau em 3. Ter a melhor ereção do mundo com uma pílula, mesmo que se tenha 16 anos de idade. Essas mentiras são apenas um dos valores visíveis do consumismo e seu ritmo. Mas a sociedade adotou tais valores silenciosamente, num modo tácito de “agora é assim”.
Daí, a simples atividade de torcer por um time precisa ser transformada em sofrer e jurar fidelidade, acima, bem acima da esposa. Crianças são, nesse universo, ensinadas a amar os times de seus pais, tolhendo-lhes a escolha, obviamente, mas de forma autoritária. Há o amor aos pais e o amor ao time no mesmo patamar. Em religião se chama isso de fundamentalismo, a negação do conhecimento racional em nome de um dogma radical impensado. No esporte, chamar-se-á de fanatismo.
Curioso que fanatismo, antigamente, era algo ruim, ligado a um distúrbio de comportamento. Mas com o consumismo atual, passa a ser um valor enaltecido. Nessa engrenagem social, se o torcedor não for fanático não é um torcedor verdadeiro.  Se o jogador apenas vibrar e não se dirigir à torcida mordendo o escudo do time que fica no peito já acessível à boca para ser mordido, como sinal de adoração, não “vestiu a camisa”. Já as finais, todas, são “dramáááticas”, conforme um Galvão “esperto” Bueno que ajuda a vender o drama e o derradeiro, fatores compositivos do fanatismo.
É claro que sempre haverá quem lucre com o fanatismo. Sim, lucrar dinheiro mesmo. O fanatismo gera um tipo de devoção e presença garantida em estádios. Inclusive em continentes inimagináveis. Pessoas “pobres” saem do Brasil para assistir a um jogo no Japão. É como já se cantou que o sambista se preparava o ano inteiro para o desfile na Sapucaí, inclusive economizando dinheiro para a fantasia. Mas a poesia do Carnaval não chegou a gerar o fanatismo da morte.
Esta semana o mundo futebolístico foi sacodido pela morte de um garoto de 14 anos de idade atingido por um petardo incendiário de mão, lançado intencionalmente por um torcedor brasileiro. Justamente o time que foi campeão mundial tem, logo a seguir, o desastre de sua torcida, a mais oficial, e fanática, causando a morte de um menino. Dirão conservadores de plantão que não foi “o time” que matou, que não foi “a torcida” que matou. Tolos legalistas empunharão a teoria de que a pena não passa da pessoa do delinquente, recitando normas constitucionais totalmente ociosas quando se pensa no jovenzinho morto.
Se essa responsabilidade é cirurgicamente identificada na pessoa do lançador do petardo, porque então o time foi condenado a ficar todo o campeonato sem a presença de sua torcida? Será que a Conmebol “enlouqueceu”? Será que os julgadores do caso são uns tontos? Há um conceito aí que entrou em cena: a exemplariedade. 
A exemplariedade é um conceito cada vez mais necessário num mundo consumista. Uma punição será exemplar quando a um fato de gravidade 1, ela venha sobre tônus 3 ou 5. Ou seja, com uma resposta mais elevada do que o fato originário. Essa gradação para o pior é diferente da que se vê, por exemplo, na legítima defesa. A uma agressão injusta de um bandido não se pode exigir, no momento do desespero, uma reação totalmente equilibrada do homem de bem. Daí se permite que este homem de bem mate o agressor ainda quando o agressor não fosse perpetrar um homicício, mas somente um roubo.
No caso da Conmebol é exatamente o inverso. Os juízes tiveram tempo para refletir e calcular a pena. A dosimetria dela levou em consideração esse efeito exemplar. Quis-se uma resposta severa e que entrasse para a história, afinal, tratava-se da morte de um jovem criminosamente feita em estádio de futebol, na condição de mero torcedor, não de um ladrão. Ainda que se estime que a própria entidade possa não ter toda a força para “manter” a punição. Mas isso já é outra questão.
Todo o futebol deveria se ver de luto com a bestialidade perpetrada. Medidas severíssimas deveriam ser tomadas e isso sem qualquer cunho autoritário ou conservador. São Paulo já vive o absurdo de não poder ter bandeiras em torcidas porque os boçais se matam, se furam. É patético. E o Estado invariavelmente letárgico, o máximo que consegue responder é: o Ministério Público vai investigar. Essa frase já virou um anedotário frente a crimes e truculências empreendidas por torcidas.
O pior de tudo é que passou a não ser somente uma torcida com esse padrão. Agora, como o fanatismo se tornou a regra, times outrora considerados de “elite” começam a ter seus núcleos de violência, ódios futebolísticos rácicos e étnicos, cortes de cabelos e vestimentas nazistas e outros adereços próprios do esdrúxulo e do boçal.
Ficar o time aí, da torcida incontível que quebra aeroporto e precisa ser fiscalizada pelo serviço secreto japonês para que não afete a paz e a cultura nipônicas por todo um campeonato sem sua torcida pode ser um marco. Um triste marco, mas necessário. É um grande time, fez uma ótima e bela campanha em campo. Mas os times passaram a ser bastante responsáveis pela idolatria cega e fundamentalista de seus torcedores. Se não fosse assim, pela morte do garoto, o time não seria punido como foi. O mais triste é que isso se dá imediatamente após uma conquista do mundo tão bonita. O futebol precisa se reler, se rever, sob pena de campos se tornarem, sim, “arenas” para enfrentamentos de morte.
Marmanjos que se orgulham, estranhamente, de se dizer “loucos” têm o direito de ser o que quiserem. E a polícia, o Estado, a sociedade de bem têm também o direito de “conter” doentes e desestruturados violentos, como vigaristas e criminosos. Ou em internações como medidas de segurança ou com a boa e velha penitenciária. Só dependerá do grau de violência e boçalidade verificada. Agora todo mundo da “torcida” está assustado. Mas o menino morreu. Jean Menezes de Aguiar.

