sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Negociar inteligentemente ou disputar tolamente?




Quando se estuda Negociação aprende-se que 2 são as formas antagônicas de se atuar: 1ª) barganha posicional (Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton; Como chegar ao sim - a negociação de acordos sem concessões) e 2ª) construção de consenso com identificação do problema em si (Eugênio do Carvalhal, Negociação - fortalecendo o processo: como construir relações de longo prazo). Na barganha posicional, “problematiza-se” com a pessoa do outro lado e se estabelece, psicologicamente, que terá que ser vitória ou derrota, é um “tudo ou nada” com baixíssimo uso de inteligência. Aí, menosprezam-se o foco no problema e o foco na solução, para viver uma verdadeira disputa interpessoal, muitas vezes por implicâncias, sem qualquer lógica inteligente (há lógicas burras). É claro que a forma de barganha posicional é o pior que há em termos negociais, algo próprio de amadores ou, se se quiser, pessoas burrinhas mesmo, que não conseguem resolver construtivamente um problema. No segundo modelo, centram-se as preocupações de forma objetiva no foco do problema, seja quem for o “outro lado”, quem Frank Akuff (Como negociar qualquer coisa com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo) chama de OL. Aqui aparece o famoso termo ganha-ganha, introduzido na literatura especializada em 1989 por R. R. Reck e B. G. Long (The win-win negotiator: how to negotiate favorable agreements that last). Será sempre uma coisa muito boa quando pessoas sensatas chegam a um acordo cujo foco são as possibilidades reais, objetivamente examinadas, ambos os lados cedendo onde é possível para gerar acordo, solução e bem-estar. O ganha-ganha é a meta de todos os livros de Negociação na atualidade e deve ser a meta de todos os conselheiros, juízes, mediadores e árbitros.

Alguns autores chegam a dizer que só haverá negociação, estrito senso, quando ambos os lados ganharem. Negam o conceito de negociação se um lado derrotar o outro. Brian Clegg (Negociação – como conseguir acordos com as pessoas já) suaviza este rigor, com a frase “sinta-se livre para ser implacável”, mostrando que o “eu ganho e você perde” é possível, mas só muito excepcionalmente. Como nos casos, por exemplo, da venda da casa da família, negócio não esporádico que o vendedor quererá obter o melhor preço possível; razoável. Nestas situações de negociação única deve estar ciente o comprador que poderá haver um ganha-perde e ele deverá se proteger, exaurindo todas as possíveis interferências e situações episódicas para comprar apenas com total segurança. Como o negócio não é continuativo, o vendedor não é um profissional de vendas e não terá porque manter o comprador em sua lista de clientes, o comprador precisa ter cuidados adicionais. Mas a excepcionalidade deste evento fica evidente. Praticamente ele pode ser “retirado” da ordinariedade do conceito de negociação, no qual impera em toda a literatura especializada a máxima “ganha-ganha”.

Numa negociação duradoura, como um processo judicial contencioso, periódicas revisões poderiam ou deveriam ser feitas para se saber se a “manutenção” daquele processo continua com uma razoável ou boa relação de custo-benefício. Os juízes poderiam mesmo trazer as partes em audiências especiais periodicamente, considerando-se momentos distintos ao longo do processo, para verificar se não seria possível um acordo. A máxima de que “um péssimo acordo é melhor do que uma ótima causa” continua mais viva do que nunca, principalmente em época de consumismo, onde impera a pressa e a liquidação de resultados satisfatórios. Muitas vezes uma negociação se esgarça no tempo por defeito dos negociadores. Herbie Cohen (Você pode negociar qualquer coisa: dicas do melhor negociador do mundo) apresenta forte crítica à negociação empreendida como disputa na passagem: “Por que funciona essa tática soviética do ganha-perde? Por que deixamos que ela funcione.” O bom negociador deve buscar contornar a todo tempo as implicâncias, as cismas e falta de confiança do outro lado, para focar a negociação no objeto a se compor. Uma visão estritamente objetiva: qual é o problema e qual a forma mais hábil, menos custosa e mais amigável para compô-lo.

Pessoas inteligentes e equilibradas devem negociar, não disputar, a disputa não tem qualquer traço de inteligência, até porque interesses jurídicos, econômicos, empresariais ou pessoais não são objeto de “esporte”. Muitas vezes advogados que não conhecem negociação enveredam-se em processos judiciais sem a boa frieza, o profissionalismo e a isenção utilizando nítidas barganhas posicionais, rivalizando visivelmente com o outro lado e acabam “vendendo” para seus clientes a ideia polarizada e maniqueísta de vitória ou derrota, tudo ou nada. Isso pode ser primariamente sedutor para um cliente que não conheça nada da possibilidade negocial. Tais litígios podem consumir muitos anos e os prejuízos podem ser imensos. Os advogados que conhecem os meandros negociais e tiveram treinamento conseguem resultados muito melhor. Paradoxalmente venho observando ao longo dos anos, como professor de negociação na pós-graduação FGV, que alunos outros que não advogados – administradores, economistas, contadores, engenheiros etc. – são mais receptivos ao conhecimento científico negocial do que os advogados. A alguma belicosidade própria da advocacia contenciosa parece que acaba contaminando o profissional forense ao longo do tempo, o que é uma lástima para o cliente.

Para quem conhece negociação, é comum ver interesses de pessoas ou empresas bastante comprometidos quando o negociador não é um bom profissional e “problematiza” com o seu “rival”, vivendo uma “disputa”. É tática do ganha-perde, referida por Cohen e censurada por toda a literatura da área. Mas a inteligência, a genialidade, a isenção, a seriedade e o profissionalismo clamam pelo modelo ganha-ganha. Aí estarão sempre os melhores profissionais de negociação. Do outro lado ficará o resto, parado no tempo, com baixo nível de conhecimento e estudo, ruminando implicâncias, invejas, mediocridades e até “suas vitórias” de Pirro, que sejam, mas a ciência sorri desses, ou melhor, gargalha. Jean Menezes de Aguiar.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Afinal: CNJ – ditadura ou democracia?

[Artigo publicado no jornal O DIA SP em 29.12.2012]

                Declarações atabalhoadas, ou até ofensivas, merecem ser tratadas sem eufemismos. Não se trata apenas do recurso jornalístico de hipertrofiar a fala de alguém para lhe revelar o azedo contido nela. O fato é que as declarações do futuro presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, comparando as investigações do Conselho Nacional de Justiça sobre juízes à ditadura são desastradas por si só. Por várias razões.

