quarta-feira, 26 de junho de 2013

Redes sociais e democracia




Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 27.6.13

                Será que o conceito de “democracia” mudará com a comunicação on line entre as pessoas? Será que o conceito de “Estado” resistirá a esta democracia instantânea e não fiscalizada? Talvez os últimos acontecimentos mostrem que conceitos estabilizados podem ser revirados. Quando gestores do Estado, e até estudiosos se veem sem saber explicar, pode estar aí a mudança. Padrões verticais comuns de autoridade podem não mais regular a situação.

                Há conceitos que, estudados a fundo, veem-se paradoxais. Um deles é “democracia”, que as ruas reivindicam como patrimônio social. O professor da universidade de Yale Michael Denning (A cultura na era dos três mundos, p. 231), mostra que “A ironia do Estado democrático foi que a extensão da cidadania se obteve com uma desvalorização da esfera política e uma restrição dos poderes do público.” Cita a cientista política Ellen Meiksins Wood: “Foram os vencedores antidemocráticos nos Estados Unidos que deram ao mundo moderno sua definição de democracia, uma definição na qual a diluição do poder popular é um ingrediente essencial.”

                Uma coisa são as ruas, ninguém discute legitimidade. Outra é o “para quê” da reação. O Estado brasileiro democrático há décadas acumulou um déficit social cavalar em desrespeito ao povo. Também em corrupção generalizada de seus gestores oficiais. Outra face do problema é como “converter” a reação popular em um sentido revisional do conceito de democracia ou mesmo de Estado. Se é que a reação popular chega a ter essa força. Seria a neorrevolução.

                As manifestações surpreenderam, mas o Brasil não é a Espanha. Não há uma cultura com protestos aqui. Manifestações ocuparam as manchetes do noticiário por questões diversas. Por serem efetivamente uma revolta popular. Por serem uma novidade. Por permitirem uma cobertura instantânea mundial do jornalismo. Por sacudirem a Copa. E, por venderem jornal e revista.

                Há sinais na sociedade. Quando um governo da esquerda “erra” é prontamente considerado de direita. Até por próprios direitistas. É como se quisessem a esquerda num purismo revolucionário. Ou utópico. É a forma de a direita tornar a esquerda intangível. É uma zombaria inoculada no conceito, como um vírus a lhe comer o pulmão. Funciona para desavisados que acabam negando a diferença de esquerda e direita. Ou cínicos, que vendem o modelo em consultorias. Darcy Ribeiro criticava quem achava que a direita era “burra”. Respondia: - não é, contrata ótimas cabeças da esquerda com altos salários.

                Estado democrático, parlamentar com voto universal, é um conceito ainda jovem. O professor emérito de Yale Robert Dahl (Sobre a democracia, p. 3) afirma que é um produto do século 20. Consolidou-se só após a 2ª Guerra. Mesmo com toda a pujança social envolvida, o Estado democrático é invariavelmente chamado de burguês. Mas a burguesia, reconheça-se, foi uma de suas essências. Barrington Moore (1966) mostra que sem a burguesia não há democracia. Isso acabou sendo explicado mais tarde com a formação das classes trabalhadoras, o grande motor propulsor da democracia. O problema das sociedades latino-americanas, por exemplo, foi a pequena massa de classe trabalhadora.

                “As elites capitalistas não são partidárias da democracia”, demonstra Denning (p. 288). A rua pode ser burguesa. Mas também pode não ser. Quando não é, o caldo engrossa, o sonho não para com uma simples promessa. Dilma prometeu bonito ao Movimento na reunião de panos quentes. Não convenceu.

                Toda essa estrutura conceitual recebeu, agora, um novo ingrediente: as redes sociais. Não havia nada parecido no doce pós-Guerra de sonho comunista. A classe trabalhadora ainda é necessária para “fundar” uma democracia? Ou a “classe de internautas”, seja isso o que for, resolve a fatura? A gestação das democracias pelas classes trabalhadoras foi lenta e gradual. Já internautas, todos nós, queremos decisões para amanhã de manhã. Viva a pressa do século 21.

                No caso do Brasil, internautas são, por exemplo, o avesso do Senado Federal, a entidade que “combina rapapés de salão com desaforos de botequim” (Roberto Pompeu de Toledo, in Iná E. Castro, Geografia e política, p. 156). São o povo, de bermuda e tênis; crianças e velhos nos sofás de casa. São a classe trabalhadora nas ruas. Internautas não são mais uma elite do computador, somos todos nós. Isso mudou o cenário; tornou as análises assimétricas.

                 As ruas têm legitimidade para gritar, mas talvez não saibam criar conceitos. Quem se importa? Quando Dilma convoca o Movimento do Passe Livre para conversar, a garotada se entreolha e vive o “e agora?” Os movimentos populares, no 2º momento, nem lutam tanto pela implementação de um objetivo, mas, infelizmente, pela própria sobrevivência em si. Isso já vem desde a esquerda armada do Brasil. Daqui há 2 ou 3 anos o MPL porá 100 mil nas ruas? Tomara. A própria imprensa conservadora se incumbe de não mais repercutir.

                Internet requer rótulos “novos”. Repare-se a obsolescência dos Caras pintadas e da própria Une. O PT, ao lado da Solidariedade na Polônia, dos sindicatos de negros do Cosatu na África do Sul e das greves sul-coreanas, conforme Denning, representou um marco da esquerda no mundo no sentido da transição para a democracia. No caso do Brasil, não soube se livrar das práticas corrupcionais da velha direita. Não sofreu uma fiscalização das entidades burguesamente concebidas para fiscalizar e auditar, que só agora gritam por investigar. Piada. Nem fiscalização da sociedade.

                Redes sociais são o novo. Se o papel aceita qualquer coisa, dizem os contratualistas, as ruas aceitam extremistas lunáticos, fundamentalistas religiosos e terroristas urbanos. Mesmo esses, num caso como o Brasil, são difíceis de “julgar”. Baderneiros, arruaceiros, dirão uns com ódio rácico. Talvez doentes sociais por indignação acumulada, diriam cientistas sociais.


A internet talvez não “crie” um novo conceito de democracia. Mas comparar internautas globais àquelas classes trabalhadoras pode ser alvissareiro. Foram essas classes que criaram o Estado democrático moderno. Moderno até aqui. Moderno até as redes sociais. E daqui para frente? Só as ruas dirão. Dobre a esquina e escolha qual movimento quer se engajar. Nos vemos às 17 na Av. Paulista. Bora. Jean Menezes de Aguiar.

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