Livro, concentração, tempo e estudo. É simples assim.
Artigo publicado no Jornal O DIA SP de 17.5.2012
Mais uma vez o Senado Federal, a instituição à qual o professor emérito da USP Dalmo de Abreu Dallari ensina que precisa ser extinta, faz bobagem. Vira piada nos meios jurídicos, com a ciumenta e autoritária proibição de permitir que a defesa de Carlinhos Cachoeira tenha acesso às investigações da CPI. O Senado não aprende.
Por diversas vezes as CPIs já implicaram com advogados e depoentes. Houve o famoso caso do economista Chico Lopes, ex-presidente do Banco Central que foi preso “em flagrante” pelos estapafúrdios crimes de desobediência e desacato. Apoiado em um voto do Supremo e orientado por seus advogados a não depor, direito de qualquer um, gerou descontrole em senadores que ali se acham delegados de polícia. O médico ACM, que não deveria entender bulhufas de direito, explodiu, dando socos na mesa: “Prendam esses moleques, algemem esses cachorros”. Beira à dramaturgia. Tudo foi desfeito 2 horas depois com um Habeas Corpus do STF que já estava pronto para ser usado pela defesa. Quanto despreparo.
A falta de conhecimento jurídico aliada ao destempero emocional dos políticos sempre gerou pitis, empurrões e troca-troca de palavras feinhas. Depois, para desespero dessas CPIs-vaidade, o Supremo recoloca as coisas no lugar certo, da lei, da Constituição. Esta semana mais um frisson processual: proibiram a defesa de Cachoeira de ver as investigações, o inquérito. Resultado: o ministro Celso de Mello teve que adiar o depoimento de Carlinhos. Consequência: a imprensa agradeceu, muito bem obrigada, com lucrativas manchetes.
Muita gente continua a ter dificuldades em cumprir a lei e a Constituição. O espírito autoritário não cessou para muitos. A Carta da República, no art. 133 reproduz o Estatuto da OAB no art. 2º: “O advogado é indispensável à administração da justiça.” Isso explica uma séria de interpretações lógicas e derivadas que se faz em relação à defesa, exclusividade do advogado. Também o art. 93, IX da mesma Constituição brasileira, admite que de um recinto judicial possam ser retirados o público e até as partes (autor e réu), mas nunca o advogado. Ou seja, o advogado tem prerrogativas legais que nem as partes que o contratam têm. Aí os gênios da CPI proíbem a defesa de Cachoeira de ver o inquérito. Parece piada.
Uma interpretação interessante é a que sai do Estatuto da OAB, Lei 8.906/94, no seu art. 6º. O texto diz: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público.” Se não há essas duas diferenças (hierarquia e subordinação) e também não há as mesmas diferenças entre magistrados e parlamentares (Constituição, art. 2º), todas essas funções, advogados, parlamentares e magistrados se equiparam. Ou será que o Legislativo acha que é “especial” em relação ao Judiciário? Absurdo.
É interessante como alguns fazem leituras emocionais e descabidas de certas leis. É como se em casos especiais não quisessem que a lei valesse. O parágrafo único do citado art. 6º do Estatuto da OAB, ainda cria um dever para autoridades e servidores públicos em geral, o de dar “ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.” Às vezes isso é violado como se o país não vivesse uma democracia e não houvesse um Estado de direito.
Relativamente aos inúmeros direitos do advogado, capitulados no art. 7º do Estatuto que, repita-se, é Lei Ordinária, veem-se ali diversas garantias à defesa, constitucionalmente garantida. Relativamente à resistência do Senado em mostrar os autos da CPI ao advogado de Cachoeira, há direito do advogado de “Examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos.”
Mas também é direito “Ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais.” Como no artigo 31 da mesma Lei há: “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.”
Assim, percebe-se que a lei, já desde 1963, quando do Estatuto anterior (Lei 4.215), sempre garantiu ao advogado prerrogativas fortíssimas e poderosas para enfrentar o Estado e seu sabido coronelismo. E o Judiciário, em primeira ou em última análise, sempre soube ratificar essas garantias. A história da ditadura foi pontuada por diversos advogados ameaçados e até mortos que não se curvaram diante de ordens, desejos, vontades e faniquitos ilegais de autoridades. A OAB do Rio teve uma bomba explodida, matando uma funcionária.
Tudo bem que a grande imprensa tenha suas implicâncias. Tudo bem também que Carlinhos Cachoeira não seja nenhuma flor que se cheire, ainda que sua bela patroa continue feliz, como relata o jornalista Guilherme Fiuza no artigo De que ri a senhora Cachoeira, revista Época. Mas negar direitos legais e constitucionais ao advogado de quem quer que seja é sintoma de amadorismo, falta de conhecimento, bem como expor toda a estrutura do órgão ou Poder à execração pública. Não é das coisas mais “inteligentes”.
Tem-se assistido na mídia, em grandes julgamentos de tribunais de júri, uma malandra confusão entre o réu e o advogado. Setores retrógrados instigam o povo a esta confusão. O promotor é pintado como paladino da justiça e o advogado como amiguinho do assassino. Pessoas ávidas por aparecerem na TV acampam nas portas dos fóruns e, ao primeiro sinal de uma câmera de televisão, começam a berrar “justiça”, mas querendo dizer “linchamento”. Parece que políticos de CPI estão caindo nessa armadilha mental.
Não adiantam manchetes estampando que o Supremo “acata” pedido de Cachoeira; ou ministro do STF “adia” depoimento de Cachoeira. Se a lei foi desrespeitada, o direito precisa ser restabelecido. Mesmo que se trate desse Carlinhos, com seus órgãos públicos arrendados e autoridades privatizadas. Jean Menezes de Aguiar.