Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 27.6.13
Será que o conceito de “democracia” mudará com a
comunicação on line entre as pessoas?
Será que o conceito de “Estado” resistirá a esta democracia instantânea e não
fiscalizada? Talvez os últimos acontecimentos mostrem que conceitos
estabilizados podem ser revirados. Quando gestores do Estado, e até estudiosos
se veem sem saber explicar, pode estar aí a mudança. Padrões verticais comuns
de autoridade podem não mais regular a situação.
Há conceitos que, estudados a fundo, veem-se paradoxais.
Um deles é “democracia”, que as ruas reivindicam como patrimônio social. O
professor da universidade de Yale Michael
Denning (A cultura na era dos três mundos,
p. 231), mostra que “A ironia do Estado democrático foi que a extensão da
cidadania se obteve com uma desvalorização da esfera política e uma restrição
dos poderes do público.” Cita a cientista política Ellen Meiksins Wood: “Foram
os vencedores antidemocráticos nos Estados Unidos que deram ao mundo moderno
sua definição de democracia, uma definição na qual a diluição do poder popular
é um ingrediente essencial.”
Uma coisa são as ruas, ninguém discute legitimidade.
Outra é o “para quê” da reação. O Estado brasileiro democrático há décadas
acumulou um déficit social cavalar em desrespeito ao povo. Também em corrupção
generalizada de seus gestores oficiais. Outra face do problema é como “converter”
a reação popular em um sentido revisional do conceito de democracia ou mesmo de
Estado. Se é que a reação popular chega a ter essa força. Seria a
neorrevolução.
As manifestações surpreenderam, mas o Brasil não é a Espanha.
Não há uma cultura com protestos aqui. Manifestações ocuparam as manchetes do
noticiário por questões diversas. Por serem efetivamente uma revolta popular.
Por serem uma novidade. Por permitirem uma cobertura instantânea mundial do
jornalismo. Por sacudirem a Copa. E, por venderem jornal e revista.
Há sinais na sociedade. Quando um governo da esquerda
“erra” é prontamente considerado de direita. Até por próprios direitistas. É
como se quisessem a esquerda num purismo revolucionário. Ou utópico. É a forma de
a direita tornar a esquerda intangível. É uma zombaria inoculada no conceito,
como um vírus a lhe comer o pulmão. Funciona para desavisados que acabam
negando a diferença de esquerda e direita. Ou cínicos, que vendem o modelo em
consultorias. Darcy Ribeiro criticava quem achava que a direita era “burra”. Respondia:
- não é, contrata ótimas cabeças da esquerda com altos salários.
Estado democrático, parlamentar com voto universal, é
um conceito ainda jovem. O professor emérito de Yale Robert Dahl (Sobre a
democracia, p. 3) afirma que é um produto do século 20. Consolidou-se só
após a 2ª Guerra. Mesmo com toda a pujança social envolvida, o Estado
democrático é invariavelmente chamado de burguês. Mas a burguesia,
reconheça-se, foi uma de suas essências. Barrington Moore (1966) mostra que sem
a burguesia não há democracia. Isso acabou sendo explicado mais tarde com a
formação das classes trabalhadoras, o grande motor propulsor da democracia. O
problema das sociedades latino-americanas, por exemplo, foi a pequena massa de
classe trabalhadora.
“As elites capitalistas não são partidárias da
democracia”, demonstra Denning (p. 288). A rua pode ser burguesa. Mas também
pode não ser. Quando não é, o caldo engrossa, o sonho não para com uma simples
promessa. Dilma prometeu bonito ao Movimento na reunião de panos quentes. Não
convenceu.
Toda essa estrutura conceitual recebeu, agora, um novo
ingrediente: as redes sociais. Não havia nada parecido no doce pós-Guerra de
sonho comunista. A classe trabalhadora ainda é necessária para “fundar” uma
democracia? Ou a “classe de internautas”, seja isso o que for, resolve a fatura?
A gestação das democracias pelas classes trabalhadoras foi lenta e gradual. Já
internautas, todos nós, queremos decisões para amanhã de manhã. Viva a pressa
do século 21.
No caso do Brasil, internautas são, por exemplo, o
avesso do Senado Federal, a entidade que “combina rapapés de salão com
desaforos de botequim” (Roberto Pompeu de Toledo, in Iná E. Castro, Geografia e política, p. 156). São o
povo, de bermuda e tênis; crianças e velhos nos sofás de casa. São a classe
trabalhadora nas ruas. Internautas não são mais uma elite do computador, somos
todos nós. Isso mudou o cenário; tornou as análises assimétricas.
As ruas têm
legitimidade para gritar, mas talvez não saibam criar conceitos. Quem se
importa? Quando Dilma convoca o Movimento do Passe Livre para conversar, a
garotada se entreolha e vive o “e agora?” Os movimentos populares, no 2º momento,
nem lutam tanto pela implementação de um objetivo, mas, infelizmente, pela própria
sobrevivência em si. Isso já vem desde a esquerda armada do Brasil. Daqui há 2
ou 3 anos o MPL porá 100 mil nas ruas? Tomara. A própria imprensa conservadora
se incumbe de não mais repercutir.
Internet requer rótulos “novos”. Repare-se a
obsolescência dos Caras pintadas e da própria Une. O PT, ao lado da
Solidariedade na Polônia, dos sindicatos de negros do Cosatu na África do Sul e
das greves sul-coreanas, conforme Denning, representou um marco da esquerda no
mundo no sentido da transição para a democracia. No caso do Brasil, não soube
se livrar das práticas corrupcionais da velha direita. Não sofreu uma
fiscalização das entidades burguesamente concebidas para fiscalizar e auditar,
que só agora gritam por investigar. Piada. Nem fiscalização da sociedade.
Redes sociais são o novo. Se o papel aceita qualquer
coisa, dizem os contratualistas, as ruas aceitam extremistas lunáticos,
fundamentalistas religiosos e terroristas urbanos. Mesmo esses, num caso como o
Brasil, são difíceis de “julgar”. Baderneiros, arruaceiros, dirão uns com ódio rácico.
Talvez doentes sociais por indignação acumulada, diriam cientistas sociais.
A internet
talvez não “crie” um novo conceito de democracia. Mas comparar internautas
globais àquelas classes trabalhadoras pode ser alvissareiro. Foram essas
classes que criaram o Estado democrático moderno. Moderno até aqui. Moderno até
as redes sociais. E daqui para frente? Só as ruas dirão. Dobre a esquina e
escolha qual movimento quer se engajar. Nos vemos às 17 na Av. Paulista. Bora. Jean Menezes de Aguiar.
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