quarta-feira, 3 de julho de 2013

O futuro do direito do trabalho





 
Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 4.7.13
 
 
                Toda relação jurídica processual é composta por dois polos: autor e réu. Há um direito que regula os chamados polos fracos, com princípios próprios. Este direito representa uma conquista das sociedades. Com essas conquistas o próprio direito e as sociedades evoluíram. Polos fracos estão nos direitos do cidadão frente ao Estado; no locatário frente ao locador; no consumidor frente ao fabricante; no idoso frente ao adulto; no economicamente hipossuficiente frente ao “rico”; no deficiente frente ao eficiente; e no trabalhador frente ao patrão.

Genericamente, toda e qualquer hipossuficiência é “compensada” no Direito. Percebe-se que compensar o lado fraco ou vulnerável é o mais lógico. Conservadores reclamam dessa lógica querendo “direitos iguais”. Mas igualdade no direito recebe um tônus científico irrefutável: igualdade substancial, que é a verdadeira igualdade. Traduz-se na fórmula: “tratar desigualmente os desiguais”.

A Constituição de 1988 foi considerada Cidadã também por este aspecto. Compensou, de alguma maneira favorecendo, os hipossuficientes e discriminados em geral. Do pobre ao índio. Tornou o racismo um crime imprescritível e outras pautas.

A justiça do trabalho sempre teve mais olhos para o empregado. Percebe-se que isso deve ser assim. Se alguém precisa de maior atenção não será o empregador, a empresa, o polo forte da relação. Também, esse padrão lógico de relativa proteção ao polo fraco não é invenção brasileira, mas universal.

Ocorre que modernas empresas passaram a inovar, ainda mais, em mecanismos de relativa fraude para não reconhecer “relações de emprego”. Já há muito que a justiça do trabalho cuida da “relação de trabalho” como um todo, à qual a relação de emprego é uma espécie. Na relação de emprego, ou vulgarmente chamado vínculo de emprego, incidem os direitos trabalhistas, como férias e seu um terço a mais, 13º salário, abono natalino, fundo de garantia etc.

Aí o malabarismo de grande parte do chamado mundo corporativo em tentar disfarçar o contrato de trabalho, para descaracterizar a relação de emprego. Muitos empregados acreditam que quando assinam um documento para a empresa, por exemplo, reduzindo direitos, não podem mais discutir, porque afinal tudo foi “assinado”. Não é raro, assim, escolas forçarem professores a “pedirem” redução de carga horária. Também empresas alterarem a contratação de um empregado, tornando-o diretor e com isso não pagar os direitos trabalhistas.

Todo documento que o trabalhador assina cujo conteúdo seja contrário a si, na relação de emprego, seja um pedido, uma transação ou um acordo, costuma não valer na justiça do trabalho. Esta é a regra. Pelo “princípio da primazia da realidade” vale o que efetivamente houve na relação de emprego e não o que possa estar “escrito”. É o que se chama de “contrato realidade”.

Os juízes conhecem as tentativas de fraude contra o trabalhador. Mesmo os chamados Trct, termo de rescisão de contrato de trabalho. Muito trabalhador demitido assina o Trct dando quitação e “acredita” que não pode discutir mais. Em alguns casos o que recebe é absurdamente menos de o que tinha direito a receber.

O art. 62 da CLT cuida de gerentes, diretores e chefes de departamento. Em alguns desses casos a situação fica crítica. Executivos seniores acabam não sabendo, precisamente, se têm ou não direito frente à empresa. Não é o salário alto que afasta a existência da relação de emprego. É a falta de certos requisitos.

A CLT, no art. 3º é precisa. Se houver pessoa física prestando serviço não eventual a empregador sob dependência deste, mediante salário, há relação de emprego. Aí estão todos os requisitos para a configuração da relação.

Será que o futuro do direito do trabalho é a sua “flexibilização” no sentido de que empresas possam ter em seus quadros empregados sem a garantia de relação de emprego? Pela ótica de um mundo mais “ágil”, como alguns gostam de imaginar, isso geraria mais empregos, mais contratações. Mas a história mostra que pela ótica do trabalhador, esse “liberalismo” trabalhista geraria mais distância, ainda, entre ele, como mero agente de produção de riqueza, e o dono da riqueza. Ambos os lados têm sua lógica. De novo, duas análises se entrechocam.

A primeira, uma análise mais sociológica do mundo atual que passou a exigir maior competitividade. Quando se pensam nos produtos chineses, por exemplo, a um custo muito baixo, as empresas ocidentais ensaiam malabarismos em redução de custos e despesas, para reduzir preço final. A margem de lucro se atrofia e falir se torna uma realidade mais fácil. Este é um modelo “ditado” por um ator – chinês e similares – que muitos chegam a acusar de trabalho escravo ou coisa parecida.

A segunda análise é a de que a Constituição de 88, no caso brasileiro, foi totalmente protetiva de uma cidadania trabalhadora. Esse fenômeno não é apenas brasileiro. Os quatro pilares da ordem econômica alemã, por uma lei de 8/6/1967, por exemplo, são a concorrência no mercado interno; concorrência no mercado externo;  estabilidade da moeda; e pleno emprego. O pleno emprego não é apenas numérico, mas qualitativo. Querem-se garantias e estabilidades mínimas para uma vida harmônica e saudável em sociedade.

Parece que juízes trabalhistas brasileiros da atualidade vivem bem o “humanismo” típico do direito do trabalho, influenciado por autores que ajudaram a construir e sedimentar garantias trabalhistas históricas, desde o pós-Guerra. Mas a pressão e a potência do mundo corporativo é avassaladora. Às vezes os sinais são de manutenção de um bom garantismo ao trabalhador. Às vezes teme-se por excessiva flexibilização nas relações. O papel do legislador será crucial para um visão a longo prazo neste século 21. Jean Menezes de Aguiar.

               

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