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[1.Este texto não trata de Deus, Buda, Jesus, Alá, Maomé etc. 2.Não trata de religiões, mas do radicalismo humano. 3. Sabe-se que o termo "burrice" assusta os assustáveis.]
Qualquer um que seja o que quiser, por credo pessoal: flamenguista, evangélico, judeu, macumbeiro, católico, budista, islamista, ateu, espírita etc. Há espaço para todo mundo e o mundo "deveria" ser assim. A arrogância começa quando um desses qualquer aí "quer impor" sua crença como a única, a válida, a melhor, a verdadeira. E a burrice tem início quando um também qualquer aí "acredita" que a sua crença é a única no sentido de resolver toda a vida, como se qualquer conhecimento, por mais sólido que fosse, se colidisse com o a sua “prática” religiosa, tivesse que ser automaticamente aniquilado. Essa manifestação do radicalismo humano é formidavelmente imbecil.
É comum se ligar fundamentalismo a questões islâmicas e outras que sejam “estranhas” para os ocidentais, como se somente aqueles povos pudessem ser radicais. O engano é óbvio. Qualquer radical religioso será, estruturalmente, um fundamentalista, quando não será um fundamentalista étnico – usará apenas o nome da religião para exercer sua discriminação canalha, seu preconceito imundo e exclusivista pró “seus” –.
O fundamentalista antepõe sua crença, numa leitura burramente literal, ou ideologicamente destorcida, de textos sagrados como o Rigveda (hinduísmo, há 3500 anos), Dhammapada, Corão, Bíblia, Torá etc., a questões objetivas, racionais, lógicas, científicas e, em última análise, inteligentes e fáceis de serem compreendidas.
Percebe-se que o fundamentalista exibe um amontoado de travas mentais. Elas bloqueiam o raciocínio lógico, racional ou instruído. Essas travas são todas dogmáticas, ligadas a mitos e explicações que requerem uma “aderência” cega a um saber “revelado”. O fundamentalista e somente ele (jamais a ciência) trabalha com “verdade absoluta”. Sua forma de acreditar é fechada, ranzinza e inalterável, perceptivelmente teimosa, a partir do momento que não há uma explicação menos que irracional para ela.
Por outro lado, pode-se dizer que há algum “racionalismo” no fundamentalista, e isso não chega a ser um paradoxo. Só que um racionalismo ligado à fé, à crença, ao seu estado mental de acreditar em histórias que lhes foram contadas por alguém ou algum texto que ele “confia” e passou a “acreditar”. O fundamentalismo “confia” que aquilo seja “assim”. A desconfiança saudável do homem de ciência (totalmente diferente do cético ou do ateu, repitam-se mil vezes), ou a desconfiança do “homem comum” que meramente desconfia de o que lhe soa estranho ou burro, são manejos que o fundamentalista não opera, quando estiver em pauta sua crença. Por mais sintomática que fosse a desconfiança.
Seu preconceito impede qualquer tipo de desconfiança, por mais saudável e lógica que seja, quando o assunto for a sua crença. Quase que ele teme a desconfiança, como se sua própria inteligência reagisse e ele fosse forçado a aceitar a validade da desconfiança e sua conclusão. Aí, certamente uma desconfiança lúcida e equilibrada, razoável e simples, desmontaria seu credo cego. Observe-se: trata-se aqui do fundamentalista, e a diferença entre ele e o portador de fé será feita.
O manejo de uma lógica formal ou o raciocínio objetivo de questionamento saudável são fatores postos de lado na atividade da crença fundamentalista. O problema é que o fundamentalista “quer” crer. Ele se sente bem crendo (e isso é importante), ainda que sem qualquer testagem ou verificação objetiva ou racional de sua crença. O problema do fundamentalista aparece quando ele resolve querer convencer aos outros em geral de que sua crença contém “racionalidade” ou “lógica.”
Entretanto, para o fundamentalista, essa forma radical de crença é “racional”, como “para ele” também é "lógica". É fácil para ele desenvolver modelos mentais que “garantam” a tal “racionalidade” à sua crença. Pode ser um único milagre, ou o que ele tenha "entendido" disso, ou uma "coincidência" que ele queira ver como milagre, ainda que o conceito de milagre ou coincidência possa jamais ser investigado a fundo ou, de novo, investigado racionalmente.
