sexta-feira, 5 de julho de 2013

Começar a lutar




Caio Prado Jr. foi um historiador, autor de o que se pode chamar um dos 3 livros mais importantes do Brasil na área, intitulado Formação do Brasil contemporâneo, datado de 1942.
 
Concedeu uma entrevista em 1967, no auge da ditadura militar para um grupo de estudantes do grêmio da Faculdade de Filosofia da Usp. A entrevista está relatada na magnífica obra do jornalista Elio Gaspari, A ditadura escancarada, ps. 229-230. 
 
O renomado historiador que ficou 545 dias na prisão para somente depois disso ser absolvido pelo Supremo, já com 64 anos de idade foi acionado criminalmente pelo Ministério Público que se indignou com uma frase da entrevista. Duas passagens dessa entrevista merecem releitura na atualidade.

A primeira é a que Caio Prado responde, sobre o movimento estudantil poder manejar a revolução socialista. Diz o intelectual "Não acredito que os estudantes sejam os possíveis líderes da revolução, mas acho que têm condições de estimularem o proletariado urbano e rural para que iniciem sua luta. Agora, como guerrilheiros, não acredito."

Depois afirma: "Mesmo a luta armada tem uma porção de graus: vai desde o choque de rua até a guerra civil."

A segunda resposta, a que melindrou o MP a acioná-lo criminalmente é sobre que solução haveria para a situação. O famoso intelectual dispara: "Não devemos discutir a forma de luta, e sim começar a lutar...".

Em uma semana vemos a cúpula de 2 dos Poderes enrolada com passagens aéreas oficiais em aviões da Força Aérea, para familiares, noras, genros e amigas assistirem partida de futebol. Na mesma semana o olímpico Tribunal de Contas distribui 1 milhão de auxílio-comida a suas "autoridades" (e não só o Tcu, que fique bem claro). Isso não cessa e não vai cessar.

"O Brasil está matando o Brasil", fala a música do gênio Aldir Blanc, cantada acidamente por uma Elis inigualável. Mas essa matança dura 50 anos. Não é de agora. E esse povo não faz nada, apenas reclama, baixinho e educadamente, na fila do supermercado.

Estudar a luta armada no Brasil é um mero recorte histórico. Triste e cheio de agonia. Crédulos e operacionalmente maltrapilhos tentaram a revolução. No auge, havia mais militantes presos do que soltos, e estamos falando de 500 pessoas. Isso quando se cantava "90 milhões em ação...". Hoje a população é de 200.

Essa elite política (que mata o Brasil há 50 anos) ri das "ruas". Zomba dos movimentos atuais. Seus salários de 40, 50 mil reais são vitalícios. Suas pensões, nos mesmos valores, transmitem-se a herdeiros, filhas etc. Essa elite desse sistema jurídico brasileiro aposta todas as fichas que daqui a 2 ou 3 meses "zerou"; as ruas serão uma referência histórica. Ou uma lembrança de um "Inverno brasileiro de 2013". Essa elite tem estudiosos a seu prol que lhes dá pelo menos informação histórica.
 
Se a luta armada foi massacrada, se a "guerrilha" do Araguaia foi massacrada, bastou o Governo querer, os movimentos das ruas podem ser. Para essa elite, há um "incomodozinho" maior na atualidade chamada Internet.

O que se viu nas ruas, agora há pouco, foi um cânone de revolução. Um cântico de sonho. Uma forma de revolta. Talvez, pessoas que assistiram aos 500 da luta armada do Golpe de 64 e lá, nos seus respeitosos e amedrontados silêncios, torciam para que aqueles garotos com nomes falsos vencessem, mas eram massacrados um a um por um Estado desde aquela época desonesto e infame, tenham chegado às lágrimas agora, de emoção, vendo um povo tatear a resistência. Experimentar a revolta coletiva. "Começar a lutar" como ensina Caio Prado, ou querer ser um "guerrilheiro", palavra que assusta a tantos que foram educados a temer o Estado.

Estudiosos e sonhadores do Brasil, artistas e poetas dos sonhos de uma país bom para todos,  estão chegando ao seu tempo sem ver o Brasil melhorar. Foi assim com Florestan, Darcy, Paulo Francis, Milton Santos, Millôr, Celso Furtado e tantos outros.
 
Antigamente havia a força. Hoje há o cinismo. Pela força os resistentes eram abatidos. Pelo cinismo os menos favorecidos são vitimados pelo degredo social da falta de assistência a uma vida digna. Às vezes fica difícil saber qual é o pior.

As manifestações de rua podem quebrar a letargia do sono drogado, um sono que escondia o sonho e a felicidade. Mas poderia parecer infame falar que alguém que passa necessidade consiga dormir esse sono histórico. Essa pessoa apenas se ajeita. Como se insistisse no direito de viver, num país em que o Estado se blinda, se ultrarremunera e se transforma com a certeza de décadas de impunidade oficial a si. Tudo contra o povo pacato, trabalhador e historicamente enfraquecido. Jean Menezes de Aguiar.

 

 

 

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