NY: consumismo x funcionalidade

Fev 2013, Nikon D3200, 24mp, objetiva Nikkor 55-300mm, puxada nos 300mm. JMA.


Artigo publicado no jornal O DIA, fev. 2013


            Em épocas de globalização, em pleno 2013, não estou tendo onde ou como escrever esta matéria de hoje. Não sei se conseguirei enviar para o jornal. Isso porque me encontro em Nova Iorque, um dos centros de maior tecnologia do mundo. O incômodo gráfico, textual e consequencial é enorme.

            O assunto teria como objeto uma discussão sobre o consumismo, mas o entrave que se me apresenta é imenso. Comprei um notebook aqui para substituir o velho e poderoso Philco, isso mesmo, um montado na China como qualquer um. O novo, bem bonito, vem com o Window 8 que mais parece um joguinho de descoberta de como se maneja algo capcioso criado somente para dificultar e manter a reserva de mercado de que somente "eles" podem saber como fazer. Sem problema.

            Aí pensei, fácil, estou num hotel na 7a avenida, em frente ao Madison Square Guarden, um estabelecimento com mais de mil quartos e que para eu chegar do elevador ao apartamento preciso de exatos 150 passos. Deve haver uma "salinha" de internet.

            Bingo, como dizem os americanos. Para um hotel deste tamanho há uma sala com 5 computadores. Não posso estranhar, a presunção é de que todos tenham o seu computador, menos alguns como eu que estejam "em transição".

            Vou à recepção e me cobram 20 dólares por uma hora de uso. Sinto-me razoavelmente assaltado. Não é aqui que tudo é praticamente de graça? Ledo engano, algumas coisas são exorbitantemente caras. Enfio o cartão e o troço começa a funcionar, ok. Procuro o Word, sim aquele programa para digitar (não é este que estou usando, este é apenas o WordPad - e, de novo, não sei se conseguirei enviar esta matéria - tomara!). Não há Word.

            Controlo o desespero. O que vale um computador para mim sem Word? Nada. Joguinhos? Cruz credo, já sou deliciosamente idoso e desalegre para curtir joguinhos (amigos do Facebook, parem de me convidar para não-sei-o-que-Ville).