Enquanto mecanismo antropológico o milagre e o mito são, efetivamente, dados compreensíveis e aceitos, fazendo parte de todas as culturas do mundo. Não há uma única cultura sem a ideia do mito; a antropologia mostra isso tranquilamente. A diferença é o “uso” do mito que para o fundamentalista é agravado, beira a patologia social, é profundo e ostentado (midiático).
É possível se tentar uma diferença entre a fé, que seria algo positivo (repita-se mil vezes), e fundamentalismo, que é algo radical e negativo. Por outro lado, todo fundamentalista nega sua condição de fundamentalista, "jurará" que não é. Dirá, correndo, que tem “apenas” fé e que aparece de sua personalidade é um mero exercício da sua fé. Mas os traços do "exibicionismo" e beligerância dessa fé, contra os outros, dará o contorno preciso do fundamentalismo. Assim ter-se-ia:
FÉ (boa) FUNDAMENTALISMO (ruim) |
Introspectiva exibicionista |
Um tesouro pessoal uma forma panfletária de se mostrar |
Uma reflexão sadia uma ostentação espumosa |
Crença num Deus qualquer seu a arrogância do Deus “correto” |
Aceita outras explicações antepõe seu Deus “correto” até à ciência |
Estado de paz estado de constante enfrentamento |
Transmitida naturalmente ao filho imposto ao filho como obrigação |
Não exclusivista radicalmente comprometido com seus termos |
Não proíbe coisas lógicas tolhe burramente prazeres e hábitos |
Não inventa razões para proibições explica burramente suas proibições |
Aceita integrações é preconceituoso a outros saberes |
Inteligente essencialmente tacanho |
Aberto essencialmente hermético |
Serena agressivo |
Social de clã |
Compreensiva com outras crenças condenatório de outras crenças |
Convivente excludente |
Pessoal nitidamente comercial, às vezes empresarial |
Não é forma de vida gera luxuosa vida para muitos |
O fundamentalista “procurará” minuciosamente erros na classificação acima para anulá-la ou para tentar se encaixar apenas como portador de fé, nunca como um fundamentalista. Outra coisa é que dois ou três encaixes de sua personalidade na coluna da fé, não seriam o suficiente para quebrar sua classificação como fundamentalista. Aqui, por fim, afirma-se que você deve conhecer um fundamentalista no seu círculo social, o que para efeito de um povo sadio, em termos de um país democrático que não "agravaria" a questão religiosa separatista, é assustador.
Pausa para o ataque ao racionalismo, à razão e à objetividade
Está-se ciente, aqui, que todo o discurso que usa conceitos ou modelos como “objetividade”, “razão”, “razoabilidade”, “lógica” e “ciência” pode [e deve] ser “relativizado”. Ainda que fundamentalistas não questionem o seu próprio “conhecimento”, a ciência tem enorme prazer com esta tarefa catártica e auto-hemorrágica. Aqui, por todos, utiliza-se um dos expoentes máximos da relativização de todos esses conceitos, tido mesmo como anárquico, Paul Feyerabend (A ciência em uma sociedade livre), que discute ciência, mito, bruxaria, fé, considerando tudo como “tradições”.
Essa observação é importante para se ir rapidamente ao extremo do contrário do “racionalismo”, no sentido de que fundamentalistas não digam que “a coisa não é bem assim”. Não é mesmo. Há inúmeras exceções ao racionalismo, mas a crença impensada não é uma delas; o impensado é um naco palpável de imbecilidade. Ligar o fundamentalismo religioso ou seu primo discriminador, o fundamentalismo étnico apenas travestido de religioso, à inteligência, será tarefa impossível. Todo fundamentalismo é, antropologicamente, burro. Parece não haver dúvida quanto a isso, enquanto cerceador de hábitos, costumes, culturas, modos, vestimentas, comidas e prazeres que são próprios da vida humana.
