quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Afinal: CNJ – ditadura ou democracia?

[Artigo publicado no jornal O DIA SP em 29.12.2012]

                Declarações atabalhoadas, ou até ofensivas, merecem ser tratadas sem eufemismos. Não se trata apenas do recurso jornalístico de hipertrofiar a fala de alguém para lhe revelar o azedo contido nela. O fato é que as declarações do futuro presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, comparando as investigações do Conselho Nacional de Justiça sobre juízes à ditadura são desastradas por si só. Por várias razões.

                Primeira, porque todo mundo já percebeu, somente agora, com os paradigmas Eliana Calmon e CNJ, que a regra antes do CNJ foi impunidade. De novo, declarações bombásticas, agora de Eliana. Se o que ela disse sobre bandidos de toga é verdade, e não há qualquer motivo para se presumir sua insanidade mental, a conclusão é de que as “corregedorias” nunca funcionaram mesmo. Se não funcionaram o CNJ se superlegitima e ocupa um espaço exigido pela sociedade.

                Segunda, os métodos da ditadura foram ilegais e truculentos, o que em nada tem que ver com as investigações do CNJ que centrou-se em salários, verbas, auxílios, mordomias e irregularidades, tudo com dinheiro público. Ou será que dinheiro público merece segredo e intimidade? Ou será que a mesma lógica da intimidade legítima do salário de um diretor de empresa privada que ganhe 150 mil reais por mês, ou 10, deve ser utilizada para um salário “público”? É óbvio que não, nunca, jamais.

                É farisaísmo e gera suspeição se querer a blindagem, o segredo aí, como também é falta de conhecimento jurídico invocar princípio da intimidade quando a questão envolve dinheiro público.

                Terceira, há um sintoma de alívio com a até historicamente cansativa e batalhada criação do CNJ, a entidade que tantos lutaram para que não existisse. Até que de inúmeras costuras se conseguiu uma composição, ainda que nitidamente parcial, praticamente só de juízes. Se o CNJ não é legítimo para investigar a classe quem seria, Deus? A questão beiraria o ridículo se não fosse séria demais e não envolvesse dinheiro do povo. Mais, o CNJ foi inserido na Constituição somente abaixo do Supremo. Será que isso é “pouco”? Pedir ordem judicial ao CNJ para investigar salário público de funcionário de primeiro grau parece piada.

                No plano de sucessivas leituras desses acontecimentos, visando a uma leitura mais sociológica, é de todo saudável que essa briga tenha eclodido. Também é saudável que os agentes envolvidos sejam vaidosos e queiram aparecer na imprensa, trocando farpas públicas. Só assim se fica sabendo, pela troca de acusações, o que há por debaixo dos panos, ou das mantas de kevlar, o tecido a prova de bala.

                Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedor no CNJ não deixou barato, sobre a acusação de que o Conselho seria ditatorial, como afirmou Sartori. Invocando pobreza de argumento e falta de conhecimento do futuro presidente do TJ de SP, disparou: “Esse jogo de palavras como ditadura é argumento de quem não tem argumento, de quem não conhece a Emenda 45 e a trajetória do CNJ".

                Realmente, há uma nova sociologia envolvida na Emenda Constitucional 45 que parece não ter sido compreendida por muitos que só leem o “jurídico” das normas. Se a Constituição da República de 1988 foi “cidadã”, o que veio dentro dela depois deve obedecer ao mesmo espírito. A Emenda 45 quis, efetivamente, melhorar o Judiciário, não a prol exclusivista dos juízes, blindando-o mais e mais ainda, mas da sociedade, sua remuneradora direta.

                Solapar esse entendimento é manter-se preso a uma ideia surrada que põe no liquidificador fatores como impunidade, privilégios, blindagem e falta de transparência, além do menosprezo ao novel conceito de governança.

                Será, em todos os casos, suspeitíssimo, qualquer funcionário público que se disser “magoado” ou “invadido” com investigações que queiram apurar sua situação de ocupante de um cargo público com vantagens totalmente acima da média, que foi o caso da investigação do CNJ, toda lastreada em bases precisas da Receita Federal.

                Uma das marcas sociais do ano de 2011 no mundo são os movimentos populares de cobrança de transparência, honestidade e melhor qualidade com o uso do dinheiro público. Os Estados, em todos os continentes, ao longo da história, desenvolveram mecanismos cínicos de apenas fingir prestar contas e informações sobre o dinheiro público, mas manejar com avidez esse dinheiro.

                A grande diferença entre os diversos países é o nível de impunidade. Enquanto que em países nos quais a palavra ditadura não é invocada para justificar nada, como Canadá, França, EUA, Alemanha etc., o nível de apuração do mau uso do dinheiro público é cabal e essas retóricas coloridas de efeito não valem para nada. Nestes países veem-se prefeitos e outras “autoridades” saírem algemados e efetivamente condenados.

Já em países como o Brasil, criam-se órgãos, muitos órgãos. Inventam-se comissões, comitês, fóruns, tudo muito bem alimentado, sim, comida, com jetons, diárias, cartões corporativos etc. Acha-se que a mera “criação” de um órgão fiscalizatório, totalmente falsificada nos objetivos, é o suficiente para enganar a sociedade. O problema é que a sociedade em 2011 parece ter acordado. Eliana Calmon está sendo disputada entre dois colos: o da imprensa e o do povo. Se torna superlegitimada. E a justificação única para isso é o fato de ela ter querido cortar na própria carne de sua instituição, depurar o Judiciário. Se vão deixar ou vão mandar ela para a fogueira, só a história dirá. Jean Menezes de Aguiar.

2 comentários:

  1. Nossa!!! Voce realmente consegue vestir com palavras tudo o que tenho em minha cabeça mas nunca consigo colocar no papel, por falta de vocabulario ou por falta de conhecimento teórico sobre leis. Voce é meu idolo sabia?
    Esse artigo eu ADOREI!

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  2. A verdade por trás da briga STF – CNJ

    O cerne da questão não está apenas nos pagamentos retroativos de auxilio moradia ou a interferência do CNJ nas corregedorias dos tribunais, mas sim a implantação do SIS - Sistema de Interceptação de Sinais em conjunto com a PF, MPF e CNJ.
    Esse sistema é de extrema importância para o país e vai ampliar o poder dos órgãos de segurança e controle no combate a corrupção e na redução dos altos índices de criminalidade urbana.

    http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,novo-esquema-de-escutas-da-pf-deixa-empresas-telefonicas-de-fora,554597,0.htm

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