terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A cidadania on line e o ‘como’ se relaciona do Facebox

[Facebox. Sociologia da exibição. Marketing conjunto. Exibicionismo e cidadania on line.]

A internet criou a cidadania on line, totalmente igualitária e aberta. Para ela não há menoridade ou maioridade, todos podem tudo, desde ver cenas em close de felação e cunilíngua explícitas, receitas para montagem de bombas até cenas de mutilação humana em detalhes. Mas ser e ter a possibilidade de ver não basta. A sociedade precisa se relacionar e o mais importante, mostrar aos outros como se relaciona, o que gosta, o que não gosta, do que ri, seus preconceitos e taras disfarçados, suas tentações e azarações e demonstrar sua sabedoria, sapiência, titulação e muito, muito marketing pessoal, ou o que cada um entende disso.

Uma das formas de maior aceitação no meio social do Facebox ocorre com o agente mostrando “como” se dá com os seus relacionados. O que está em pauta não é, efetivamente a quantidade ou qualidade do amigo, mas como é a relação em si, íntima, descolada, o tônus discursal bilateralizado, se engraçado, sério, piádico, autoritário, “em foras”, amoroso a sério, amoroso pseudo brincalhão, futilizado etc. Essa é uma explicação interessante do mural do Facebox em que brincadeiras e conversas de 2 pessoas não ficam mais entre elas, “precisam” desesperadamente ser publicizadas para uma comunidade de amigos, meros conhecidos ou para o mundo todo em geral mesmo, sem pudor. Ainda se escolhe o universo ao qual se quer desprivatizar a conversa ou a relação. É tudo democrático; ou exibitório o mais explícito possível. As segundas intenções tornam-se a primeira, uma ligada diretação à publicização da relação.

Talvez não chegue a ser uma exceção a um princípio que poderia ser descrito como “o meu espirro é importante para o mundo, o nosso em conjunto, mais ainda”. Aqui haveria egolatria mancomunada. Mas o mostrar-se individual já está no Fb, com centenas de fotos dormindo, acordando, comendo, com os amigos. Algo me intriga: por que não urinando? A urina é poética, é relativamente limpa e tem coloração de ouro, os soldados americanos no Iraque a filtram e bebem o H2O dali. Assim, não é o egocentrimo standart ou clássico, pessoal, que está em pauta, mas a necessidade de revelar uma conversa, uma relação.

O mostrar-se individualmente já não é mais forte o suficiente para uma aquisição personalista do espaço público que passou a ser disputado on line. Até porque intelectuais estão em extinção, os que davam margem a se saber quem alguém é pelo que produz. Daí, a nova medida dessa sociedade desejosamente ignorante não é mais o que o sujeito é, mas como ele conversa. As conversas são mais concretas num mundo burro, enquanto que a intelectualidade é mais abstrata, imbecis dirão “chata”, isso palatabiliza o que se analisa – a conversa –, tornando-o fácil. Ainda, a conversa mostra ritmo, grau de amizade, respostas contestatórias, réplicas, tréplicas e quadrúplicas, como também mostra afeição, invejas, as observações “sutis” de mediocridade e toda uma tralha de modos, gestos e direções de um para o outro e do outro para um. É a pujança em conteúdo duma fila de supermercado demorada, só que on line.

Por isso, a estética física, corpórea do agente em si, ou a do texto monoautoral postos no Fb passaram a ser considerados como não suficientes para efetivar a exibição. É claro que a mulher do peitão porá o decote “displicente” beirando a auréola do mamilo para alegria nossa; a do bundão tirará foto como as “modelos” da Paybloy e como imagina-se que elas próprias devam falar: “des costas” com a cara virada; e a homarada que passa 3 horas por dia na academia, mas jura que é só alimentação, tirará fotos na praia, mesmo que num inverno glacial do Leblon; o peitoral precisa aparecer. Nada contra o esse fisicalismo corpóreo para fazer a alegria da rapaziada (meninas, evoluam, mostrem mais!). Mas o certo que “só” o físico também já não faz a roda girar.

A calibragem social.

Por isso os egocentrismos solitários cedem à descoberta da força da revelação da conversa. O Facebox não só dá vazão a essa exibição pública como suscita o saber do outro, a recepção do discurso alheio, aí o outro lado da sociologia da exposição do discurso a dois (o da recepção). Pelo discurso alheio o agente terá medida para o próprio discurso, não numa comparação, mas numa calibragem social. Não há qulquer pecado sociológico com a publicização do discurso a dois, talvez sequer haja idolatria ególatra, mas uma carência social em popularizar este discurso, como se ele fosse mais potente para a atração social compondo um grupo mais grandioso. A imanência social acaba sendo potencializada com a revelação da conversa, e não somente do discurso monoautoral; ela, a revelação, o novo tônus eficacial desta nova sociedade.

Se é carência pessoal que motiva o agente à publicização da conversa, há perdão, porque a carência pede colo e se faz de coitadinha, quando não patológica; ela torna meigo o exibicionismo, quase que self defense numa neocategorização do homem social conversal. Assim, o Facebox inaugura uma nova sociologia, a da exibição não mais do eu-em-mim, uma à qual a minha cara, corpo ou discurso monoautoral compusessem o tônus ególatra, mas uma outra que permite exibir um eu-nele-retornado. A troca das semânticas públicas, derramada em quadradinhos on line para leitura desejosamente pública e convidativa à interatividade é o novo.

A circularidade da conversa é mais socializante do que o discurso monoautoral

O agente admitirá uma menor fatia de egocentrismo unicista, já que “cederá”, por divisão, fatia dele para a composição do egocentrismo plural, dividido, ao qual ele próprio se apoiará no outro, de críticas. Dividirá também a responsabilidade e a assunção das críticas a no mínimo dois interlocutores. A cumplicidade é protetiva.  A circularidade bipolar é início se socializa e fortifica. É inaugurada aí uma nova composição social, à qual meu texto monoautoral se converte na conversa. Essa bacanal de conversa em expresso trenzinho verticalizado, um em cima do outro, é um dos sucessos energéticos do Fb. Só posso render minhas modestas homenagens a este programa que nos torna tão “famosos”, fazendo com que precisemos de óculos escuro para sair às ruas (ou para aparecer no próprio Fb), tudo para que nossos sedentos fãs não nos rasguem a roupa como astros de rock que passamos a ser quando aceitamos dividir nossos discursos invariavelmente felizes com nossos interlocutores, todos também felizes. Por isso amamos tanto o Facebox. Jean Menezes de Aguiar



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