                Primeira, porque todo mundo já percebeu, somente agora, com os paradigmas Eliana Calmon e CNJ, que a regra antes do CNJ foi impunidade. De novo, declarações bombásticas, agora de Eliana. Se o que ela disse sobre bandidos de toga é verdade, e não há qualquer motivo para se presumir sua insanidade mental, a conclusão é de que as “corregedorias” nunca funcionaram mesmo. Se não funcionaram o CNJ se superlegitima e ocupa um espaço exigido pela sociedade.

                Segunda, os métodos da ditadura foram ilegais e truculentos, o que em nada tem que ver com as investigações do CNJ que centrou-se em salários, verbas, auxílios, mordomias e irregularidades, tudo com dinheiro público. Ou será que dinheiro público merece segredo e intimidade? Ou será que a mesma lógica da intimidade legítima do salário de um diretor de empresa privada que ganhe 150 mil reais por mês, ou 10, deve ser utilizada para um salário “público”? É óbvio que não, nunca, jamais.

                É farisaísmo e gera suspeição se querer a blindagem, o segredo aí, como também é falta de conhecimento jurídico invocar princípio da intimidade quando a questão envolve dinheiro público.

                Terceira, há um sintoma de alívio com a até historicamente cansativa e batalhada criação do CNJ, a entidade que tantos lutaram para que não existisse. Até que de inúmeras costuras se conseguiu uma composição, ainda que nitidamente parcial, praticamente só de juízes. Se o CNJ não é legítimo para investigar a classe quem seria, Deus? A questão beiraria o ridículo se não fosse séria demais e não envolvesse dinheiro do povo. Mais, o CNJ foi inserido na Constituição somente abaixo do Supremo. Será que isso é “pouco”? Pedir ordem judicial ao CNJ para investigar salário público de funcionário de primeiro grau parece piada.

                No plano de sucessivas leituras desses acontecimentos, visando a uma leitura mais sociológica, é de todo saudável que essa briga tenha eclodido. Também é saudável que os agentes envolvidos sejam vaidosos e queiram aparecer na imprensa, trocando farpas públicas. Só assim se fica sabendo, pela troca de acusações, o que há por debaixo dos panos, ou das mantas de kevlar, o tecido a prova de bala.

                Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedor no CNJ não deixou barato, sobre a acusação de que o Conselho seria ditatorial, como afirmou Sartori. Invocando pobreza de argumento e falta de conhecimento do futuro presidente do TJ de SP, disparou: “Esse jogo de palavras como ditadura é argumento de quem não tem argumento, de quem não conhece a Emenda 45 e a trajetória do CNJ".

                Realmente, há uma nova sociologia envolvida na Emenda Constitucional 45 que parece não ter sido compreendida por muitos que só leem o “jurídico” das normas. Se a Constituição da República de 1988 foi “cidadã”, o que veio dentro dela depois deve obedecer ao mesmo espírito. A Emenda 45 quis, efetivamente, melhorar o Judiciário, não a prol exclusivista dos juízes, blindando-o mais e mais ainda, mas da sociedade, sua remuneradora direta.

                Solapar esse entendimento é manter-se preso a uma ideia surrada que põe no liquidificador fatores como impunidade, privilégios, blindagem e falta de transparência, além do menosprezo ao novel conceito de governança.

                Será, em todos os casos, suspeitíssimo, qualquer funcionário público que se disser “magoado” ou “invadido” com investigações que queiram apurar sua situação de ocupante de um cargo público com vantagens totalmente acima da média, que foi o caso da investigação do CNJ, toda lastreada em bases precisas da Receita Federal.

                Uma das marcas sociais do ano de 2011 no mundo são os movimentos populares de cobrança de transparência, honestidade e melhor qualidade com o uso do dinheiro público. Os Estados, em todos os continentes, ao longo da história, desenvolveram mecanismos cínicos de apenas fingir prestar contas e informações sobre o dinheiro público, mas manejar com avidez esse dinheiro.

                A grande diferença entre os diversos países é o nível de impunidade. Enquanto que em países nos quais a palavra ditadura não é invocada para justificar nada, como Canadá, França, EUA, Alemanha etc., o nível de apuração do mau uso do dinheiro público é cabal e essas retóricas coloridas de efeito não valem para nada. Nestes países veem-se prefeitos e outras “autoridades” saírem algemados e efetivamente condenados.

Já em países como o Brasil, criam-se órgãos, muitos órgãos. Inventam-se comissões, comitês, fóruns, tudo muito bem alimentado, sim, comida, com jetons, diárias, cartões corporativos etc. Acha-se que a mera “criação” de um órgão fiscalizatório, totalmente falsificada nos objetivos, é o suficiente para enganar a sociedade. O problema é que a sociedade em 2011 parece ter acordado. Eliana Calmon está sendo disputada entre dois colos: o da imprensa e o do povo. Se torna superlegitimada. E a justificação única para isso é o fato de ela ter querido cortar na própria carne de sua instituição, depurar o Judiciário. Se vão deixar ou vão mandar ela para a fogueira, só a história dirá. Jean Menezes de Aguiar.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sociedade pós-moderna e Alain Touraine

[Sociologia. A macaca de bolsa Victor Hugo. Consumo feminino. Não luz, não túnel: claridade fotofóbica.]

Uma das possibilidades conceituais da sociedade pós-moderna considera o desparecimento do papel explicativo dado à evolução tecnológica e econômica. Esta é a recente crítica de Alain Touraine. Esse desaparecimento talvez tenha dado unicidade à diversidade dos elementos e conflitos (econômicos, internacionais, de gênero) que antes mais se compunham para permitir a visibilidade social, como [um] produto de uma junção de valores. Touraine dirá que não há o desaparecimento, apenas a elevação do nível das relações entre os referidos fatores, mas talvez sua voz, aqui, não seja majoritária. Teóricos da pós-modernidade como Lyotard, Connor, Habermas, Denning e outros parecem mostrar mais uma sedutora disjunção dos elementos do que uma reorganização com elevação de nível como quer Touraine. Entretanto, a genialidade deste sociólogo em sua análise permite questionamentos interessantíssimos.

A laceração ou clivagem de uma unicidade que mantinha organizada a sociedade versus uma reorganização fatorial, de qualquer forma, dá um tônus de imensa dificuldade para o observador. Quando a globalização enfraquece modelos estatais organizatórios e interventivos – regulatórios mesmo - de uma sociedade classicamente juntiva, há a plausibilidade de que a perda de força própria da junção faça nascer outra força, qual seja, uma típica do movimento unicista não juntivo, mas unicista fatorial, isolado, em estanqueidade, cada fator uma força isolada. Esta nova força fatorial isolada teria a atração social de entrar em choque com outras forças fatoriais também isoladas, dando, exatamente este entrechoque, a visibilidade pós-moderna.

