Quando se estuda Negociação aprende-se que 2 são as formas antagônicas de se atuar: 1ª) barganha posicional (Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton; Como chegar ao sim - a negociação de acordos sem concessões) e 2ª) construção de consenso com identificação do problema em si (Eugênio do Carvalhal, Negociação - fortalecendo o processo: como construir relações de longo prazo). Na barganha posicional, “problematiza-se” com a pessoa do outro lado e se estabelece, psicologicamente, que terá que ser vitória ou derrota, é um “tudo ou nada” com baixíssimo uso de inteligência. Aí, menosprezam-se o foco no problema e o foco na solução, para viver uma verdadeira disputa interpessoal, muitas vezes por implicâncias, sem qualquer lógica inteligente (há lógicas burras). É claro que a forma de barganha posicional é o pior que há em termos negociais, algo próprio de amadores ou, se se quiser, pessoas burrinhas mesmo, que não conseguem resolver construtivamente um problema. No segundo modelo, centram-se as preocupações de forma objetiva no foco do problema, seja quem for o “outro lado”, quem Frank Akuff (Como negociar qualquer coisa com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo) chama de OL. Aqui aparece o famoso termo ganha-ganha, introduzido na literatura especializada em 1989 por R. R. Reck e B. G. Long (The win-win negotiator: how to negotiate favorable agreements that last). Será sempre uma coisa muito boa quando pessoas sensatas chegam a um acordo cujo foco são as possibilidades reais, objetivamente examinadas, ambos os lados cedendo onde é possível para gerar acordo, solução e bem-estar. O ganha-ganha é a meta de todos os livros de Negociação na atualidade e deve ser a meta de todos os conselheiros, juízes, mediadores e árbitros.
Alguns autores chegam a dizer que só haverá negociação, estrito senso, quando ambos os lados ganharem. Negam o conceito de negociação se um lado derrotar o outro. Brian Clegg (Negociação – como conseguir acordos com as pessoas já) suaviza este rigor, com a frase “sinta-se livre para ser implacável”, mostrando que o “eu ganho e você perde” é possível, mas só muito excepcionalmente. Como nos casos, por exemplo, da venda da casa da família, negócio não esporádico que o vendedor quererá obter o melhor preço possível; razoável. Nestas situações de negociação única deve estar ciente o comprador que poderá haver um ganha-perde e ele deverá se proteger, exaurindo todas as possíveis interferências e situações episódicas para comprar apenas com total segurança. Como o negócio não é continuativo, o vendedor não é um profissional de vendas e não terá porque manter o comprador em sua lista de clientes, o comprador precisa ter cuidados adicionais. Mas a excepcionalidade deste evento fica evidente. Praticamente ele pode ser “retirado” da ordinariedade do conceito de negociação, no qual impera em toda a literatura especializada a máxima “ganha-ganha”.
Numa negociação duradoura, como um processo judicial contencioso, periódicas revisões poderiam ou deveriam ser feitas para se saber se a “manutenção” daquele processo continua com uma razoável ou boa relação de custo-benefício. Os juízes poderiam mesmo trazer as partes em audiências especiais periodicamente, considerando-se momentos distintos ao longo do processo, para verificar se não seria possível um acordo. A máxima de que “um péssimo acordo é melhor do que uma ótima causa” continua mais viva do que nunca, principalmente em época de consumismo, onde impera a pressa e a liquidação de resultados satisfatórios. Muitas vezes uma negociação se esgarça no tempo por defeito dos negociadores. Herbie Cohen (Você pode negociar qualquer coisa: dicas do melhor negociador do mundo) apresenta forte crítica à negociação empreendida como disputa na passagem: “Por que funciona essa tática soviética do ganha-perde? Por que deixamos que ela funcione.” O bom negociador deve buscar contornar a todo tempo as implicâncias, as cismas e falta de confiança do outro lado, para focar a negociação no objeto a se compor. Uma visão estritamente objetiva: qual é o problema e qual a forma mais hábil, menos custosa e mais amigável para compô-lo.
Pessoas inteligentes e equilibradas devem negociar, não disputar, a disputa não tem qualquer traço de inteligência, até porque interesses jurídicos, econômicos, empresariais ou pessoais não são objeto de “esporte”. Muitas vezes advogados que não conhecem negociação enveredam-se em processos judiciais sem a boa frieza, o profissionalismo e a isenção utilizando nítidas barganhas posicionais, rivalizando visivelmente com o outro lado e acabam “vendendo” para seus clientes a ideia polarizada e maniqueísta de vitória ou derrota, tudo ou nada. Isso pode ser primariamente sedutor para um cliente que não conheça nada da possibilidade negocial. Tais litígios podem consumir muitos anos e os prejuízos podem ser imensos. Os advogados que conhecem os meandros negociais e tiveram treinamento conseguem resultados muito melhor. Paradoxalmente venho observando ao longo dos anos, como professor de negociação na pós-graduação FGV, que alunos outros que não advogados – administradores, economistas, contadores, engenheiros etc. – são mais receptivos ao conhecimento científico negocial do que os advogados. A alguma belicosidade própria da advocacia contenciosa parece que acaba contaminando o profissional forense ao longo do tempo, o que é uma lástima para o cliente.
Para quem conhece negociação, é comum ver interesses de pessoas ou empresas bastante comprometidos quando o negociador não é um bom profissional e “problematiza” com o seu “rival”, vivendo uma “disputa”. É tática do ganha-perde, referida por Cohen e censurada por toda a literatura da área. Mas a inteligência, a genialidade, a isenção, a seriedade e o profissionalismo clamam pelo modelo ganha-ganha. Aí estarão sempre os melhores profissionais de negociação. Do outro lado ficará o resto, parado no tempo, com baixo nível de conhecimento e estudo, ruminando implicâncias, invejas, mediocridades e até “suas vitórias” de Pirro, que sejam, mas a ciência sorri desses, ou melhor, gargalha. Jean Menezes de Aguiar.