            Consigo "ligar" um editor de texto no computador do hotel, mas o teclado não funciona, ele não sabe que existe o Brasil. Não há um acento gráfico em português. Vou ao meu Blog e copio um artigo meu publicado. Tiro todos os acentos e sinais, os copio no arquivo do novo texto e começo a escrever copiando e colando cada um dos sinais quando preciso, um a um. Mas aí olho para o consumo miserável do "card" da internet e ele já comeu quase 50% dos 20 dólares. Bate o desespero. Estando na terceira linha com este método infernal, precisarei de uns quatro mil dólares para mandar esta matéria. Sem chanche. Aborto.

            Subo para o apartamento e peço à namorada, novinha, sabe tudo de internet, que tente por o novo notebook em português. Ela diz que não pode perder o dia da Macy's para tentar me ajudar (e sou eu que quero correr para lá). Imploro e ela perde toda a manhã. Estava certa, o Windows 8 foi feito para garotos viciados em computador, mas tudo bem. Acesso a internet e pergunto ao Gúgle (pense com sotaque maranhense, ouvi assim lá, é poético) como transformar o Windows em português. Vem um garoto com uns 8 anos de idade que não é brasileiro, ouvindo-se um martelar de obra ao fundo e ensina, no Youtube. Eu amo esse garoto desconhecido. Consigo pôr o teclado em brazuca. (Tomara que consiga "enviar", não tenho e-mail instalado ainda).

            Aí estou aqui, digitando a matéria de hoje. Qual é mesmo o tema? Xi, já comi quase todo o tamanho da matéria contando esse besteirol. Tudo bem, confio que serei perdoado, afinal estou invocando o provincianismo de dizer que estou em NY. E foi a minha primeira vez (não doeu).

            O tema seria sobre uma leitura do consumismo. Confesso que me surpreendi. Estamos acostumados a uma interpretação vulgar do consumismo na visão da compra, o verbo consumir em si, a coisa do shopping center, a pessoa cheia de sacolas. Por aqui há muito mais que isso e os sacoleiros não são os novaiorquinos. Até porque os deslumbrados com muamba somos nós, não eles.

            Eles podem viver o espírito do consumismo, nós vivemos sua mundanidade. O consumismo para eles aparece num atendimento ruim, sempre apressado e mal humorado. Não gostam de dar informações. Se não der gorgeta o cara lhe cobra acintosamente. Eles acham que têm "direito" a gorgeta. Há essas "bobagens" nas relações com eles. Mas há coisas densas que precisam ser analisadas.

            Não se vive aqui o luxo paulista fútil de os restaurantes terem que fazer reforma todo ano porque se não o cliente "enjoa". A louça sanitária nos banheiros se funcionar perfeitamente pode ser da época do pós-Guerra. Os aquecedores para calefação também. A impressão é que os enfeites da coisa nova não precisam existir se a funcionalidade estiver cumprindo seu papel. Isso é cultura.

            O metrô tem uma cara que parece imutável, não é mexida, não é reformada a cada prefeito com novos tijolos que custarão bilhões de dólares como as calçadas paulistas, tudo feito para piorar e quebrar, precisando de reformas e com chances a comissões milionárias que o Ministério Público jura que vai investigar e nunca dá em nada.

            A funcionalidade americana é desconsumista e desnatura o seu consumismo. Isso é muito bom de se ver. Haveria um consumismo, sim, com suas garras afiadas, mas sem tomar o espaço de um clássico que os países que apenas "imitam" querem desovar em troca do "tudo novinho", o horror cafona da decoração toda novinha sem nenhum peso.

            Estou sem o contador de palavras e aqui não consigo visualizar o tamanho do artigo. Vou aprofundar o tema dessa visão comparatória que achei fascinante. Anotei diversas características em observações que tenho feito no frio de até 8 graus negativos. Ainda fico algum tempo aqui. Espero que a matéria de hoje chegue sem grandes erros, cuja responsabilidade é somente minha pessoal. Agora, a Macy's me espera. Jean Menezes de Aguiar.

 
PS. Por presente do destino encontrei Leny Andrade, citada no artigo abaixo, na BH fazendo compras. Foi um papo amoroso com essa grande cantora brasileira.