No outro lado, a perda de força unicista obrigaria ao rearranjo social, funcionalmente sobrevivencial, pois que a sociedade não perece, no máximo se ajeita. Neste “modelo” teórico, a sociedade é perene. No outro, como afirma peremptoriamente Touraine, se torna inútil e mesmo prejudicial. Mas se se imprestabilizar a sociedade estar-se-ia aceitando subsociedades estanques dentro de um mesmo mapa social que seria, metaforicamente, um grande navio a deriva, considerando-se ainda que cada subsistema teria vontade própria em termos de direção. Com o fortalecimento dos subsistemas internos em direções opostas o navio não conseguiria se movimentar num único vetor e seu casco romperia. Essa talvez a crise anunciada, a dilaceração do sistema maior, ou uma metadilaceração.

A seu favor, Touraine afirma que em nenhum país as instituições pararam de funcionar, mas talvez isso seja pouco para se solapar a leitura da sociedade perdida no sentido de experimentar, por vezes distintas, subsistemas que promovam valores díspares e até antagônicos. A intercessão entre a visão sociológica “pura” e um manejo filosófico problematizante dessa leitura talvez pudessem representar um passo a mais, mesmo sabendo que o “pensar” sociológico já é um produto filosófico. Touraine propõe um “avanço” na leitura dos originariamente responsáveis pela crise econômica, os economistas, “com” uma interseção sociológica, mas como que cooptado pela sedução sociológica acaba sendo modesto na problematização “filosófica” da construção social. Quando diz que não se vive uma sociedade inteiramente líquida, como quer Bauman, talvez não esteja manuseando a irresponsabilidade para-anárquica do questionamento filosófico em totalitarizar a esgarçadura das forças unicistas, numa visão como as autorizadas pelas sociedades urbanoides.

A imagem estética e até fotográfica panfletária, mas aí exemplar, é a da modelo não só desejosamente feia e esdrúxula da famosa marca de bolsas Victor Hugo. Há ali a busca de uma linguagem da mulher que regrida no degrau último da evolução, o homo, e se assemelhe ao primata pré-homo, porém necessariamente louro – isso não se abre mão, mas jamais com cabelo liso, o contraponto desequilibrador (pós-moderno?), numa mistura calculadíssima de vários duais como gêneros e raças; cores e biótipos; padrões sociais e consumo; humano e inumano, todos provocativos e adrede não consertados, não retocados pelo fácil Photoshop. Quer-se a aporia da macaca loura de bolsa, mas nunca qualquer bolsa, a supergrifada. A palavra aí a sintetizar é apenas uma: confusão. A confusão gerará “aderência” para efeito de consumo numa sociedade que pelo mero medo de se ver ausencializada, capitula, compra.

Por outro lado, o publicitário não é um filósofo, ele não teoriza essa intencionalidade, mas a “sente” e sua arte começa justamente aí, no transformar o sentir inconceitual em visibilidade invencível para o consumidor intelectivamente primário, um que é jogado no navio de um subsistema para outro sem que ele próprio pratique opções conscientes. Este consumidor, no caso efetivamente a mulher, ou como ensina Touraine “mulheres dominam o consumo no sentido mais profundo do termo, quase se confundindo com a criação” busca no que se embrenhar, nem pelo conceito nem pelo sentir, mas por um anseio de visibilidade pessoal na mistura dos subsistemas que só permitem a visão de um caos pasteurizado e inidentificado: os subsistema há e, em que pesem serem teorizáveis, veem-se ocultos de uma permeação concretista para o consumidor.

Disjunção sistêmica organizada em que cada subsistema venha a criar um todo autônomo ou elevação de nível com uma também elevação de nível entrópico que possa explicar o todo num mesmo casco de navio? Talvez a negativa de um sistema maior seja mais aflitivo para o teórico, ou mais desesperador e escatológico, permitindo a visão de um pós-nada.

Por outro lado, a visão da inutilidade da sociedade, como sugere Touraine seja por demais teórica, mas tão dilaceradora que beire à escatologia antropofágica. Não se trata de medo, o estudioso não tem tempo para assombrações e capetinhas, mas se trata de se conseguir dar vida essa escatologia, ou pelo menos entendê-la. O Frankenstein da não sociedade nos daria a negação do homo sócio em seu viés antropológico mais natural. Nalgumas vezes já parecemos ver a patologia da não sociedade em locais bastante doentes nalguns guetos da modernosa São Paulo, com espancamentos de grupos e modismos rácicos e étnicos, nem socialmente involutivos nem evolutivos, pior, laterais, coexistentes, e até não recriminados por alguma parcela da sociedade tácita. Mas subsistemas persecutórios ortodoxos, ainda que visivelmente corrompidos e estragados, como Judiciários e Ministérios Públicos e mesmo o Estado como um todo, ainda dão uma visão ao menos teórica (esperançosa?) de uma contenção social. Inferiorizar isso para nulificar a sociedade é a metateoria no social, e aí parece que seria a pré-caverna, que não se conhece, ou a pós-sociedade que, todavia, também não se conhece. Jean Menezes de Aguiar


PS. O uso da macaca no texto é puramente bioantropológico e paradigmatizano na fêmea Pan troglodytes.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Dar presente ou pedir presente?



Há quem goste de dar presentes e há quem goste que lhe peçam para dar presente, e até dá com satisfação. São personalidades diferentes. Quem gosta de dar, gosta de causar surpresa e ver a cara de quem está recebendo. Quem gosta que lhe peçam, se sente importantizado de alguma forma, querido, e sai correndo para comprar o presente, às vezes cheio de alegria no coração. Pode-se “escolher” uma das duas personalidades. Claro que só se pede o presente para quem tem liberdade, por exemplo, uma relação de pai e filho. Quando o pai é assim, o filho em geral pode até não saber que poderia pedir um presente “caro”, porque o pai tenderia a dar, mesmo se esforçando para a tarefa. Antes que se preconceitue a função ou ideia do presente caro, o caro sempre será relativo e dentro da relatividade ele pode ser aceitável ou absurdo. Mas o pai que gosta que lhe peçam o presente e o filho lhe pede mesmo, parece haver uma simbiose interessante, uma combinação de amor no sentido de o pai atender a um desejo específico do filho. Por outro lado, há a pessoa que dá espontaneamente o presente, esta se delicia com a expressão de surpresa de quem recebeu. É eticamente recomendável que se faça sempre uma festa – verdadeira, que fique bem claro – quando se recebe um presente, não pelo que ele é em si, mas pelo carinho de quem deu. Isso pode ser algo material ou imaterial, como uma flor que é dada a uma mulher amada apenas pela imaginação. A flor pode não existir, o ato da compra também não, e nem a entrega física, mas se ela souber que alguém lhe deu uma flor pela imaginação poderá se sentir totalmente presenteada. Esta imaginação se chama carinho. Às vezes se chama amor. Jean Menezes de Aguiar.

