Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO - semana de 4.7.13
Toda relação jurídica processual
é composta por dois polos: autor e réu. Há um direito que regula os chamados polos
fracos, com princípios próprios. Este direito representa uma conquista das
sociedades. Com essas conquistas o próprio direito e as sociedades evoluíram. Polos
fracos estão nos direitos do cidadão frente ao Estado; no locatário frente ao
locador; no consumidor frente ao fabricante; no idoso frente ao adulto; no economicamente
hipossuficiente frente ao “rico”; no deficiente frente ao eficiente; e no
trabalhador frente ao patrão.
Genericamente, toda e qualquer hipossuficiência é
“compensada” no Direito. Percebe-se que compensar o lado fraco ou vulnerável é
o mais lógico. Conservadores reclamam dessa lógica querendo “direitos iguais”.
Mas igualdade no direito recebe um tônus científico irrefutável: igualdade
substancial, que é a verdadeira igualdade. Traduz-se na fórmula: “tratar
desigualmente os desiguais”.
A Constituição de 1988 foi considerada Cidadã também
por este aspecto. Compensou, de alguma maneira favorecendo, os hipossuficientes
e discriminados em geral. Do pobre ao índio. Tornou o racismo um crime
imprescritível e outras pautas.
A justiça do trabalho sempre teve mais olhos para o
empregado. Percebe-se que isso deve ser assim. Se alguém precisa de maior
atenção não será o empregador, a empresa, o polo forte da relação. Também, esse
padrão lógico de relativa proteção ao polo fraco não é invenção brasileira, mas
universal.
Ocorre que modernas empresas passaram a inovar, ainda
mais, em mecanismos de relativa fraude para não reconhecer “relações de emprego”.
Já há muito que a justiça do trabalho cuida da “relação de trabalho” como um
todo, à qual a relação de emprego é uma espécie. Na relação de emprego, ou
vulgarmente chamado vínculo de emprego, incidem os direitos trabalhistas, como
férias e seu um terço a mais, 13º salário, abono natalino, fundo de garantia
etc.
Aí o malabarismo de grande parte do chamado mundo corporativo
em tentar disfarçar o contrato de trabalho, para descaracterizar a relação de
emprego. Muitos empregados acreditam que quando assinam um documento para a
empresa, por exemplo, reduzindo direitos, não podem mais discutir, porque
afinal tudo foi “assinado”. Não é raro, assim, escolas forçarem professores a
“pedirem” redução de carga horária. Também empresas alterarem a contratação de
um empregado, tornando-o diretor e com isso não pagar os direitos trabalhistas.
Todo documento que o trabalhador assina cujo conteúdo
seja contrário a si, na relação de emprego, seja um pedido, uma transação ou um
acordo, costuma não valer na justiça do trabalho. Esta é a regra. Pelo “princípio
da primazia da realidade” vale o que efetivamente houve na relação de emprego e
não o que possa estar “escrito”. É o que se chama de “contrato realidade”.
Os juízes conhecem as tentativas de fraude contra o
trabalhador. Mesmo os chamados Trct, termo de rescisão de contrato de trabalho.
Muito trabalhador demitido assina o Trct dando quitação e “acredita” que não
pode discutir mais. Em alguns casos o que recebe é absurdamente menos de o que
tinha direito a receber.
O art. 62 da CLT cuida de gerentes, diretores e chefes
de departamento. Em alguns desses casos a situação fica crítica. Executivos
seniores acabam não sabendo, precisamente, se têm ou não direito frente à
empresa. Não é o salário alto que afasta a existência da relação de emprego. É a
falta de certos requisitos.
A CLT, no art. 3º é precisa. Se houver pessoa física
prestando serviço não eventual a empregador sob dependência deste, mediante
salário, há relação de emprego. Aí estão todos os requisitos para a
configuração da relação.
Será que o futuro
do direito do trabalho é a sua “flexibilização” no sentido de que empresas
possam ter em seus quadros empregados sem a garantia de relação de emprego?
Pela ótica de um mundo mais “ágil”, como alguns gostam de imaginar, isso
geraria mais empregos, mais contratações. Mas a história mostra que pela ótica
do trabalhador, esse “liberalismo” trabalhista geraria mais distância, ainda,
entre ele, como mero agente de produção de riqueza, e o dono da riqueza. Ambos
os lados têm sua lógica. De novo, duas análises se entrechocam.
A primeira, uma
análise mais sociológica do mundo atual que passou a exigir maior competitividade.
Quando se pensam nos produtos chineses, por exemplo, a um custo muito baixo, as
empresas ocidentais ensaiam malabarismos em redução de custos e despesas, para
reduzir preço final. A margem de lucro se atrofia e falir se torna uma
realidade mais fácil. Este é um modelo “ditado” por um ator – chinês e
similares – que muitos chegam a acusar de trabalho escravo ou coisa parecida.
A segunda análise é
a de que a Constituição de 88, no caso brasileiro, foi totalmente protetiva de
uma cidadania trabalhadora. Esse fenômeno não é apenas brasileiro. Os quatro
pilares da ordem econômica alemã, por uma lei de 8/6/1967, por exemplo, são a
concorrência no mercado interno; concorrência no mercado externo; estabilidade da moeda; e pleno emprego. O
pleno emprego não é apenas numérico, mas qualitativo. Querem-se garantias e
estabilidades mínimas para uma vida harmônica e saudável em sociedade.
Parece que juízes trabalhistas brasileiros da
atualidade vivem bem o “humanismo” típico do direito do trabalho, influenciado
por autores que ajudaram a construir e sedimentar garantias trabalhistas
históricas, desde o pós-Guerra. Mas a pressão e a potência do mundo corporativo
é avassaladora. Às vezes os sinais são de manutenção de um bom garantismo ao
trabalhador. Às vezes teme-se por excessiva flexibilização nas relações. O
papel do legislador será crucial para um visão a longo prazo neste século 21. Jean Menezes de Aguiar.
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