terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sociedade pós-moderna e Alain Touraine

[Sociologia. A macaca de bolsa Victor Hugo. Consumo feminino. Não luz, não túnel: claridade fotofóbica.]

Uma das possibilidades conceituais da sociedade pós-moderna considera o desparecimento do papel explicativo dado à evolução tecnológica e econômica. Esta é a recente crítica de Alain Touraine. Esse desaparecimento talvez tenha dado unicidade à diversidade dos elementos e conflitos (econômicos, internacionais, de gênero) que antes mais se compunham para permitir a visibilidade social, como [um] produto de uma junção de valores. Touraine dirá que não há o desaparecimento, apenas a elevação do nível das relações entre os referidos fatores, mas talvez sua voz, aqui, não seja majoritária. Teóricos da pós-modernidade como Lyotard, Connor, Habermas, Denning e outros parecem mostrar mais uma sedutora disjunção dos elementos do que uma reorganização com elevação de nível como quer Touraine. Entretanto, a genialidade deste sociólogo em sua análise permite questionamentos interessantíssimos.

A laceração ou clivagem de uma unicidade que mantinha organizada a sociedade versus uma reorganização fatorial, de qualquer forma, dá um tônus de imensa dificuldade para o observador. Quando a globalização enfraquece modelos estatais organizatórios e interventivos – regulatórios mesmo - de uma sociedade classicamente juntiva, há a plausibilidade de que a perda de força própria da junção faça nascer outra força, qual seja, uma típica do movimento unicista não juntivo, mas unicista fatorial, isolado, em estanqueidade, cada fator uma força isolada. Esta nova força fatorial isolada teria a atração social de entrar em choque com outras forças fatoriais também isoladas, dando, exatamente este entrechoque, a visibilidade pós-moderna.

No outro lado, a perda de força unicista obrigaria ao rearranjo social, funcionalmente sobrevivencial, pois que a sociedade não perece, no máximo se ajeita. Neste “modelo” teórico, a sociedade é perene. No outro, como afirma peremptoriamente Touraine, se torna inútil e mesmo prejudicial. Mas se se imprestabilizar a sociedade estar-se-ia aceitando subsociedades estanques dentro de um mesmo mapa social que seria, metaforicamente, um grande navio a deriva, considerando-se ainda que cada subsistema teria vontade própria em termos de direção. Com o fortalecimento dos subsistemas internos em direções opostas o navio não conseguiria se movimentar num único vetor e seu casco romperia. Essa talvez a crise anunciada, a dilaceração do sistema maior, ou uma metadilaceração.

A seu favor, Touraine afirma que em nenhum país as instituições pararam de funcionar, mas talvez isso seja pouco para se solapar a leitura da sociedade perdida no sentido de experimentar, por vezes distintas, subsistemas que promovam valores díspares e até antagônicos. A intercessão entre a visão sociológica “pura” e um manejo filosófico problematizante dessa leitura talvez pudessem representar um passo a mais, mesmo sabendo que o “pensar” sociológico já é um produto filosófico. Touraine propõe um “avanço” na leitura dos originariamente responsáveis pela crise econômica, os economistas, “com” uma interseção sociológica, mas como que cooptado pela sedução sociológica acaba sendo modesto na problematização “filosófica” da construção social. Quando diz que não se vive uma sociedade inteiramente líquida, como quer Bauman, talvez não esteja manuseando a irresponsabilidade para-anárquica do questionamento filosófico em totalitarizar a esgarçadura das forças unicistas, numa visão como as autorizadas pelas sociedades urbanoides.

A imagem estética e até fotográfica panfletária, mas aí exemplar, é a da modelo não só desejosamente feia e esdrúxula da famosa marca de bolsas Victor Hugo. Há ali a busca de uma linguagem da mulher que regrida no degrau último da evolução, o homo, e se assemelhe ao primata pré-homo, porém necessariamente louro – isso não se abre mão, mas jamais com cabelo liso, o contraponto desequilibrador (pós-moderno?), numa mistura calculadíssima de vários duais como gêneros e raças; cores e biótipos; padrões sociais e consumo; humano e inumano, todos provocativos e adrede não consertados, não retocados pelo fácil Photoshop. Quer-se a aporia da macaca loura de bolsa, mas nunca qualquer bolsa, a supergrifada. A palavra aí a sintetizar é apenas uma: confusão. A confusão gerará “aderência” para efeito de consumo numa sociedade que pelo mero medo de se ver ausencializada, capitula, compra.

Por outro lado, o publicitário não é um filósofo, ele não teoriza essa intencionalidade, mas a “sente” e sua arte começa justamente aí, no transformar o sentir inconceitual em visibilidade invencível para o consumidor intelectivamente primário, um que é jogado no navio de um subsistema para outro sem que ele próprio pratique opções conscientes. Este consumidor, no caso efetivamente a mulher, ou como ensina Touraine “mulheres dominam o consumo no sentido mais profundo do termo, quase se confundindo com a criação” busca no que se embrenhar, nem pelo conceito nem pelo sentir, mas por um anseio de visibilidade pessoal na mistura dos subsistemas que só permitem a visão de um caos pasteurizado e inidentificado: os subsistema há e, em que pesem serem teorizáveis, veem-se ocultos de uma permeação concretista para o consumidor.

Disjunção sistêmica organizada em que cada subsistema venha a criar um todo autônomo ou elevação de nível com uma também elevação de nível entrópico que possa explicar o todo num mesmo casco de navio? Talvez a negativa de um sistema maior seja mais aflitivo para o teórico, ou mais desesperador e escatológico, permitindo a visão de um pós-nada.

Por outro lado, a visão da inutilidade da sociedade, como sugere Touraine seja por demais teórica, mas tão dilaceradora que beire à escatologia antropofágica. Não se trata de medo, o estudioso não tem tempo para assombrações e capetinhas, mas se trata de se conseguir dar vida essa escatologia, ou pelo menos entendê-la. O Frankenstein da não sociedade nos daria a negação do homo sócio em seu viés antropológico mais natural. Nalgumas vezes já parecemos ver a patologia da não sociedade em locais bastante doentes nalguns guetos da modernosa São Paulo, com espancamentos de grupos e modismos rácicos e étnicos, nem socialmente involutivos nem evolutivos, pior, laterais, coexistentes, e até não recriminados por alguma parcela da sociedade tácita. Mas subsistemas persecutórios ortodoxos, ainda que visivelmente corrompidos e estragados, como Judiciários e Ministérios Públicos e mesmo o Estado como um todo, ainda dão uma visão ao menos teórica (esperançosa?) de uma contenção social. Inferiorizar isso para nulificar a sociedade é a metateoria no social, e aí parece que seria a pré-caverna, que não se conhece, ou a pós-sociedade que, todavia, também não se conhece. Jean Menezes de Aguiar


PS. O uso da macaca no texto é puramente bioantropológico e paradigmatizano na fêmea Pan troglodytes.

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