Natal, fim de festa

Por que o fim-de-festa-Natal pensamos tanto, nos cobramos tanto? Se devemos mudar, se fizemos correto ou não. Por que somos tão exigentes conosco, cruéis mesmo. Isso não quer dizer radicalismos e mudanças de 180 graus, passar a ser devassos e imorais, lenientes e sujos, meio que a la Borges. Há dois vetores aí: a inteligência e o coração. Devemos ouvir a ambos. A inteligência nos dá voos maravilhosos, nos ensina a decidir menos erradamente ou nos faz maravilhar com o novo livro de Alain Touraine. Mas o voo do coração é o que mais nos completa e mima, é o que nos acaricia pelo olhar da delicadeza do amor, um que mostra a essência da vida. O certo é que podemos ouvir o coração e a inteligência ao mesmo tempo, sem qualquer entrechoque. Jean Menezes de Aguiar.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O que é importante para você?





Nesta época de Natal o que é realmente importante para você? Ter um carro novo ou livrar-se de um problema? Passar uma noite com uma paniquete, ou se apaixonar por uma mulher que talvez nem fosse a mulher ideal, por qualquer razão, mas que, esta sim, lhe descompassa o coração? Conseguir fechar o ano com o saldo positivo na empresa ou saber que contribuiu efetivamente para a educação não mentirosa e ética do filho? Ganhar um presente caro do namorado ou ser reconhecida por pessoas quaisquer como um sujeito de valor?

Inúmeras indagações, propositadamente desconexas, podem ser parelhadas, exatamente para se perceber o confronto possível de valores e o desconforto que elas causam. Mas uma das coisas mais importantes será a densidade com que se encaram os questionamentos. Há questionamentos que tenderão para uma visão soft. Há outros que buscarão comprometimentos e aprofundamentos do agente.

Numa época de Natal veem, às vezes, questionamentos mais pesados, ligados a carências plurais de parcelas socialmente menos favorecidas, mas isso não deve se dar apenas no Natal. Uma das causas desse hibridismo social é a falta de amor. A impressão é que o amor parou de ser manejado. Pessoas “reclamam” quando começam a manejar o amor. Roland Barthes já disse que nessa época atual, sexo virou sinal de saúde e amor virou sinal de problema. Não pode ser assim. Esse “sexo saúde” não pode interessar à felicidade, à densidade de uma vida querida, amiga e suave. Nada contra o sexo, mas o amor jamais pode ser destronado.

Quando se antagoniza o filho à conta bancária da empresa, está em pauta o absurdo. Mas o absurdo parece que passou a fazer parte da vida de muita gente. O que é importante para você. Essa pergunta pode ser “percebida” de várias formas. Sempre as formas autocruéis e não perdoativas de si próprio fazem se descer ao fundo do poço, mas parece que somente essa forma verdadeira de questionamento contribui para um crescimento verdadeiro.

Quem não souber o que é importante para si, mas não souber mesmo, honestamente, terá chegado a um lugar seguro, o lugar da dúvida, que é muito melhor do que o lugar do caminho errado. No caso da dúvida, é parar de caminhar, encostar numa árvore e observar o tempo passar. Se não tiver uma árvore, serve um barranco. Mas o parar é fundamental. Só depois os passos virão mais certeiros, mais corretos e mais seguros. E aí, talvez se poderá responder o que é o mais importante para você. Jean Menezes de Aguiar.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Fundamentalismo religioso e burrice.

claudiafanaiadorst.blogspot.com


[1.Este texto não trata de Deus, Buda, Jesus, Alá, Maomé etc. 2.Não trata de religiões, mas do radicalismo humano. 3. Sabe-se que o termo "burrice" assusta os assustáveis.]


Qualquer um que seja o que quiser, por credo pessoal: flamenguista, evangélico, judeu, macumbeiro, católico, budista, islamista, ateu, espírita etc. Há espaço para todo mundo e o mundo "deveria" ser assim. A arrogância começa quando um desses qualquer aí "quer impor" sua crença como a única, a válida, a melhor, a verdadeira. E a burrice tem início quando um também qualquer aí "acredita" que a sua crença é a única no sentido de resolver toda a vida, como se qualquer conhecimento, por mais sólido que fosse, se colidisse com o a sua “prática” religiosa, tivesse que ser automaticamente aniquilado. Essa manifestação do radicalismo  humano é formidavelmente imbecil.

É comum se ligar fundamentalismo a questões islâmicas e outras que sejam “estranhas” para os ocidentais, como se somente aqueles povos pudessem ser radicais. O engano é óbvio. Qualquer radical religioso será, estruturalmente, um fundamentalista, quando não será um fundamentalista étnico – usará apenas o nome da religião para exercer sua discriminação canalha, seu preconceito imundo e exclusivista pró “seus” –.

O fundamentalista antepõe sua crença, numa leitura burramente literal, ou ideologicamente destorcida, de textos sagrados como o Rigveda (hinduísmo, há 3500 anos), Dhammapada, Corão, Bíblia, Torá etc., a questões objetivas, racionais, lógicas, científicas e, em última análise, inteligentes e fáceis de serem compreendidas.

Percebe-se que o fundamentalista exibe um amontoado de travas mentais. Elas bloqueiam o raciocínio lógico, racional ou instruído. Essas travas são todas dogmáticas, ligadas a mitos e explicações que requerem uma “aderência” cega a um saber “revelado”. O fundamentalista e somente ele (jamais a ciência) trabalha com “verdade absoluta”. Sua forma de acreditar é fechada, ranzinza e inalterável, perceptivelmente teimosa, a partir do momento que não há uma explicação menos que irracional para ela.

Por outro lado, pode-se dizer que há algum “racionalismo” no fundamentalista, e isso não chega a ser um paradoxo. Só que um racionalismo ligado à fé, à crença, ao seu estado mental de acreditar em histórias que lhes foram contadas por alguém ou algum texto que ele “confia” e passou a “acreditar”. O fundamentalismo “confia” que aquilo seja “assim”. A desconfiança saudável do homem de ciência (totalmente diferente do cético ou do ateu, repitam-se mil vezes), ou a desconfiança do “homem comum” que meramente desconfia de o que lhe soa estranho ou burro, são manejos que o fundamentalista não opera, quando estiver em pauta sua crença. Por mais sintomática que fosse a desconfiança.