Numa sociedade ocidental e invencivelmente consumista, por exemplo, privar a belíssima, inocente e encantadora tradição do Papai Noel à criança por um fundamentalismo religioso adquirido na vida adulta (ou mesmo não) é, antes de qualquer idiotice, um egoísmo baixo. Quem já passeou pelos grandes shoppings e viu decorações natalinas gigantescas, pôde observar as expressões de encanto, sonho e felicidade nos rostos das crianças inocentes e maravilhadas. Novamente, privar o sonho infantil, onde toda a cultura da sociedade é assim, é um espancamento psicossocial diário na criança, enquanto perdura a alegria da época natalina.
Guerras religiosas foram gestadas no fundamentalismo. Diversos fundamentalistas já conseguiram cadeiras na política – observe: “como” religiosos!, ostentando uma tal “bancada religiosa” - . Mas para quê? O que justifica o atraso demente de uma bancada política religiosa se a modernidade dos Estados – todos – menos o atrasado e preconceituoso Israel, é laica? A beleza do convívio entre as pessoas está, exatamente no não fundamentalismo religioso que exclui o vizinho, o parente, e torna o amigo sincero um ex-amigo, ou até, pela via do preconceito, um inimigo.
Talvez não exista isso de que época de Natal seja época de “reflexão”. Pouca gente anda “refletindo” atualmente. Esse clichê da reflexão talvez tenha se autossaturado. Ou talvez não. Por outro lado, fundamentalistas desafiam até equações aritméticas, físicas e lógicas. Nada lhes move, lhes altera, 2+2 “pode” ser 4, mas pode ser 87 pela “visão” fundamentalista. E eles ainda olham para os outros com “pena”, com superioridade.
“Um argumento não é uma confissão, é um instrumento destinado a fazer o oponente mudar de ideia”, Paul Feyerabend. Aqui não há confissão, nem instrumento, nem oponente nem vontade de mudar ninguém de ideia. O imbecil tem tártaros mentais, não evolui, não se maravilha com o conhecimento científico, filosófico, antropológico, nem com a música de amor ou a poesia. O fundamentalista manda queimar a arte. Só a crença vendida por um espertalhão empresarial ou um ditador político facínora lhe convence.
Aqui se tenta analisar o fundamentalismo religioso à luz da burrice. Aí parece não haver dúvida que as coisas se encaixam. Mas até o “diagnóstico” de imbecil gera um sorriso nos lábios do fundamentalista; ele dá de ombros, sabe-se que dá. E até isso ele pode ser numa sociedade livre – fundamentalista religioso –, se se sentir bem. E que seja. Qualquer um medianamente inteligente e articulado se preocuparia em ser diplomado de imbecil, mas a lavagem cerebral ou quase-lobotomia do fundamentalista o protege. Que bom que ele não se “sinta” um imbecil. Em tempo, Papai Noel é filho de Deus. O laboratório Fleury confirmou esta semana num exame de DNA. Jean Menezes de Aguiar.
Livros interessantes - Isaac Asimov, Antologia; Carls Sagan, O mundo assombrado pelos demônios.
Acredito ser a verdade absoluta, porém o conhecimento daqueles que a procuram é relativo.Isto não seria de modo algum empecilho para o entendimento entre povos, mas o que estabelece todo entrave do processo, são os que de fato, outro compromisso não tem que estabelecer as suas verdades individuais,seja por heranças atávicas, carácter adquirido,etc...
ResponderExcluirAcredita ser a verdade absoluta "o quê"?... Amigo, não entendi o comentário. Abraço, Jean.
ResponderExcluirA verdade em si é sempre absoluta, senão não seria verdade, o conhecimento das pessoas que é relativo e repleto de certezas,e cada um pretendendo que suas convicções se massifiquem para ajudá-los a crer, pois nem mesmo Eles conseguem o fazê-lo sozinhos.Lembro-me de uma crônica que se não me "falho a memória" era de Nelson Rodrigues que dizia:"O conhecimento aumentam as dúvidas e a ignorância cristaliza o saber".Hoje acho que estou mais próximo da verdade quando as dúvidas me cercam, por acreditar que toda definitivismo é filho da necessidade de mandar, que por sua vez só pode ser filha da ignorância.Resta-nos termos paciência com os fundamentalistas, por que estes mesmos se destroem , pois falta-lhes argumentos com base para enfrentar a razão em qualquer época da humanidade.Espero ter sido mais claro. Abraço !
ResponderExcluirIderaldo