quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pela liberdade do tripé


                                 Jean Menezes de Aguiar (celular)


Artigo publicado nos Jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 6.6.13

                Há coisas que, juro por deus, parecem totalmente ilógicas. Aliás, a possibilidade de os humanos produzirem coisas ilógicas parece mesmo ser ilimitada.

                Certos lugares “deixam” você tirar fotos, à vontade. Mas não a máquina num tripé. Não estranhe, é isso mesmo que você acaba de ler. E há mais, essa não é uma invenção brasileira. Ao contrário, nós imitamos isso dos Estados Unidos. E também não só lá. Como imitar faz muito sucesso pelas terras do continente sul-americano, continuamos com esse desejo louco de ser o outro.

                A referência à proibição ao uso do tripé está na espetacular coleção de Scott Kelby, Fotografia digital na prática, vol. 1, p. 172. Em linguagem descontraída e brincalhona o autor chega quase que a zombar da proibição oferecendo uma “saída”, digamos, cartesiana ou positivista, para os que interpretam tudo ao pé da letra.

                Lê-se no livro: “O truque do monopé. Atualmente, vários locais fechados simplesmente não permitem armar um tripé (por exemplo, tente armar um tripé em algum lugar como a Grand Central Station. Você pode contar os segundos antes da chegada dos seguranças). Mas, eis a parte esquisita: embora muitos lugares imponham uma política estrita em relação a tripés, tais locais não têm uma diretiva para monopés (versão de tripé de uma única perna, muito utilizado na fotografia esportiva com lentes de longo alcance. Embora não sejam tão estáveis quanto um bom tripé, os monopés são bem mais estáveis do que segurar a câmera com  a mão). Então, o truque é este: se reclamarem do uso de um monopé, você sempre poderá dizer: ‘veja, isso não é um tripé’. Esse tipo de comentário costuma acalmar os seguranças... Meu palpite é que ninguém o incomodará.” (p. 172).

                Parece surreal, mas é assim. A coisa é globalizada. A explicação? É que com tripé a fotografia “pode” ser para uso profissional, leia-se comercial. E aí, ou querem um jabá, uma beirada no lucro, dinheiro para autorizarem, chamado pomposamente de participação nos direitos comerciais e/ou autorais, ou apenas são autoritários e querem exercer o gozo e a delícia do poder.

                Imaginando-se um local privado, particular, o proprietário pode querer inventar regras para exposição e captação de imagens. Mas a coisa ficará crítica quando se pensa em um local público, com natureza jurídica de “res publica”, ou seja coisa do povo, daí a palavra república (em latim “re, res, rei, rem”, prefixos que querem dizer “coisa”).

                Ou seja, fotografar pode, com a máquina na mão ou, imagine-se, com um monopé. A implicância é com o tripé. Autores como Kelby, citado, têm outra explicação ainda. Dizem que a diferença entre um fotógrafo amador e um profissional é o uso do tripé. Em muitos casos sim, por exemplo, para fotos de paisagens e estúdio. Mas o fotojornalismo e a fotografia de esportes, por exemplo, o máximo que se pensa, em muitos casos, é um monopé.

                Nos esportes, por exemplo, uma quadra de basquete ou de volei, o tripé próximo ao jogo poderia ser uma fonte de acidentes com atletas. Este tipo de explicação é lógica e razoável. Mas o “ciúme” com a imagem “com tripé”, até porque sem tripé todo mundo capta nos celulares e maquininhas, parece mesmo bem esquisito. Isso quando não chega ao arbítrio, à ilegalidade.

                Durmam com este barulho. O ex-prefeito de São Paulo, por ocasião da Virada Cultural, tentou proibir o uso de tripé ... nas ruas. Deve ter achado que o solo urbano lhe pertencia. Uma tal “secretaria municipal de segurança urbana” (eles adoram inventar instâncias oficiais) em  concerto com a subsecretaria da Sé baixou alguma coisa – portaria, parecer, imposição, ordem, sabe-se lá o quê, “regulando” o uso do tripé em “solo público” paulista. Tomou uma saraivada de desaforos e ridicularizações nas redes sociais e de pressinha voltou atrás. Mas espera: não é Virada Cultural? Qual o problema de as imagens serem captadas? Ou será que é porque a segurança do povo é sabidamente falha e os esfaqueamentos, roubos e assassinatos seriam registrados? Pois é.

                Toda ditadura, na história, implicou com a imprensa livre e as diversas formas de captação de imagem, som e registros em geral. Mas arte e cultura é uma exorbitância.

                Embarcando outro dia no aeroporto de Confins, Belo Horizonte, com um casal de professores da FGV, a sirene do raio xis apitou para o amigo que certamente possuía moedas no bolso. Almir, um grande gozador e chefe aposentado da Secretaria da Receita Federal sorriu e levou a coisa na brincadeira. Voltou várias vezes, mas o apito do raio xis não parava. Daí, prontamente saquei a máquina para fotografá-lo, quando ele iniciava o procedimento de quase ficar nu: tirar cinto e suspensório. Fui advertido energicamente pela moça da Infraero. Eu estava cometendo um ilícito. Fotos eram proibidas. Mas por que?  Resposta sentencial: “norma da Infraero”. (Infraero tem norma?)

                Proibir. Proibir é uma sanha onírica que assola chefes, diretores, superintendentes, “autoridades” e adoradores de “autoridades”. Proibir é orgásmico. Não tente usar a razão contra a proibição. Perderá. É óbvio que eu “questionei” o porquê da proibição. A “moça” disse que se eu insistisse ela chamaria o “supervisor”. Eu queria que ela chamasse a polícia federal, mundial ou interplanetária. Veio somente o supervisor. Ele não era autoritário, era triste. Talvez percebesse o patético que era a ordem. Ou pior, a “crença” da moça na ordem. Mas não podemos pedir que ela “questione” a ordem. Isso é coisa de subversivos e marginais. Neste mundo corporativo sem Nietzsche, coisa de terroristas.

                Criou-se o imbróglio fotográfico. Eu queria o Almir pelado. Bem, fotograficamente apenas. Não consegui porque “liberaram” o professor com a deliciosa confusão. Nessa escala, se eu armasse um tripé seria algemado pelo delegado da Infraero. Ou o equivalente em ordenações e controles.

                Mas qual é a natureza jurídica da Infraero? Ah, deixemos essa chatice para lá. Saúde e paz para a moça que “crê” na ordem.

Em tempo, em outra viajem armei um tripé numa área totalmente vazia e quase esquecida do aeroporto de Congonhas para fotografar pousos e aterrisagens. Veio um funcionário da Infraerro, ops, Infraero, e com toda gentileza me advertiu que sem tripé pode. Mas com tripé não pode.  Sabe o que mais, deve haver algo de sexual ou fálico com a implicância do tripé. Só pode ser. Jean Menezes de Aguiar.