Seu preconceito impede qualquer tipo de desconfiança, por mais saudável e lógica que seja, quando o assunto for a sua crença. Quase que ele teme a desconfiança, como se sua própria inteligência reagisse e ele fosse forçado a aceitar a validade da desconfiança e sua conclusão. Aí, certamente uma desconfiança lúcida e equilibrada, razoável e simples, desmontaria seu credo cego. Observe-se: trata-se aqui do fundamentalista, e a diferença entre ele e o portador de fé será feita.

O manejo de uma lógica formal ou o raciocínio objetivo de questionamento saudável são fatores postos de lado na atividade da crença fundamentalista. O problema é que o fundamentalista “quer” crer. Ele se sente bem crendo (e isso é importante), ainda que sem qualquer testagem ou verificação objetiva ou racional de sua crença. O problema do fundamentalista aparece quando ele resolve querer convencer aos outros em geral de que sua crença contém “racionalidade” ou “lógica.”

Entretanto, para o fundamentalista, essa forma radical de crença é “racional”, como “para ele” também é "lógica". É fácil para ele desenvolver modelos mentais que “garantam” a tal “racionalidade” à sua crença. Pode ser um único milagre, ou o que ele tenha "entendido" disso, ou uma "coincidência" que ele queira ver como milagre, ainda que o conceito de milagre ou coincidência possa jamais ser investigado a fundo ou, de novo, investigado racionalmente.

Enquanto mecanismo antropológico o milagre e o mito são, efetivamente, dados compreensíveis e aceitos, fazendo parte de todas as culturas do mundo. Não há uma única cultura sem a ideia do mito; a antropologia mostra isso tranquilamente. A diferença é o “uso” do mito que para o fundamentalista é agravado, beira a patologia social, é profundo e ostentado (midiático).

É possível se tentar uma diferença entre a fé, que seria algo positivo (repita-se mil vezes), e fundamentalismo, que é algo radical e negativo. Por outro lado, todo fundamentalista nega sua condição de fundamentalista, "jurará" que não é. Dirá, correndo, que tem “apenas” fé e que aparece de sua personalidade é um mero exercício da sua fé. Mas os traços do "exibicionismo" e beligerância dessa fé, contra os outros, dará o contorno preciso do fundamentalismo. Assim ter-se-ia:


        FÉ  (boa)                                                      FUNDAMENTALISMO (ruim)
Introspectiva                                                      exibicionista
Um tesouro pessoal                                           uma forma panfletária de se mostrar
Uma reflexão sadia                                            uma ostentação espumosa
Crença num Deus qualquer seu                          a arrogância do Deus “correto”
Aceita outras explicações                       antepõe seu Deus “correto” até à ciência
Estado de paz                                                   estado de constante enfrentamento
Transmitida naturalmente ao filho                       imposto ao filho como obrigação
Não exclusivista                                    radicalmente comprometido com seus termos
Não proíbe coisas lógicas                                tolhe burramente prazeres e hábitos
Não inventa razões para proibições           explica burramente suas proibições
Aceita integrações                                            é preconceituoso a outros saberes
Inteligente                                                        essencialmente tacanho
Aberto                                                            essencialmente hermético
Serena                                                            agressivo
Social                                                             de clã
Compreensiva com outras crenças                   condenatório de outras crenças
Convivente                                                      excludente
Pessoal                                             nitidamente comercial, às vezes empresarial
Não é forma de vida                                        gera luxuosa vida para muitos
                        

O fundamentalista “procurará” minuciosamente erros na classificação acima para anulá-la ou para tentar se encaixar apenas como portador de fé, nunca como um fundamentalista. Outra coisa é que dois ou três encaixes de sua personalidade na coluna da fé, não seriam o suficiente para quebrar sua classificação como fundamentalista. Aqui, por fim, afirma-se que você deve conhecer um fundamentalista no seu círculo social, o que para efeito de um povo sadio, em termos de um país democrático que não "agravaria" a questão religiosa separatista, é assustador.


Pausa para o ataque ao racionalismo, à razão e à objetividade

Está-se ciente, aqui, que todo o discurso que usa conceitos ou modelos como “objetividade”, “razão”, “razoabilidade”, “lógica” e “ciência” pode [e deve] ser “relativizado”. Ainda que fundamentalistas não questionem o seu próprio “conhecimento”, a ciência tem enorme prazer com esta tarefa catártica e auto-hemorrágica. Aqui, por todos, utiliza-se um dos expoentes máximos da relativização de todos esses conceitos, tido mesmo como anárquico, Paul Feyerabend (A ciência em uma sociedade livre), que discute ciência, mito, bruxaria, fé, considerando tudo como “tradições”.

Essa observação é importante para se ir rapidamente ao extremo do contrário do “racionalismo”, no sentido de que fundamentalistas não digam que “a coisa não é bem assim”. Não é mesmo. Há inúmeras exceções ao racionalismo, mas a crença impensada não é uma delas; o impensado é um naco palpável de imbecilidade. Ligar o fundamentalismo religioso ou seu primo discriminador, o fundamentalismo étnico apenas travestido de religioso, à inteligência, será tarefa impossível. Todo fundamentalismo é, antropologicamente, burro. Parece não haver dúvida quanto a isso, enquanto cerceador de hábitos, costumes, culturas, modos, vestimentas, comidas e prazeres que são próprios da vida humana.

Numa sociedade ocidental e invencivelmente consumista, por exemplo, privar a belíssima, inocente e encantadora tradição do Papai Noel à criança por um fundamentalismo religioso adquirido na vida adulta (ou mesmo não) é, antes de qualquer idiotice, um egoísmo baixo. Quem já passeou pelos grandes shoppings e viu decorações natalinas gigantescas, pôde observar as expressões de encanto, sonho e felicidade nos rostos das crianças inocentes e maravilhadas. Novamente, privar o sonho infantil, onde toda a cultura da sociedade é assim, é um espancamento psicossocial diário na criança, enquanto perdura a alegria da época natalina.

Guerras religiosas foram gestadas no fundamentalismo. Diversos fundamentalistas já conseguiram cadeiras na política – observe: “como” religiosos!, ostentando uma tal “bancada religiosa” - . Mas para quê? O que justifica o atraso demente de uma bancada política religiosa se a modernidade dos Estados – todos – menos o atrasado e preconceituoso Israel, é laica? A beleza do convívio entre as pessoas está, exatamente no não fundamentalismo religioso que exclui o vizinho, o parente, e torna o amigo sincero um ex-amigo, ou até, pela via do preconceito, um inimigo.

Talvez não exista isso de que época de Natal seja época de “reflexão”. Pouca gente anda “refletindo” atualmente. Esse clichê da reflexão talvez tenha se autossaturado. Ou talvez não. Por outro lado, fundamentalistas desafiam até equações aritméticas, físicas e lógicas. Nada lhes move, lhes altera, 2+2 “pode” ser 4, mas pode ser 87 pela “visão” fundamentalista. E eles ainda olham para os outros com “pena”, com superioridade.

“Um argumento não é uma confissão, é um instrumento destinado a fazer o oponente mudar de ideia”, Paul Feyerabend. Aqui não há confissão, nem instrumento, nem oponente nem vontade de mudar ninguém de ideia. O imbecil tem tártaros mentais, não evolui, não se maravilha com o conhecimento científico, filosófico, antropológico, nem com a música de amor ou a poesia. O fundamentalista manda queimar a arte. Só a crença vendida por um espertalhão empresarial ou um ditador político facínora lhe convence. 

Aqui se tenta analisar o fundamentalismo religioso à luz da burrice. Aí parece não haver dúvida que as coisas se encaixam. Mas até o “diagnóstico” de imbecil gera um sorriso nos lábios do fundamentalista; ele dá de ombros, sabe-se que dá. E até isso ele pode ser numa sociedade livre – fundamentalista religioso –, se se sentir bem. E que seja. Qualquer um medianamente inteligente e articulado se preocuparia em ser diplomado de imbecil, mas a lavagem cerebral ou quase-lobotomia do fundamentalista o protege. Que bom que ele não se “sinta” um imbecil. Em tempo, Papai Noel é filho de Deus. O laboratório Fleury confirmou esta semana num exame de DNA. Jean Menezes de Aguiar.

Livros interessantes - Isaac Asimov, Antologia; Carls Sagan, O mundo assombrado pelos demônios.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Natal de 2011


[Matéria já na Redação do Jornal O DIA SP]

                Uma das ideias recorrentes em época de Natal é um balanço de o que houve no ano. Isso envolve muitos acontecimentos. A riqueza de um ano inteiro para cada um é quase que infinita, se ao ano forem dadas as leituras e desdobramentos de tudo que aconteceu para cada um.

                A internet merece muitos agradecimentos por parte desta sociedade ingrata e que não cultua a gentileza. Com a internet muitas relações em redes sociais são feitas, e reduzidas as carências. Grande parte de toda essa carência é não se trabalhar com uma gentileza verdadeira, viva e comissiva. Aí, neste conceito, entram os agradecimentos fortes e compenetrados, olho no olho. Entram também as homenagens e reconhecimentos desprendidos, emocionais e sensíveis. Mas também entram o dar a certeza ao outro de que jamais será feita uma interpretação traiçoeira, preconceituosa, discriminatória e ligada à fofoca maldosa.

Essa gentileza carinhosa, que não se confunde em nada com futilidade é uma grande geradora de gentileza no caminho inverso, ou seja, na própria direção de cada um. Assim já ensinava o Profeta Gentileza, famoso nas ruas do Rio de Janeiro por seu slogan: gentileza gera gentileza.

Os níveis de desigualdade social no Brasil foram reduzidos, ninguém discute. Tecnocratas implicantes e cartesianos continuam bobos reclamando de filigranas econômicas, mas o que se vê é o povo humilde comendo melhor e podendo comprar suas bugigangas. Isso é um grande ganho para todos. Dilma não derrapou para a corrupção, não confirmou as leituras dos pessimistas e tem se comportado regularmente.

A impressão é que o Brasil não é mais o país do futuro, já está fazendo acontecer em muitos setores no presente. Entretanto, alguns déficits sociais estranhos ainda incomodam. Um consumismo exagerado da classe média – nem o ter, mas a vontade de ter – passou a gerar um egoísmo  antropofágico. Uma crise ética grave em que o valor máximo passa a ser “primeiro eu”, gerando milhares de acidentes no trânsito e dificuldade nas famílias e amizades. Mentiras na educação infantil que resolveu não mais educar, mas apenas “brincar de educar”, comprometem gerações futuras.

Alguns setores descobriram descerimoniosamente o lucro. A educação “superior” e o serviço público que deveriam ser guiados por éticas fortes, desandaram. O chamado “mundo corporativo” se tornou hábil em iludir por meio da publicidade.

                A corrupção se popularizou no mundo oficial das “autoridades”, conceito que perde legitimidade a cada dia. Há o que comemorar e há com o que se preocupar. Essa síntese simplista jamais deixará de ser correta, os polos sempre existirão. Apenas o “estilo” do analista, mais crédulo ou mais crítico dará o tom de seu caminho teórico.

                Como o brasileiro já se acostumou, há décadas, a assistir desmandos e mentiras por parte do Estado, o que há de novo, que são as conquistas, merece ser efetivamente comemorado. Assim, há o que se festejar, apensar das dezenas de ministros demitidos nos próximos anos, a se manter o ritmo correto. Mas a mesa de Natal das famílias brasileiras deverão estar melhor. Isso é muito positivo.

                Outra coisa importante e positiva em todo esse contexto é que a sociedade está a cada década mais “acordada” e mais atenta. 2011 ficou marcado ‘nas ruas’ pelas passeatas e movimentos brasileiros de protesto, um belo traço social que sempre foi mais forte no primeiro mundo.  O sentimento de orgulho que finalmente o brasileiro veio a conhecer em relação ao país apareceu e começa a dar frutos.

                Talvez uma coisa esteja em baixa nessa sociedade: o amor. O amor com sua singeleza, complexidade, amizade, carinho, romantismo está fora de moda. Uma sociedade que se arroga ao direito de menosprezar o amor não é nada confiável. Aí, as diferenças entre o urbano e sua degeneração, o urbanoide, e o rural com sua degeneração o sertanejoide parecem ser bem nítidas.

                A falta de amor entre amigos, companheiros de trabalho e mesmo entre amantes está crônica. Tudo isso considerado, só me resta pessoalmente, como faço nos últimos 7 anos aqui no Jornal em todo Natal, desejar saúde e sucesso para todos, indistintamente. A título de exemplo, nomino alguns.

                A lista de 2011: ABNT, FGV, SBPC & Cecore-OAB-SP; Abet; Alice, Marcia & Persio Arida; Alinne, antropóloga; Alessandro Cristo; Ana Amélia Silva; CB -Alexandre Jacob, Dri Rocha, Claudia, Dantas, Glória, Barbara e Débora, Josi, Ludgero, Herbert, Roni - Ronitcha, Renata, Côgo, Eduardo, Ricardo, Rodrigo & Luciano;  Claudia Almada Macedo; Claudio, Lucas, Marcelo & Lígia;  Cris Pisa; Érica & Mônica Arakaki; Daniel & Edson Castelan; Daniela Aniceto; Diana Nacur; David, Helena, Paulo, Dione & Jandira; Dudu, Romero, Leo, Roda, Victor, Rosely, Rodrigo, Ronaldo & Lagares; Eliete Ceron; Elza, Frances, Darcy, Enio & Sônia do 600;  Eugenio, Celeste & Claudia (meus); Fernando Mussel, Mundial & Luizeto; Henrique Higido & Saulo Souza; Hélio Bicudo; Jorge, James, Míria, Claudio, Carlos, Lílian & Ana; Jarbas, Rafael, Pedro & Pedro Paulo Bramont; Jassa, Ivanaldo, Paulinha & Nina; John Neschling; Lyse; Mônica; Márlia; Roberto & Renata; Maria Antonieta & Rita; Mônica japa; Nasruas, Carla &, Nany; Natacha, Nátalie, Luciano & Jéssica; Ni, Ne, Ma, Flo, San & MaFe; O DIA SP & Karen Rodrigues; Othon guitarra, Fernando baixo, Claiton piano, Claudia violoncelo, Jane Baeta voz, Cauby, Eliana Pittman, Marcio Lelis voz, Monika Mendonça, Toninho guitarra; Fred baixo & Ronaldo Wilcox percussão; Paulo, Luciana, Cristiane & Waine; Rafael Gomes; Advogados, Jornalistas, Músicos, Professores da FGV e da Castelo Branco; Roberta (minha), Celia, Laerte, João, Fabiana, Leopoldo, Serra da Mesa & Araguaia; Luiz Nazareth; Rita & João; Sergio Manoel; Sheila & Michelle Jonssen; Tania, Ricardo & Otto; Valdecir, Ricardo Bins, Murilo, Rafael, Risoleta, Patrícia, Lylian, Alaciones, Beto & David,  1ª Turma de Direito da Castelo Branco; Vera Schneider;  VicGeoBar & Leo; Turma do Orkut & Facebook. Feliz Natal e Próspero Ano Novo.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A cidadania on line e o ‘como’ se relaciona do Facebox

[Facebox. Sociologia da exibição. Marketing conjunto. Exibicionismo e cidadania on line.]

A internet criou a cidadania on line, totalmente igualitária e aberta. Para ela não há menoridade ou maioridade, todos podem tudo, desde ver cenas em close de felação e cunilíngua explícitas, receitas para montagem de bombas até cenas de mutilação humana em detalhes. Mas ser e ter a possibilidade de ver não basta. A sociedade precisa se relacionar e o mais importante, mostrar aos outros como se relaciona, o que gosta, o que não gosta, do que ri, seus preconceitos e taras disfarçados, suas tentações e azarações e demonstrar sua sabedoria, sapiência, titulação e muito, muito marketing pessoal, ou o que cada um entende disso.

Uma das formas de maior aceitação no meio social do Facebox ocorre com o agente mostrando “como” se dá com os seus relacionados. O que está em pauta não é, efetivamente a quantidade ou qualidade do amigo, mas como é a relação em si, íntima, descolada, o tônus discursal bilateralizado, se engraçado, sério, piádico, autoritário, “em foras”, amoroso a sério, amoroso pseudo brincalhão, futilizado etc. Essa é uma explicação interessante do mural do Facebox em que brincadeiras e conversas de 2 pessoas não ficam mais entre elas, “precisam” desesperadamente ser publicizadas para uma comunidade de amigos, meros conhecidos ou para o mundo todo em geral mesmo, sem pudor. Ainda se escolhe o universo ao qual se quer desprivatizar a conversa ou a relação. É tudo democrático; ou exibitório o mais explícito possível. As segundas intenções tornam-se a primeira, uma ligada diretação à publicização da relação.

Talvez não chegue a ser uma exceção a um princípio que poderia ser descrito como “o meu espirro é importante para o mundo, o nosso em conjunto, mais ainda”. Aqui haveria egolatria mancomunada. Mas o mostrar-se individual já está no Fb, com centenas de fotos dormindo, acordando, comendo, com os amigos. Algo me intriga: por que não urinando? A urina é poética, é relativamente limpa e tem coloração de ouro, os soldados americanos no Iraque a filtram e bebem o H2O dali. Assim, não é o egocentrimo standart ou clássico, pessoal, que está em pauta, mas a necessidade de revelar uma conversa, uma relação.

O mostrar-se individualmente já não é mais forte o suficiente para uma aquisição personalista do espaço público que passou a ser disputado on line. Até porque intelectuais estão em extinção, os que davam margem a se saber quem alguém é pelo que produz. Daí, a nova medida dessa sociedade desejosamente ignorante não é mais o que o sujeito é, mas como ele conversa. As conversas são mais concretas num mundo burro, enquanto que a intelectualidade é mais abstrata, imbecis dirão “chata”, isso palatabiliza o que se analisa – a conversa –, tornando-o fácil. Ainda, a conversa mostra ritmo, grau de amizade, respostas contestatórias, réplicas, tréplicas e quadrúplicas, como também mostra afeição, invejas, as observações “sutis” de mediocridade e toda uma tralha de modos, gestos e direções de um para o outro e do outro para um. É a pujança em conteúdo duma fila de supermercado demorada, só que on line.

Por isso, a estética física, corpórea do agente em si, ou a do texto monoautoral postos no Fb passaram a ser considerados como não suficientes para efetivar a exibição. É claro que a mulher do peitão porá o decote “displicente” beirando a auréola do mamilo para alegria nossa; a do bundão tirará foto como as “modelos” da Paybloy e como imagina-se que elas próprias devam falar: “des costas” com a cara virada; e a homarada que passa 3 horas por dia na academia, mas jura que é só alimentação, tirará fotos na praia, mesmo que num inverno glacial do Leblon; o peitoral precisa aparecer. Nada contra o esse fisicalismo corpóreo para fazer a alegria da rapaziada (meninas, evoluam, mostrem mais!). Mas o certo que “só” o físico também já não faz a roda girar.

A calibragem social.

Por isso os egocentrismos solitários cedem à descoberta da força da revelação da conversa. O Facebox não só dá vazão a essa exibição pública como suscita o saber do outro, a recepção do discurso alheio, aí o outro lado da sociologia da exposição do discurso a dois (o da recepção). Pelo discurso alheio o agente terá medida para o próprio discurso, não numa comparação, mas numa calibragem social. Não há qulquer pecado sociológico com a publicização do discurso a dois, talvez sequer haja idolatria ególatra, mas uma carência social em popularizar este discurso, como se ele fosse mais potente para a atração social compondo um grupo mais grandioso. A imanência social acaba sendo potencializada com a revelação da conversa, e não somente do discurso monoautoral; ela, a revelação, o novo tônus eficacial desta nova sociedade.

Se é carência pessoal que motiva o agente à publicização da conversa, há perdão, porque a carência pede colo e se faz de coitadinha, quando não patológica; ela torna meigo o exibicionismo, quase que self defense numa neocategorização do homem social conversal. Assim, o Facebox inaugura uma nova sociologia, a da exibição não mais do eu-em-mim, uma à qual a minha cara, corpo ou discurso monoautoral compusessem o tônus ególatra, mas uma outra que permite exibir um eu-nele-retornado. A troca das semânticas públicas, derramada em quadradinhos on line para leitura desejosamente pública e convidativa à interatividade é o novo.

A circularidade da conversa é mais socializante do que o discurso monoautoral

O agente admitirá uma menor fatia de egocentrismo unicista, já que “cederá”, por divisão, fatia dele para a composição do egocentrismo plural, dividido, ao qual ele próprio se apoiará no outro, de críticas. Dividirá também a responsabilidade e a assunção das críticas a no mínimo dois interlocutores. A cumplicidade é protetiva.  A circularidade bipolar é início se socializa e fortifica. É inaugurada aí uma nova composição social, à qual meu texto monoautoral se converte na conversa. Essa bacanal de conversa em expresso trenzinho verticalizado, um em cima do outro, é um dos sucessos energéticos do Fb. Só posso render minhas modestas homenagens a este programa que nos torna tão “famosos”, fazendo com que precisemos de óculos escuro para sair às ruas (ou para aparecer no próprio Fb), tudo para que nossos sedentos fãs não nos rasguem a roupa como astros de rock que passamos a ser quando aceitamos dividir nossos discursos invariavelmente felizes com nossos interlocutores, todos também felizes. Por isso amamos tanto o Facebox. Jean Menezes de Aguiar



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sobre o desespero e a perdição

[Desespero. Perdição. Kierkegaard. Amor.]

Há várias formas, tratadas pelos filósofos, de conceber a superioridade do homem sobre o animal. Uma muito interessante não é nem a de, propriamente, fazer máquinas, mas "aperfeiçoá-las". Recentemente (2011) a biologia marinha filmou um peixe de oceano que leva na boca uma cápsula dura do fundo do mar até um coral e a atira com força, para quebrá-la e ter acesso ao alimento que tem dentro dela. A zoologia conhece o pássaro que pega uma nós e põe na estrada para que automóveis passem por cima dela e a quebre, para que ele, finalmente, consiga pegar o alimento. Essas estruturas que não estão apenas no chimpanzé – não só ele age assim, com seus mais de 99% igual a nós humanos – existem em outros tantos animais e são simplesmente surpreendentes, e encantadoras.

A contribuição do atormentado filósofo Søren Kierkegaard, na obra O desespero humano, é a de que “o desesperar-se” é uma categoria muito acima do andar ereto e representa a grande distinção sobre os animais, algo próprio da nossa espiritualidade sublime. Chega a questionar o pensador se o desespero seria uma vantagem ou uma imperfeição. Em termos de desespero, pense-se, por exemplo, naquele do homem pela mulher amada que mora longe e custará a chegar o dia a mimá-la, em detalhes centimetrais, escolhidos literalmente a dedo e carinhos, cuidar de suas exigências, vontades e ordens, elogiar seus esmaltes desvairados e loucuras no vestir e dar-lhe asas à imaginação irresponsável e devassa. O desespero do amor, seja pela dúvida de sua existência e expectativa de que ele se resolva entre abraços e gozos; seja pela saudade do amor longínquo; seja pela perda definitiva, é dos piores que há.
  
Mas Kierkegaard diz que a “perdição” seria um degrau ainda abaixo, ou seja, pior que o desespero. Aqui se situa uma potencial gradação interessante. Num rápido confronto conceptual poder-se-ia arriscar uma comparação que seria:

DESESPERO                                                           PERDIÇÃO
Transitório                                                                  estável
Subjetivo                                                                    perceptivelmente objetiva
De experimentação sensível endógena                de mostragem percepcional exógena
Gerador de dor                                                           gerador de preocupação
Traz a inerência da cura ou saída                                 traz a inerência do fim
Graduável                                                                   cabal
Atenuável                                                                    irreversível enquanto conceito
Procedimental                                                             decisional
De difícil disfarce                                                        disfarce impossível
Doméstico                                                                  público
Autocurável                                                                falencial

Toda a filosofia da angústia e do existencialismo cru, perdoe-se o pleonasmo, é sedutora para quem trabalha com o pensamento. A busca da crueza conceptual é sempre um itinerário aproveitável para outros motes e objetos de análise, tanto enquanto procedimento metodológico, quanto paradigmas de uso e manejo de conceitos incidentes e mesmo de previsão de resultados a se alcançar.

Em termos do objeto em si, o desespero, a angústia e a perdição compõem, com outros tantos conceitos da desgraça e da dor – Kierkegaard inicia sua obra pelo conceito da doença mortal – um menu altamente sugestivo para análises potencialmente aprofundáveis, já que mexem e lidam com internalidades do próprio teórico envolvendo tanto seu emocional, no que há de mais verdadeiro, quanto a previsão que ele tem de sair do novelo teorético ao qual se mete, invariavelmente, para trabalhar com os conceitos e manejos.


Toda a rejeição da sociedade quanto a esses objetos incômodos não cessam de fazer o filósofo pesquisar, pensar e produzir, no sentido de dar continuidade infinita à sua busca por um existencialismo – o nome aí vê-se impróprio no conceito sartreano – ou busca do real a todo curso. Há toda uma visão deística em Kierkegaard que talvez se lhe retirasse alguma aproveitabilidade de uma cepa filosófica purista que se quisesse ter, contando-se com a objetividade de uma produção em-si, sem a “invocação” do mito, da fé, do divino. Por outro lado, a todo momento ele corrige o que poderia ser-lhe discutível, com a voracidade de um pensamento selvagem (Levy-Strauss) sobre o próprio filosofar e maneja a presença de Deus compositivamente no filosofar, e não com a episteme estelionatária de pregadores religiosos que se referem a Deus como o terceiro bom a querer o bem a um percentual do salário. O desespero é dos motes mais interessantes neste estudo do autor, estimulante e instigativo. Uma referência profunda sobre o espírito, que ele próprio conceitua como o eu. Jean Menezes de Aguiar